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O país dos Mourões

O vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão (Foto: )

“Bebam à minha saúde — ordenou o Capitão”

 

Karl Marx disse que a história se repete: a primeira vez como tragédia, a segunda como farsa. No Brasil, depois da tragédia petista, o prenúncio da farsa. Sim, ainda é cedo para julgar. Temos quatro anos pela frente, no mínimo, isso se não dobrarmos a aposta. Brasileiro gosta de viver perigosamente.

Se a primeira impressão é a que fica, o começo não é dos mais animadores. No país dos Mourões, tivemos Mourões melhores. Poesia bastante à parte, um verdadeiro choque liberal e sanitário na política é mais difícil do que parece, e não por acaso: escolhemos os piores meios e queremos os melhores resultados, como se estivéssemos sempre aprendendo com os erros o que eles têm de mais errado. Damos um sentido muito literal ao “fail again, fail better”, de Samuel Beckett.

Consideremos, por um momento, que Jair Bolsonaro lui-même pode não ser tão mau. O problema é o entorno e a entourage. Queremos governo mínimo e elegemos governantes máximos; falamos em instituições e nos intoxicamos de carisma; defendemos a soberania nacional e vestimos o boné e a carapuça do americanismo no que tem de mais rastaquera.

O vice-presidente da República, General Mourão, viu seu rebento ser alçado aos altos escalões do Banco do Brasil. Ele é concursado, fez carreira, acordou três vezes mais importante no banco. Ele agora é assessor especial, e assessor especial é o nome que se dá a toda função que não se sabe qual é, para que serve, a quem interessa. O assessor assessora.

Mourão indignou-se com a indignação alheia, cheio da naturalidade de quem exala odor patrimonialista. Garantiu que seu filho tem qualificações, sangue do seu sangue. Não duvido, mas pouco importa. As aparências não enganam, e isso é exatamente o que se espera em casos de nepotismo explícito ou implícito: “Ele tem qualificações”. Surpreenderia se Mourão retumbasse: “Brasil acima de tudo, meu filho acima de todos”.

Qualquer um sabe que nem tudo o que é lícito convém. A regra paulina se aplica perfeitamente a governos: a conduta às vezes não é ilegal, mas pode ser imoral. É o caso. Negar isso é ter visão bastante frouxa da ética pública e dos alardeados valores republicanos, e tudo soa tão antigo e doloroso quanto um romance de José Sarney.

No tiroteio, Jair Bolsonaro parece perdido. Quase alheio. De sua boca, salvo uma ou outra declaração inapropriada, até que não têm saído os absurdos maiores, como se ele fosse o sempre último a saber. Mas ele tem filhos demais, aliados demais, interessados demais, pelegos demais. Não sei se caberá tanta gente nesse Estado mínimo; precisamos alargar as fronteiras.

As três ou quatro frentes de poder têm colidido com frequência indesejável. Os melhores são os da equipe econômica, além de Sérgio Moro e alguns militares que demonstram sensatez e preparo (destaque para Augusto Heleno). O maior perigo vem da barulhenta ala circense-ideológica, capitaneada pelos onipresentes “filhinhas” da Dona Armênia.

Jair Bolsonaro tem de assumir a direção do governo, mesmo que erre. Errar humano é presidencial. Ele sabe, sei que sabe, onde o calo brasileiro dói: crescimento econômico, desestatização, segurança pública. Alguma agenda de consenso. Se vier a conduzir a canoa furada pelo PT (e remendada pelo Temer) por águas mais tranquilas, talvez passe para a história como o homem errado que acabou dando certo.

Caso contrário, sairá muito menor do que entrou. Da farsa à anedota, como uma espécie de Macaco Tião.

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