A Justiça do Trabalho mandou o Grupo Abril reintegrar mais de mil demitidos. O imbróglio vem desde maio, mas na semana passada nova decisão estendeu o alcance da medida. Só não há como a Justiça do Trabalho mandar consumidores voltarem a comprar revistas e empresas voltarem a anunciar no Grupo.
A Abril tem dívida de mais de R$ 1 bilhão e meio, uma pequena parcela sendo trabalhista. A derrocada é explicada por investimentos equivocados no passado (lembra da DirecTV?), pela crise econômica e por uma mudança estrutural no setor: com o avanço da tecnologia, leitores e anunciantes têm migrado do impresso para outras plataformas.
Em poucos anos a receita anual da Abril teria caído em incríveis R$ 400 milhões.
A decisão da Justiça do Trabalho, obrigando a recontratação de funcionários demitidos, é emblemática de muitos problemas do nosso Judiciário. Ela é um case de populismo judicial, ativismo e consequências indesejadas.
Canetada de juiz não gera emprego
Não é ilegal demitir funcionários. Para ordenar a readmissão dos funcionários, o juiz do caso não usou a letra de nenhuma lei, mas princípios constitucionais.
Alega que os sindicatos deveriam ter participado do processo, fazendo um duplo twist carpado na CLT. A Reforma Trabalhista é expressa no sentido de apontar que a participação dos sindicatos é obrigatória nas negociações coletivas, como a negociação de verbas em planos de demissão voluntária (PDV). Só que também é expressa ao apontar que no caso de demissão, mesmo a coletiva, não é necessária autorização dos sindicatos ou negociação com eles.
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Na essência, o juiz usa princípios “abstratos” da Constituição: a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e a função social da propriedade. Qual o limite para essa abstração? É possível obrigar empresas ou famílias a contratar alguém?
Um funcionário público cuja remuneração, incluindo auxílio-moradia, proporciona bom patrimônio, deve ser obrigado a usar esta propriedade para sua função social, contratando empregadas domésticas desempregadas? O princípio da dignidade da pessoa humana e do valor social do trabalho não se aplica por quê?
A decisão tem outra particularidade: condena a Abril a pagar meio milhão em danos morais coletivos. Isto quer dizer que a empresa paga, mas não são seus trabalhadores que recebem o dinheiro. Além da dívida da Abril ficar maior, agora terá também menos dinheiro para gastar com seus próprios funcionários. É mesmo uma decisão suicida.
Decisão prejudica os empregados mais jovens e mais pobres que tinham sido contratados
Em que pese a boa intenção do magistrado, a consequência de sua decisão pode ser deletéria para trabalhadores em situação ainda mais delicada.
Isso porque no período a Abril não só desligou funcionários, como contratou novos. O Ministério Público do Trabalho (MPT) chiou: os novos funcionários recebem menos e são mais jovens. Ora, quer dizer que são mais vulneráveis e que têm salários menores no mercado.
A chance desses trabalhadores se manterem empregados ou receberem aumentos na Abril naturalmente diminui quando o juiz manda recontratar os demitidos.
É intuitivo que em muitas funções a Abril decidiu por substituir um funcionário mais caro por um funcionário mais barato. Se a empresa está falindo, também é intuitivo que se não tinha condições de manter o antigo, não terá de manter o antigo e o novo.
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À medida que o juiz decide largar o texto da lei e partir para uma decisão voluntarista com base em princípios constitucionais, deveria ser cuidadoso com o impacto de sua decisão. A dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho não vão servir aos novos funcionários cujo futuro na empresa ficou comprometido.
Vale frisar, porém, que a decisão da Justiça do Trabalho é sóbria perto da ação inicial proposta pelo Ministério Público do Trabalho (MPT). Para o MPT, contratar grupos que são mais penalizados pelo desemprego é discriminatório em relação a quem tem emprego.
Segundo o MPT, as demissões da Abril foram discriminatórias: “Mais da metade dos trabalhadores admitidos pela ré tem idade igual ou inferior a 29 anos, ao passo que mais da metade dos empregados dispensados pela empresa tem idade igual ou superior a 40 anos”.
A procuradora responsável arrebata: “dispensou empregados com mais idade e maior tempo de serviço na empresa – e, por consequência, com maior nível salarial, pois a remuneração vai aumentando à medida em que se acumula maior tempo de trabalho na empresa –, tendo-os substituído por empregados mais jovens, detentores de menores salários”.
O que a Abril deveria ter feito? Demitido os de menor salário e contratar gente mais cara?
Além de ser lógico que empresas e consumidores busquem contratar ao menor preço, o raciocínio da procuradora é absurdo por considerar discriminatório contratar justamente quem tem os menores salários no mercado. Considere 2 grupos: um tem salários menores e os trabalhadores estão desempregados, outro tem salários maiores e os trabalhadores têm emprego. Por que é discriminatório priorizar o 1º grupo?
De fato, o desemprego no Brasil é desproporcionalmente concentrado nos mais jovens. Apesar de a opinião pública destacar muito a preocupação com a capacidade de trabalhadores mais velhos se adaptarem a mudanças tecnológicas, são na verdade os mais jovens os mais penalizados pelo desemprego – especialmente por serem inexperientes.
A opinião pública – e instituições como sindicatos e MPT – parece moldada pelos incluídos, não pelos excluídos.
Em 2017, a taxa de desemprego ampliada era de 24% para homens entre 20 e 24 anos, quase 3 vezes mais que os 9% dos homens entre 50 e 54 anos. No caso das mulheres, 33% entre 20 e 24 anos, contra 11% entre 50 e 54 anos.
Como pode ser ruim contratar mais jovens? E por que preterir quem tem salários menores no mercado? Discriminatória é a ação contra o emprego dos jovens.
A reestruturação da Abril vai demorar mais, e isso é ruim
Embora se fale que a Abril está falindo, rigorosamente ela está ainda em “recuperação judicial”. O processo ajuda a empresa a se reestruturar, e quem sabe sobreviver. Este processo não deve ser dificultado.
Contrariamente ao senso comum, economistas gostam de falências. A lógica é que quando empresas ineficientes deixam de existir, liberam capital que pode ser usado por empresas mais eficientes, de maior retorno social (que satisfazem mais os consumidores).
No caso da Abril, este capital inclui além de seu “capital humano”, desde seu prédio ao seu parque gráfico, passando por equipamentos.
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Pense em outros ícones do papel que faliram no Brasil, como a Gazeta Mercantil, a Manchete e a Editora Páginas Amarelas, destruída pela internet. O Estado deveria se intrometer para que continuassem existindo hoje?
Este raciocínio pode ser simplificado na destruição criadora, síntese do economista austríaco Joseph Schumpeter: “processo de mutação industrial que revoluciona incessantemente a estrutura econômica a partir de dentro, destruindo incessantemente o velho, criando incessantemente o novo”.
Atrapalhar a falência de um gigante também constitui uma “barreira à saída”, dificultando a competição no mercado e a vida de novos entrantes.
Deixando a Abril “falir” em paz pode-se preservar sua parte eficiente e apreciada pela sociedade (revelada por meio do consumo). Títulos como a Veja e a Exame têm mais chance de continuar existindo. Uma solução rápida também permite que competidores mais competentes avancem logo sobre mercados em que a Abril está se retirando, em benefício dos consumidores.
Antes de encerrar, é preciso destacar que a decisão discutida aqui não se refere ao triste drama do calote da Abril com seus funcionários, e sim à ordem de recontratação. O copo meio cheio é de que a decisão da Justiça do Trabalho pode ampliar o poder de barganha dos funcionários que não receberam as verbas que deveriam. Por essa ótica, a decisão, ainda que de maneira torta, aumentaria a chance de receberem a sua dívida no caos do naufrágio do conglomerado.
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