Um debate sobre governabilidade marca o início do novo governo: o presidente Jair Bolsonaro deve priorizar os partidos tradicionais nas negociações, ou continuar investindo nas chamadas bancadas?
Muito observadores do Congresso apontam que essas bancadas temáticas vão ganhando protagonismo à custa da fragmentação partidária. O problema é que elas são organizações informais, difíceis de definir.
Um esforço inédito de identificar essas bancadas é apresentado na imagem abaixo. Ela é uma rede com os deputados da última legislatura, isto é, os deputados que atuaram entre 2015 e 2018. Cada ponto é um deputado.
Um deputado aparece conectado a outro se tiverem apresentado juntos alguma proposta, como um projeto de lei. Essa colaboração é opcional: deputados podem apresentar sozinhos uma proposta, ou podem se juntar como coautores para fortalecê-la ou por qualquer outra razão.
Por exemplo, Jair Bolsonaro apresentou mais propostas junto com Eduardo Bolsonaro. A conexão entre Jair e Eduardo é uma. No total desta rede são mais de 30 mil conexões!
Deputados mais conectados aparecem em tamanhos maiores. O mais importante é a divisão da rede. Os deputados estão divididos em “comunidades”. Cada comunidade é um grupo de deputados que possui mais conexões entre si do que com os demais.
Ou seja, são deputados que trabalham mais juntos. Como grandes panelinhas de parlamentares.
Nos Estados Unidos, uma rede como essa gera duas comunidades principais: democratas e republicanos. Em diversos outros países em que essa metodologia foi empregada, a divisão da rede de coautores de projetos (cosponsors) se dá de acordo com partidos.
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Isto é, as panelinhas de deputados nesses países são simplesmente os próprios partidos. Clique aqui para ver a compilação do pesquisador François Briatte.
Não funciona assim na Câmara dos Deputados do Brasil. As centenas de deputados se organizaram entre 2015 e 2018 principalmente em grupos que não traduzem os partidos. São as bancadas.
Na imagem acima, apresentamos as bancadas em verde. Algumas comunidades têm base em partidos, elas são apresentadas em azul.
A maior bancada é a evangélica. Esta comunidade é maior do que qualquer partido e é “densa”. Isso quer dizer que a bancada é coesa: seus parlamentares têm muitos laços entre si.
Por exemplo, mais de 40 deputados desse grupo apresentaram juntos um projeto para sustar ato do governo contra a discriminação de travestis e transexuais em estabelecimentos de ensino. Orientação sexual e aborto são alguns dos temas que juntaram vários deputados dessa bancada. Um dos mais importantes é o projeto que pode tornar crime de responsabilidade ministros do STF “usurparem” competências do Congresso em temas como aborto ou descriminalização das drogas.
Jair Bolsonaro foi um dos 5 parlamentares mais “centrais” desta bancada, isto é, está entre os mais conectados. Na imagem abaixo, que mostra apenas a bancada evangélica, Bolsonaro é o ponto destacado.
Assim, enquanto boa parte da opinião pública via o deputado como um parlamentar desimportante de um partido pequeno, ele era na verdade um dos deputados mais centrais do principal grupo da Câmara.
Há uma segunda bancada importante: a ruralista, que também se destaca pelo seu tamanho e coesão. Um dos casos mais interessantes é a “bancada do Rio”, o único estado a formar uma, tipicamente exigindo recursos federais para o Estado.
Chama atenção também a bancada da bala. Apesar de toda a ênfase dada pela opinião pública, ela é na prática uma bancada pequena. Talvez até faça barulho, mas se mobiliza pouco para apresentar projetos ou requerimentos. Ela não deve ser comparada, como frequentemente é, com a evangélica e a ruralista, que são muito mais organizadas.
Quanto aos partidos, existem 5 comunidades na rede que, embora não se confundam com partidos, são baseadas neles. São grupos compostos por vários deputados de um mesmo partido, mas não exclusivamente. Além disso, vários dos deputados deste partido pertencem à comunidade.
É o que ocorre com PT, PSB, PSDB e DEM. É como se neles houvesse um núcleo duro com pautas mais definidas, normalmente trabalhando com alguns membros de outros partidos. É isso que as comunidades em azul na imagem representam.
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O PSOL é uma exceção: todos os seus membros de fato estão no mesmo grupo. Ele seria o partido mais orgânico da Casa, aquele que tem os deputados que mais “jogam juntos”.
Veja que vários partidos grandes não aparecem na rede, como MDB, PR, PP ou PSD. Seus membros tiveram poucas atividades em conjunto.
Além das bancadas e dos grupos baseados em partidos, há ainda 2 tipos de comunidade na rede. Os em amarelo são grupos de líderes de diferentes partidos, que por conta do regimento interno da Câmara devem cooperar para que algumas soluções sejam encaminhadas. Por isso, líderes partidários tendem a trabalhar formalmente mais com outros líderes partidários do que com seus próprios correligionários.
Por fim, na cor cinza, estão grupos de deputados de origem partidária heterogênea, e que não se especializam em um tema, e por isso não podem ser chamados de bancadas (como a evangélica ou a ruralista). Eles atuam juntos em pautas diversas. Chamo eles de “Centrão”.
Apesar da importância das bancadas na organização da atuação dos membros da Câmara, em contraste com dezenas de países em que a organização da rede de coautorias de propostas se dá por partido, não é óbvio que elas garantam a governabilidade.
Isso tanto porque os líderes partidários têm monopólio para enquadrar os parlamentares quanto porque é possível que as bancadas apenas organizem a apresentação de propostas, mas não sua votação. Na hora do plenário, o “sim” ou “não” pode reduzir a Câmara a dimensões partidárias, a partir do eixo governo-oposição.
Apesar da renovação da Câmara, há muitos reeleitos em várias das bancadas, o que sugerem que a estrutura da imagem acima permanece. Mas novas comunidades vão inevitavelmente se formar, especialmente com a chegada do PSL e do Novo na Câmara.
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