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A Venezuela prova pela enésima vez: o único socialista existente é o socialista de iPhone

Foto: Yuri Cortez/AFP (Foto: )

“Ser rico é ruim, é desumano. Eu condeno todos os ricos” (Hugo Chávez)

Uma matéria recente do Estadão sobre a vida luxuosa dos filhos da elite chavista dá uma boa medida da imoralidade intrínseca do socialismo. Na Venezuela, enquanto a população esfomeada come lixo e caminhões de ajuda humanitária são incendiados, a casta dirigente bolivariana esbanja riqueza.

A exemplo de María Gabriela, a filha mais velha de Hugo Chávez, embaixadora na ONU, em Nova York, e que, segundo a revista Forbes, esconde uma fortuna de US$ 4 bilhões em bancos americanos e europeus. Da caçula Rosinés, estudante da Sorbonne (em Paris), que em 2012 publicou no Instagram uma foto segurando um leque de notas de dólar. Da socialite Daniella Cabello, filha de Diosdaldo Cabello, braço direito de Maduro e chefão do narcotráfico na Venezuela (e que, em 2015, em visita não oficial ao Brasil, foi recebido duas vezes pelo amigo Lula). De Nicolasito, filho do atual ditador, flagrado numa festa luxuosa dançando sob uma chuva de notas da moeda americana. E, por fim, do próprio ditador, cuja presença roliça em restaurante chique de Istambul, onde se fartou de carne (e sangue), configura um ato ostensivo de escárnio para com um povo faminto e massacrado.

O contraste ultrajante entre a boa vida da elite dirigente venezuelana e a penúria da população representa o suprassumo do socialismo, que, nesse sentido, é de fato um sistema formidável de distribuição de riqueza: esta é inteiramente roubada da população e transferida para os mandatários do regime – em especial, é claro, o ditador do turno e sua família.

Daí que, embora entenda a intenção irônica, não consiga deixar de me incomodar com quem, no campo liberal-conservador, insiste em apontar uma suposta contradição entre comunismo e riqueza material. “Onde já se viu comunista de iPhone e MacBook?”, “Por que a comunista Manuela D’Ávila foi fazer enxoval nos EUA?”, “Por que Chico Buarque prefere viver em Paris e não em Caracas?” – indagam, sem perceber que, com isso, e ainda que o objetivo evidente seja apontar a hipocrisia dessas pessoas, nada mais fazem que reforçar a mitologia autobeatificante de esquerda, segundo a qual o comunista ‘verdadeiro’ é um sujeito abnegado, ascético, avesso a luxos capitalistas.

Ora, a experiência histórica mostra precisamente o contrário. Com a provável exceção dos idiotas úteis da arraia miúda militante, os comunistas de destaque, os que chegaram ao poder e marcaram presença real na história, foram sempre consumidores vorazes do iPhone, da Nike, do Rolex de ouro, do vinho Romanée-Conti, das carnes de primeira, dos iates, das dachas luxuosas, e assim por diante… Foi assim na URSS, na China, na Coreia do Norte, nos países africanos, em Cuba, na Venezuela, no Brasil do lulopetismo, e onde quer que um partido comunista tenha chegado ao poder.

Já em 1936, por exemplo, no livro A Crise da Democracia, o austromarxista Otto Bauer denunciara o surgimento de uma classe dominante e economicamente privilegiada na URSS, formada pela cúpula do partido comunista local. E também Milovan Djilas, em A Nova Classe (1957), descrevera a oligarquia economicamente privilegiada composta pelos membros do Politiburo do Partido Comunista Iugoslavo.

Mas foi o advogado e dissidente soviético Konstantin Simis quem, no livro URSS: A Sociedade Corrupta – O Mundo Secreto do Capitalismo Soviético (1982), traçou o retrato completo da sociedade soviética de classes, na qual, via mercado negro e corrupção, os altos quadros do governo, do partido e do funcionalismo público (em suma, da Nomenklatura) tinham acesso a produtos importados, finos e exclusivos, enquanto o restante da população vivia na escassez das mercadorias locais.

Simis inicia o livro contando sobre uma visita que, certa feita, fez a um casal de amigos, em que o marido pertencia à Nomenklatura. Chegando com sua mulher ao lar dos anfitriões importantes, para quem levaram um bolo comprado numa padaria de rua, recebeu da dona da casa uma resposta constrangida: “Ora, por que você fez isso? Não precisava se incomodar. Não comemos essas ‘coisas da cidade’, você sabe”.

Embora não tivesse conseguido se livrar da regra de etiqueta segundo a qual não se chega na casa dos outros de mãos vazias, Simis sabia que, naquela casa, não se consumiam “coisas da cidade”, mas tão somente “coisas do Kremlin” – mercadorias adquiridas nas lojas privadas de acesso exclusivo da casta superior do partido comunista. Nas palavras do autor: “A elite dirigente não tinha apenas as suas lojas; tinha sua própria agência de ingressos para teatro, suas próprias livrarias (nas quais se achavam livros raros) e suas próprias farmácias (que vendiam remédios importados inexistentes nas farmácias ordinárias). Tudo isso permitia à elite dirigente gozar de vantagens materiais inacessíveis aos cidadãos comuns. Com efeito, qualquer coisa ligada aos governantes era exclusiva e separada”.

Na filial caribenha da URSS, as coisas não foram diferentes. Hoje sabemos que Fidel Castro viveu sempre como paxá em meio a um povo miserável. Em seu livro de memórias, Juan Reinaldo Sánchez, ex-segurança de Fidel, relata a vida luxuosa levada pelo ditador caribenho: “Em contradição com o que sempre disse, Fidel jamais renunciou ao conforto capitalista nem optou por viver em austeridade. Ao contrário, o seu modo de vida era o de um capitalista, sem nenhuma espécie de limite. Nunca acreditou que os seus discursos o obrigassem a levar a vida austera de todo revolucionário que se preze: nem ele, nem Raúl jamais cumpriram os preceitos que pregavam aos seus compatriotas”.

O mesmo padrão se observa na China, onde os membros da elite comunista dirigente ficaram bilionários, quase todos se servindo de redes offshore para ocultar o próprio patrimônio, como revelou o escândalo recente dos Panama Papers. E no Brasil, onde o autoproclamado “partido dos trabalhadores”, sob o comando do abominável homem de Garanhuns, protagonizou o maior escândalo de corrupção da história, saqueando as estatais para sustentar os luxos e o projeto totalitário da companheirada, tanto em casa quanto fora.

Portanto, não há razão para surpresa. O único comunista que existe é o comunista de iPhone. A imagem do comunista padrão como uma versão secular de São Francisco de Assis é inteiramente fraudulenta. E, por mais divertido que seja ridicularizar a hipocrisia de idiotas úteis como Chico Buarque e Wagner Moura, convém ter em mente que um uso viciado da linguagem, pelo qual se reproduz inocentemente os topoi do adversário, acaba servindo para reproduzir estereótipos benevolentes sobre o comunismo e a esquerda em geral.

Por fim, há de se esclarecer de uma vez por todas. Não há “crise” alguma na Venezuela. O que há ali é o socialismo em essência, em pleno funcionamento. É justamente isso o que ocorre quando o socialismo funciona bem: ditadores vivem como nababos e o povo morre de fome. Portanto, o problema do socialismo nunca foi o de “não ter dado certo em parte alguma”, como pretende certa crítica liberal irrefletida e preguiçosa. O problema foi justamente o de tê-lo feito, pois é precisamente quando funciona que esse regime político se transforma no flagelo humanitário conhecido, que assolou as nações por onde passou. A Venezuela é a forma paradigmática do assim chamado “socialismo do século 21”, esse mesmo que, por uma espécie de conjunção miraculosa de fatores, terminou não conseguindo se concretizar plenamente no Brasil. Graças a Deus!

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