O desgoverno Bolsonaro joga, e muito bem, com a produção antecipada de desmentidos e a manipulação calculada de anseios e frustrações. É uma espécie de governo ad hoc. Não que isso seja novidade política, mas impressiona como tem sido praticado com método e intensidade.
Em resumo, funciona mais ou menos assim: Bolsonaro dispara qualquer coisa sobre qualquer tema, assunto ou fato, e espera a reação correspondente; a depender de como público e imprensa reagem, ele projeta, retroativamente, o significado que melhor se ajuste à narrativa pretendida.
A demissão de Velez Rodriguez deu o tom: ele estava demitido quando a informação vazou. Em horas seria anunciado. No entanto, como a jornalista Eliane Cantanhede antecipasse a novidade, Bolsonaro achou por bem retardar o anúncio, com o nobilíssimo intuito de machucar a imprensa.
Outro exemplo é o decreto que, a rigor, libera o porte de armas para milhões de pessoas, feito sem estudo, cuidado ou debate. Mais uma dessas profecias autorrealizáveis: se fosse bem recebido, bem recebido seria.
Contudo, as reações à intempestividade do decreto não foram das melhores, e sua constitucionalidade está sendo questionada. É muito provável que seja derrubado no Congresso. Resultado? Bolsonaro se apressou a afirmar que acatará a decisão, caso seja mesmo inconstitucional.
Aqui, ele faz truque de mágico de bairro: de um lado, posa de obediente à Constituição (como se fosse mérito e tivesse outras opções); de outro, joga sobre o Congresso a responsabilidade pela eventual frustração da torcida organizada.
Esta semana Bolsonaro sancionou anistia de 70 milhões de reais a partidos políticos, mas jurou de pés juntos que tudo não passava de intriga da imprensa. O problema é que não, não se trata de intriga da imprensa. A decisão saiu no Diário Oficial, aquele jornalzinho de forrar gaiola de canário.
Agora, sua penúltima declaração (neste exato momento deve estar declarando outra coisa) é a de que o problema do Brasil é a classe política. Ouço daqui os aplausos da patuleia.
Me desculpem o latim, mas só mesmo a patuleia para aplaudir que um presidente eleito depois de sucessivos mandatos como deputado, e depois de apoiar os sucessivos mandatos de três dos seus filhos, reclame da classe política, como se a ela não pertencesse. Como se fosse um querubim, um mutante, um extraterrestre.
Se o problema do país é de fato a classe política, e sou tentado a concordar com o presidente, acredito que ele deveria começar dando o exemplo. Há profissões mais decentes, tenho certeza, há vocações mais nobres, estou convicto. Quem sabe ele não faz um bem a si mesmo e se descobre comediante, prestidigitador, encantador de serpentes?
Fica a sugestão.
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