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O plano da “ditadura” bolsonariana

Foto: Mauro Pimentel/AFP (Foto: )

Amigos que não se consideram mais petistas, que não votaram no PT no primeiro turno, tampouco fazem uso de chantagem emocional demonizando quem pensa diferente deles, tentam me convencer que, infelizmente, Fernando Haddad seria opção menos pior do que Jair Bolsonaro.

Os argumentos não variam, podendo ser resumidos na suposição de que a democracia estaria mais em risco com o capitão do Exército do que com o pau mandado de presidiário, que reconhecem também não ser nada democrático. Compreendo o receio e a desconfiança, mas como pode parecer pior alguém cujo passado justifica esse temor, mas no presente se compromete explicitamente com a democracia, enquanto o outro candidato, como demonstrei aqui na semana passada, traz no próprio plano de governo uma explícita ameaça à democracia?

Não acredita que Jair Bolsonaro esteja comprometido com a democracia, a Constituição, as leis e a defesa dos direitos de todos? É do seu direito duvidar, mas é do seu dever se informar também. E basta ler o plano de governo dele para se constatar que, ao menos no discurso, esse compromisso existe e é muito, mas muito maior que o de Fernando Haddad. Por, pelo menos, quatro razões.

Primeira, porque não trata impeachment como golpe, o atual governo como ilegítimo e o Poder Judiciário como perseguidor, como fez Haddad como premissa de todo o seu plano de governo. Segunda, porque não quer nova Constituinte, como consta do plano do PT (ainda que em entrevistas Haddad tenha dito ter desistido disso); ao contrário, prega a “defesa das leis e da obediência à Constituição”. Terceira, porque não quer controlar a imprensa como o PT, indo em sentido oposto: “Somos contra qualquer regulação ou controle social da mídia”. Quarta, porque se compromete com os princípios do liberalismo, o que significa dizer que pretende diminuir o tamanho do Estado e descentralizar seus poderes, algo que vai obviamente em direção contrária à de uma ditadura.

Isso já fica claro no início do documento, quando se apresenta quais são os valores e compromissos do candidato, ficando explícito o compromisso com a liberdade individual como a pedra de toque de todo o plano de governo. É a partir dela que se estruturam os demais valores indicados, como a defesa da propriedade privada e da família, tratadas como frutos dessa liberdade de escolha que deve ser respeitada pelo Estado. E, se você imaginou que a família aí seria apenas a “patriarcal”, imagine diferente porque o que está escrito no plano é: “Seja ela como for, é sagrada e o Estado não deve interferir em nossas vidas”. Sim, você leu direito: se é família “seja ela como for”, logo não se está limitando a proteção à família tradicional. Para completar o respeito à diversidade, ainda afirma que: “Qualquer forma de diferenciação entre os brasileiros não será admitida. Todo cidadão terá seus direitos preservados”.

O capítulo seguinte do plano trata da forma de governar com o lema “Mais Brasil, Menos Brasília”, o que já resume uma das principais propostas, a diminuição do tamanho do Estado com a descentralização do poder, fazendo do Brasil uma federação de verdade. Como? Primeiro, pela redução de ministérios (não se diz para quantos, mas em entrevistas recentes o candidato informou que quer 15, o que significará cortar pela metade o número atual). Segundo, pela privatização de estatais, cuja finalidade, aliás, não seria para fazer caixa, mas visando aumento da competição empresarial. Terceiro, pela desburocratização geral: “Chega de carimbos, autorizações e burocracias. A complexidade burocrática alimenta a corrupção. Faremos um governo que confiará no cidadão, simplificando e quebrando a lógica que a esquerda nos impôs de desconfiar das pessoas corretas e trabalhadoras. Não continuaremos a tratar a exceção como regra, o que prejudica a maioria dos seguidores da lei”.

Estabelecida essa estrutura, aponta o plano os desafios mais urgentes a serem enfrentados, como a insegurança pública, corrupção, desemprego e rombo fiscal, dentre outros. Para cada um desses desafios há uma linha de ação, algumas apenas genericamente tratadas, como as medidas para a educação, outras já com clareza de atuação, como na questão da segurança pública, em que se propõe, dentre outras medidas, reduzir a maioridade penal, acabar com a progressão de penas e saídas temporárias, reformular o Estatuto do Desarmamento e dar garantia de excludente de ilicitude para policiais no exercício de sua atividade profissional.

As propostas econômicas estão entre as mais desenvolvidas no plano, partindo da premissa de garantir a estabilidade macroeconômica através de dois organismos principais: “o Ministério da Economia e o Banco Central, este formal e politicamente independente, mas alinhado com o primeiro”. Esse ministério abarcaria as funções hoje desempenhadas pelos ministérios da Fazenda, Planejamento, e Indústria e Comércio, bem como a Secretaria Executiva do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI). Propõe-se, então, redução de juros pela desmobilização de ativos públicos, com o correspondente resgate da dívida mobiliária federal e a redução natural do custo médio da dívida. Também se fala de uma reforma da Previdência, mas pouco detalhada, a não ser para dizer que se tentará mudar para um modelo de capitalização, e uma reforma tributária visando unificar tributos e fazer radical simplificação do sistema com a gradativa redução da carga tributária bruta, mais a descentralização e municipalização para aumentar recursos tributários na base da sociedade.

Além disso, pretende-se introduzir mecanismos capazes de criar um sistema de imposto de renda negativo na direção de uma renda mínima universal, acima do valor do Bolsa Família, que será mantido. Para quem entende que isso teria pouco a ver com o liberalismo, o plano esclarece: “Todas essas ideias, inclusive o Bolsa Família, são inspiradas em pensadores liberais, como Milton Friedman, que defendia o Imposto de Renda Negativo. Propomos a modernização e aprimoramento do programa Bolsa Família e do Abono Salarial, com vantagens para os beneficiários. Vamos deixar claro: nossa meta é garantir, a cada brasileiro, uma renda igual ou superior ao que é atualmente pago pelo Bolsa Família”.

Proposta interessante é a criação de um nova carteira de trabalho verde e amarela: “voluntária, para novos trabalhadores. Assim, todo jovem que ingresse no mercado de trabalho poderá escolher entre um vínculo empregatício baseado na carteira de trabalho tradicional (azul) – mantendo o ordenamento jurídico atual –, ou uma carteira de trabalho verde e amarela (onde o contrato individual prevalece sobre a CLT, mantendo todos os direitos constitucionais).” Imposto sindical não retornará e, para o empreendedor, se propõe facilitar suas iniciativas: “Será criado o BALCÃO ÚNICO, que centralizará todos os procedimentos para a abertura e fechamento de empresas. Os entes federativos teriam, no máximo, 30 dias para dar a resposta final sobre a documentação. Caso não dessem a resposta nesse prazo, a empresa estaria automaticamente autorizada a iniciar ou encerrar suas atividades”.

Para finalizar o plano: “Todos esses objetivos não valem sem resgatar a fraternidade, o respeito ao próximo, a cidadania, a responsabilidade com os mais fracos e vulneráveis. Fraternidade é lutar por quem não pode se defender dos maus. Brigar para que os jovens tenham um futuro e os idosos não fiquem desamparados por um Estado falido, uma educação aparelhada ideologicamente e uma saúde em frangalhos. É combater o roubo do dinheiro público e não ser passivo ou indiferente com o sofrimento dos brasileiros”.

Enfim, diante de um plano desses, como sustentar a acusação de que Bolsonaro quer implantar uma ditadura? Somente ignorando propositalmente o proposto, e é isso que fez a campanha de Geraldo Alckmin durante todo o primeiro turno, seguido pelo PT neste segundo turno, repetindo a mesma estratégia: demonizar Bolsonaro como se fosse um “nazista”, “fascista”, “machista”, “homofóbico”, “torturador” etc., unicamente com base em falas mais do que infelizes do candidato ditas no passado, a maioria mostrada fora de contexto, como a discussão com a deputada Maria do Rosário. Ou seja, acusam-no por discursos do passado, recusando seu discurso do presente. Até agora não só não funcionou, como até ajudou Jair Bolsonaro, pois pouco precisou detalhar seu plano ou defender seus valores e compromissos.

Enfim, a verdade é que a escolha de tucanos e petistas de tentar assassinar a reputação do adversário foi e está sendo a principal causa para que nesta eleição não se esteja discutindo mais nada. Temos, pela primeira vez, duas propostas muito distintas, uma de viés claramente socialista, de Fernando Haddad, e outra liberal-conservadora, de Jair Bolsonaro. Se você for consultar os planos de governo petistas e tucanos nas últimas eleições, verá que as diferenças são de ações, nunca de princípios. Mas nesta temos, de fato, duas propostas de país muito diversas. Se quiser fazer um teste, leia os documentos petista e bolsonarista, conte quantas vezes aparecem as palavras “controle” e “liberdade” e terá uma noção mais precisa da diferença entre ambos e o que cada um valoriza mais.

Retorno ao receio e desconfiança de meus amigos em relação a Jair Bolsonaro em função do seu passado, algo que compreendo perfeitamente; afinal, ceticismo em relação à candidatos e políticos em geral deveria ser a regra. Mas, no fim das contas, todo voto é sempre um voto de confiança no que o candidato se propõe a fazer, seja ele quem for. E nesse sentido, caro leitor, seja sincero e me responda o seguinte, caso comungue desse mesmo temor: se esse plano de governo fosse de um Amoêdo, Alckmin, Meirelles, Alvaro Dias, enfim, qualquer um desses, teria algum cabimento duvidar de compromisso com a democracia?

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