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Ecologia bancária

Foto: Pixabay (Foto: )

Muita coisa mudou na maneira de pensar a ligação entre o homem produtivo e a natureza. Se, em 1943, ao escrever “Dialética do Iluminismo”, Theodor Adorno e Max Horkheimer só tivessem intuições para apresentar a respeito de um tema que era tabu, a possibilidade ganhou contornos cada vez mais amplos, alguns aparentemente inusitados.

Por motivos profissionais volta e meia fico com a obrigação de ler publicações de interesse de clientes. Recentemente precisei avaliar um relatório de um banco suíço que é dos mais bem sucedidos em todo o mundo na administração de grandes fortunas, com um portfólio de algumas dezenas de bilhões de dólares.

O foco era preciso: a instituição fazia investimentos para seus clientes pensando no longo prazo, em retornos que fossem acima da média mundial por causa da qualidade de seus fundamentos. E, no caso em pauta, o fundamento central de toda a alocação de recursos era a sustentabilidade ambiental dos projetos escolhidos.

De cara, achei estranho um banco fundar sua política de aplicações em ecologia. Afinal das contas vivo no Brasil, país no qual a maioria das pessoas ainda confunde a questão ambiental com propostas de minorias alternativas. Não faltam nem mesmo teólogos respeitáveis para escrever que a questão social da pobreza está muito acima da preservação da natureza. Existem até empresas especializadas em “desenvolvimento sustentável” que têm como atividade a obtenção de licenças – para destruir o meio ambiente.

Mas a leitura do relatório foi me mostrando outro modo de encarar a relação entre negócios e meio ambiente. Como uns poucos empresários brasileiros, o banco mantém um departamento especializado em calcular os balanços de carbono de qualquer projeto empresarial. Dos cosméticos ao cimento, detalham em números o que vai ser retirado da natureza, quanto carbono produz a transformação em mercadoria, quanto tempo leva a reciclagem para a volta do material ao mundo natural, quanto de resíduo a Terra tem de processar no intervalo. E calculam também os custos de tudo isso.

Para o banco, projeto sustentável é aquele que deixa tanto o balanço financeiro como aquele de carbono num ponto em que a vida no planeta pode seguir sem prejuízo climático. Cumprindo tal requisito, o projeto pode ser um investimento sustentável e merecer a atenção dos gestores de patrimônio.

Não cumprindo, a escolha é clara: o banco se recusa a emprestar dinheiro a longo prazo, ainda que o negócio possa ser rentável. Para que não restem dúvidas, o relatório traz uma afirmação esclarecedora. Projetos que envolvam emprego de carvão, ainda que a planilha financeira sugira retornos muito positivos, simplesmente não receberão dinheiro. Ponto.

Banco recusar dinheiro para clientes com perspectivas de lucro financeiro – mas sem retornos ambientais – não é exatamente uma figura que fizesse parte de meu imaginário, ao menos até esta leitura. Minha surpresa aumentou quando cheguei à parte do crescimento do banco que faz escolhas ambientais.

Chove dinheiro de clientes. Ricos de todo o mundo transferem fundos para o banco fazer suas aplicações sustentáveis. Bilhões e bilhões de dólares. Em outras palavras: depois de alardear ao mundo que empregaria a ecologia como critério, não faltou quem entregasse suas poupanças para o banco aplicar.

Ah, sim. O Brasil, com todo seu potencial natural, não é um dos grandes destinatários dessas aplicações. Como pude ver, o problema não estava na natureza, mas na capacidade de pensar e fazer projetos que levem em conta os procedimentos ambientais de longo prazo e os balanços de carbono.

Esta materialidade tecnológica da questão ambiental deu outro sentido a uma série de fatos que eu vinha observando. A União Europeia aprovou normas pelas quais o tráfego de automóveis movidos a combustíveis fósseis vai ficar praticamente impossível nas grandes cidades a partir de 2030. Parece distante, mas faltam apenas doze anos. Para quem pensa que é brincadeira, sugiro entrar nos sites dos grandes salões do automóvel do continente: quase todos os lançamentos são de carros híbridos ou movidos apenas por combustíveis limpos.

Por todo o planeta as corridas de automóvel são uma diversão decadente. Nada mais compreensível numa era em que os jovens deixam de lado a ideia de que carro é sinônimo de liberdade e preferem o transporte público como alternativa para cidades limpas. Por isso não falta nem mesmo uma tentativa de reciclar o automobilismo com corridas de carros elétricos nos centros das grandes cidades.

Outro ramo de negócios no qual se nota movimento é o do próprio petróleo. Causou espécie neste ano o fato de que a família real saudita começou a vender seus blocos de ações da Aramco, a maior petroleira do mundo. O relatório do banco permite vislumbrar uma possível explicação: embora a empresa dê grandes lucros no curto prazo, os controladores estão preferindo vender por bom dinheiro sua participação neste negócio – não porque precisem de dinheiro, mas porque talvez queiram aplicar os recursos recebidos em outros empreendimentos melhores. Talvez no banco suíço que busca negócios com retorno fundado na sustentabilidade, pensei.

Vislumbrou um futuro, caro leitor? Então não perca esta imagem e tente avaliar com ela a oferta de tal futuro a partir dos esforços de nossos bravos candidatos a presidente. Tente afastar ruídos como “o petróleo é nosso”, “vamos construir rodovias” ou “é preciso acelerar o crescimento”. Isso sem falar no discurso de que a preservação da natureza dificulta o progresso ou que o ambientalismo é coisa de poetas que sabotam a construção da pátria.

Esta diferença chama-se atraso.

Pior ainda, neste caso trata-se de atraso para perceber a maior de todas oportunidades para que este país rompa seus grilhões com o nacionalismo estatal míope – à direita e à esquerda – que nos isola da riqueza global. Mas isso só vai acontecer se houver atualizações fundamentais nas maneiras de pensar.

Para começar, porque a questão ambiental é de natureza inteiramente global: não há solução nacional para o problema, o planeta é irremediavelmente de todos, cada ferida feita nele afeta a humanidade inteira.

Também é uma questão para a qual não faz o menor sentido ser de direita ou esquerda, evangélico ou umbandista, corintiano ou flamenguista, índio ou negro, rico ou miserável. Exige um modo de pensar inteiramente novo, tão novo como os critérios de investimento do banco suíço.

Vendo com os olhos deste banco, mirando na sustentabilidade a longo prazo com critérios quantitativos novos, o Brasil é certamente o país com maior potencial em todo o planeta para liderar uma economia limpa. Tem energia solar, eólica, de biomassa ou hidráulica como ninguém. Tem a maior biodiversidade do planeta. Está no Acordo de Paris. Possui tecnologia para explorar tudo isso ao alcance.

Mas para chegar lá é preciso aprender a pensar de outra forma.

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