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Oito perguntas para Igor Sabino (Parte 1)

Igor Sabino é Bacharel e Mestre em Relações Internacionais pela Universidade Estadual da Paraíba (UEPB), e alumnus do Philos Project Leadership Institute. Realizou trabalhos humanitários em ONGs de Direitos Humanos ligadas à American University of Cairo, no Egito, e pesquisas de campo na Polônia, Israel, Territórios Palestinos, Líbano e Jordânia relacionadas a migrações forçadas e perseguição religiosa. Tem como áreas de interesse: Religião e Relações Internacionais; Migrações Forçadas; Política Externa dos EUA para o Oriente Médio; Sionismo Cristão e Islã Político.

 

1 Você é Bacharel e Mestre em Relações Internacionais. Como se deu a escolha da carreira? Fale também sobre a formação acadêmica e as influências intelectuais (livros e autores).

Decidi fazer Relações Internacionais em 2011, de uma maneira bastante inusitada. Nasci em Campina Grande, cidade no interior da Paraíba, filho de um pai administrador e de uma mãe enfermeira. Mas sempre gostei muito de ler e, desde muito cedo, sonhava em conhecer outras culturas e viajar pelo mundo, sobretudo para o Oriente Médio, fato que está totalmente relacionado à educação cristã que recebi dos meus pais na infância. Sempre tive curiosidade de saber qual era a situação dos lugares citados na Bíblia. Então, em 2010, quando estava com 15 anos, comecei a estudar um pouco mais sobre geopolítica e ouvi falar sobre a perseguição aos cristãos em países árabes, sobretudo no Egito. No final daquele mesmo ano eclodiu a chamada Primavera Árabe, e acompanhei tudo pelo Twitter. Em 2011, quando os protestos chegaram ao Egito e fiquei sabendo dos atos de violência contra os cristãos, senti que queria me envolver mais com o Oriente Médio, usar a minha futura profissão para ajudar aos cristãos de lá de alguma maneira, talvez sendo missionário ou algo do tipo. Foi aí que decidi fazer Relações Internacionais, aos 16 anos, na Universidade Estadual da Paraíba.

Durante o curso me dediquei principalmente a entender a geopolítica do Oriente Médio e os sistemas internacionais de proteção aos direitos humanos, a fim de trabalhar com advocacy em favor dos cristãos perseguidos. Fato que também me levou a me envolver com outras causas, como a proteção aos refugiados e o conflito Israel-Palestina. Em 2015, após a graduação, fiz um intercâmbio de trabalho voluntário no Egito e, ao ver, in loco, a situação dos cristãos médio-orientais, decidi me dedicar mais à causa deles por meio da via acadêmica. Em virtude disso, no mestrado, pesquisei sobre a perseguição religiosa aos cristãos e yazidis no Iraque pelo grupo terrorista Estado Islâmico, e abordei a importância da religião para a política internacional. No meu doutorado em Ciência Política, que iniciarei em 2019 na Universidade Federal de Pernambuco, pretendo escrever sobre o regime internacional de proteção aos refugiados no Oriente Médio.

No âmbito das Relações Internacionais, sou muito influenciado pelos autores da chamada Escola Inglesa, sobretudo Martin Wright e Hedley Bull, com seu clássico A Sociedade Anárquica. Acredito que a visão deles sobre a sociedade internacional é muito próxima dos valores cristãos que professo, sendo um meio-termo entre o Realismo e o Liberalismo das RI. Porém, meu pensamento político é influenciado principalmente por autores cristãos. Dentre eles, Dietrich Bonhoeffer, Reinhold Niebhur, Herman Doweeyerd, Abraham Kuyper e Francis Schaeffer. Acho, particularmente, que esses dois últimos autores são essenciais para a compreensão da política contemporânea, principalmente sobre temas complexos como multiculturalismo e imigração. Matthew Kaemingk, por exemplo, em seu livro Muslim Immigration and Christian Hospitality in a age of fear, utiliza a ideia de pluralismo cristão do Kuyper para defender o acolhimento de refugiados e imigrantes muçulmanos no Ocidente, evitando os extremos tanto da direita quanto da esquerda. Além deles, gosto muito do Roger Scruton, considerado por muitos como o pai do conservadorismo moderno.

2 Nos últimos anos temos um debate bastante vivo sobre as diferenças entre globalização e globalismo. Você reconhece essas diferenças e, em especial, reconhece como válido o conceito de “globalismo”?

Esses são termos muito em alta, hoje em dia. No entanto, acredito que existam diferenças, sim. Acredito que a globalização diz respeito à expansão das trocas comerciais entre os países e à diminuição das fronteiras da comunicação e dos deslocamentos, em virtude do avanço da tecnologia. Atualmente, nenhum país consegue se isolar totalmente do restante da comunidade internacional, nem mesmo países como a Coreia do Norte. Embora a sua população esteja quase que inteiramente alheia ao que acontece ao redor do mundo, o país precisa negociar com outros Estados, como foi demonstrado recentemente com as negociações com Trump. Porém, eu prefiro utilizar o conceito de “interdependência complexa”, como propõe Robert Keohane. Os países hoje estão tão interligados que, muitas vezes, fenômenos internos de um país acabam afetando vários outros. Por exemplo, a Guerra Civil Síria, inicialmente, era uma série de protestos populares inspirados em manifestações semelhantes em países vizinhos. Atualmente, é uma guerra por procuração envolvendo as principais potências do mundo, responsável pelo deslocamento de milhares de refugiados para países vizinhos e para a Europa. Então, acho que a globalização, para o bem ou para o mal, é um fato, uma característica do mundo pós-Guerra Fria.

O termo “globalismo”, por outro lado, segundo as definições de Olavo de Carvalho e outros nomes da chamada “nova direita brasileira” é a tentativa de setores da esquerda global de se utilizar das características da globalização para expandir determinadas pautas morais ao redor do mundo. Outros autores, porém, como o Ian Bremmer, nome conhecido do mainstream, em seu livro recente Us vs. Them: The Failure of Globalism, afirma que o globalismo é uma ideologia de cerca de 1% das principais elites do mundo ocidental e que, diferentemente da globalização, falhou. Concordo com ele. Acredito que o globalismo é uma ideologia que vê na globalização algo benéfico e que deve ser expandido por todo o mundo, até que um dia, quem sabe, seja possível abolir os Estados nacionais e criar um grande governo global. Porém, acho que isso é algo que está longe de ser alcançado. Na minha opinião, muito do que hoje é alardeado como globalismo nada mais é do que os próprios efeitos da globalização, que nem sempre são ruins. Afirmo isso como um cristão conservador, vale ressaltar. Entretanto, não há consenso entre os especialistas em política internacional acerca da definição do tema, assim como não há sobre vários outros temas da área. Logo, reconheço que posso estar equivocado em minha análise.

3 Quem polemiza a respeito desses conceitos, também costuma polemizar a respeito da ONU (e de muitos de seus órgãos), tida como organização ideológica e propensa a uma espécie de governo mundial, que sobrepujaria a soberania dos Estados nacionais. Esse diagnóstico lhe parece correto – há exageros, há justificativas?

Eu consigo compreender a preocupação de muitas dessas pessoas, principalmente nos dias atuais, devido à inegável influência do filósofo Olavo de Carvalho. No entanto, creio que há muitos exageros e desinformação acerca do funcionamento da ONU e de seus órgãos no meio conservador brasileiro. É necessário ressaltar, como fazem Mônica Herz e Andrea Hoffmann, em seu livro Organizações Internacionais: histórias e práticas, que a ONU é uma organização intergovernamental surgida no final da Segunda Guerra Mundial como uma arena para discussão das normas internacionais, mas também como um ator internacional que assume e produz ideias dentro dos limites impostos pelos Estados que a compõem. Logo, ainda que seja o caso de a organização ter um viés ideológico mais progressista, como alguns conservadores apontam, suas decisões estão totalmente subordinadas aos Estados que fazem parte dela. Isso fica mais fácil de compreender quando estudamos os principais órgãos da ONU. Dentre eles, destaco o Conselho de Segurança e a Assembleia Geral. O primeiro é composto por cinco membros permanentes (EUA, Rússia, China, Reino Unido e França) com poder de veto, e dez membros rotativos eleitos pela Assembleia, para mandatos de dois anos. Esse é o órgão mais importante da organização, uma vez que suas decisões são obrigatórias. É também, a meu ver, o órgão que ressalta com mais clareza o poder que os Estados soberanos exercem sob a ONU. É por causa do poder de veto da Rússia, por exemplo, que várias decisões contra a Síria foram vetadas. Do mesmo modo, em 2003, os EUA não conseguiram aprovar no Conselho de Segurança uma Resolução que justificasse a sua intervenção no Iraque, em nome da chamada “Guerra ao Terror”. Ainda assim, mesmo sem o aval do órgão, deram início à ação militar. Fato que pôs em cheque a credibilidade da ONU até hoje.

A Assembleia Geral, por sua vez, é formada por todos os membros da organização, com poder de voto igual para todos. As decisões são tomadas por maioria (2/3 dos votos), com exceção de questões orçamentárias, referentes à segurança e admissão de novos membros. Isso explica, por exemplo, o porquê de Israel ter mais sanções do que países autocráticos como Síria e Coreia do Norte, já que somente os países árabes possuem mais de 20 votos na Assembleia. Quanto às demais agências da ONU, até mesmo as técnicas fazem apenas recomendações aos Estados, que obedecem se quiserem. Logo, não vejo a ONU como uma ameaça à soberania dos Estados nacionais. Pelo contrário, vejo-a como uma arena onde essa soberania é demonstrada de maneira mais clara. Isso, no entanto, não implica afirmar que a organização não tenha pautas ideológicas próprias. É provável que sim, sobretudo suas agências. No entanto, são necessários mais estudos sérios sobre o tema, inclusive usando os métodos da Ciência Política, indo além das acusações de globalismo e etc. Ao mesmo tempo, também não significa que sou um grande entusiasta da ONU. Pelo contrário, tenho muitas críticas à organização, sobretudo no que tange ao conflito palestino-israelense.

4 A partir dessas premissas, qual é a sua opinião sobre a escolha (e o perfil intelectual) de Ernesto Araújo, novo Ministro das Relações Exteriores?

Eu achei a escolha condizente com o programa de governo de Bolsonaro durante a campanha, bem como com suas propostas para política externa. O Ernesto Araújo enxerga o cenário internacional como o Olavo de Carvalho – não é à toa que foi indicação do filósofo. Antes do anúncio oficial do presidente eleito, eu já havia lido alguns textos do futuro chanceler e o considero um grande intelectual, ainda que discorde totalmente de suas análises sobre a política internacional e sobre o papel do Brasil no mundo. Confesso que fiquei surpreso com a sua escolha, principalmente pela falta de experiência com negociações internacionais, já que nunca chefiou nenhuma missão do Brasil no exterior.  No entanto, acredito que a sua competência nesse sentido será demonstrada apenas quando estiver no cargo de fato. Nesse sentido, acho que a mudança da Embaixada do Brasil em Israel, de Tel Aviv para Jerusalém, será um grande teste. Se ele conseguir realizar a mudança sem afetar negativamente as nossas relações com os parceiros comerciais do mundo árabe, terá a oportunidade de mostrar que é um grande negociador, ainda que a ação constitua uma grande ruptura em nossa tradição de política externa.

Como mencionei anteriormente, penso a política internacional a partir das premissas dos autores da Escola Inglesa de Relações Internacionais, então, vejo com preocupação a forma como o futuro chanceler se refere aos regimes internacionais e suas falas sobre mudança climática e migração. Para ele, os regimes internacionais são instrumentos do globalismo para a criação de um governo mundial. Porém, na área de migrações, por exemplo, o regime internacional de proteção aos refugiados é um dos mais falhos. Alexander Betts e Paul Collier, no livro Refuge: Transforming a Broken Refugee System, lançado ano passado,   fazem várias críticas à agência da ONU para refugiados, e afirmam que a atual crise de migrações forçadas da atualidade se dá, em grande parte, devido à ineficácia dos mecanismos internacionais quanto ao tema. Logo, embora Araújo, assim como Bolsonaro, afirme que vai “libertar” o Itamaraty de influências ideológicas, o que percebo nos escritos dele assemelha-se mais a uma visão ideológica à direita acerca da política internacional, ainda que ele afirme o contrário.

Acredito que um posicionamento ideológico à direita não é necessariamente ruim – até porque me considero conservador –, porém, não acho que é o que Brasil precisa agora. É claro que há influências ideológicas em todos os governos. Entretanto, é algo que não pode suplantar o nosso pragmatismo e interesse nacional. Durante o governo Lula, por exemplo, em nome da “política externa altiva e ativa” de Celso Amorim, era notório o viés ideológico na aproximação com determinados países, como o Irã. Em seu livro Teerã, Ramalá e Doha: memórias de uma política externa altiva e ativa o ex-chanceler afirma que as declarações antissemitas e homofóbicas de Mahmoud Ahmadinejad haviam sido exageradas pela mídia brasileira. Isso para não mencionar a aproximação com Muamar Kadaffi, o ditador líbio morto em 2011, e a abstenção do Brasil na votação para a condenação de Omar Al-Bashir, presidente do Sudão, no Tribunal Penal Internacional, por crimes contra a humanidade. Ao agir assim, em nome de uma suposta neutralidade e pragmatismo, o governo Lula ignorou por completo o nosso compromisso com a promoção dos direitos humanos na arena internacional.

Diante disso, Ernesto Araújo precisa ter mais cautela, fazer uso da linguagem diplomática e, acima de tudo, apresentar fatos que corroborem as suas falas acerca vários assuntos, já que, como ele mesmo afirma, seus posicionamentos nada mais são do que pensamentos acerca da realidade.

 

(Continua na próxima segunda-feira)

 

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