O efeito colateral um tanto perverso dos nossos mais recentes embates políticos é a rejeição sistemática e irrefletida do que chamam, cada vez mais agressivamente, de “grande imprensa”. Na prática, já virou xingamento. Fazer parte da grande imprensa é ter a credibilidade colocada sob suspeita, a despeito de méritos e deméritos, filiações partidárias ou predileções ideológicas.
A grande imprensa virou Geni.
Longe de mim fazer vista grossa para o muito que há de reprovável nesta segunda profissão mais antiga do mundo. Já critiquei e continuarei a criticar. Mais do que na imprensa, o que de reprovável houver estará nos jornalistas em particular: este, aquele, aqueloutro.
Como em toda parte, na imprensa existe gente ruim à beça. Quem é ruim, ou erra num determinado momento, tem de ser questionado, criticado, refutado. O problema é que jornalismo já está virando sinônimo de simonia, e isso é um perigo.
É um perigo porque a imprensa, com ou sem o irônico adjetivo, é parte muito importante do que chamamos de opinião pública. Sim, eu sei, essa expressão está fora de moda, mas tem seu valor. A matéria-prima de nossas infindáveis discussões é o que se escreve na imprensa, grande ou pequena. Imprensa, ponto.
Ninguém há de negar (nem lamentar) o aparecimento das tecnologias disruptivas, a descentralização das fontes de informação, a maior abertura ao debate e a proximidade do leitor com o autor. Tudo isso é positivo, irrenunciável e não se cogita voltar ao maravilhoso mundo analógico.
Porém, lamento dizer, os erros na mídia dita alternativa também são muitos, e grandes, e graves como os outros. Ter a liberdade de escrever num blog ou gravar um podcast não garante credibilidade ou independência a ninguém. Ao contrário. Certa irresponsabilidade comum aos alternativos pode ser tão ou mais perigosa quanto o propalado comprometimento do mainstream.
Além disso, uma aproximação dos alternativos ao mainstream político ou econômico pode acontecer com bastante naturalidade; basta que o governo em questão, direita ou esquerda, também se apresente como alternativo, contra tudo o que está aí, nunca antes na história deste país. Pronto: para um governo assim haverá uma imprensa que corresponda às expectativas.
Portanto, no fundo o que importa é a honestidade de quem escreve e de quem lê. Essa virtude bailarina é colocada à prova em cada texto, em cada vídeo, em cada denúncia, em cada reportagem. Defender a imprensa – a grande, a média, a pequena imprensa, como queiram – não é estar ao lado dos poderosos, de uma categoria, de um sindicato de ladrões.
Defender a imprensa é defender a ideia de que é bom haver imprensa, para errar e para acertar. A liberdade de expressão depende de meios para ser praticada ou exercida. A imprensa nem sempre é digna ou está à altura dos valores que defende, mas, como se diz, ruim com ela, muito pior sem ela.
Gazeta do Povo, 100 anos, é prova disso.