O debate sobre a reforma da Previdência é marcado pelas comparações entre o INSS e o serviço público. Enquanto o teto das aposentadorias no INSS é de R$ 5.840, o teto dos servidores é de R$ 39.200. Só que, por decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), um benefício do INSS não tem o teto normal. Não é uma aposentadoria ou uma pensão, mas o salário-maternidade.
Enquanto no serviço público há um mesmo teto de contribuição para o servidor e para o empregador (o governo), no INSS o teto de contribuição de R$ 5.840 existe apenas para o empregado. Ou seja, empresas continuam pagando 20% de contribuição mesmo sobre valores acima do teto de benefício de R$ 5.840.
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Vejamos um exemplo. Um funcionário que ganha R$ 10 mil. O seu teto de contribuição é o teto de benefício: R$ 5.840. Contudo, a empresa recolhe 20% sobre o total do salário, ou seja, os R$ 10 mil. Isso apesar do trabalhador não poder receber benefícios acima do teto.
A decisão do STF
Uma decisão do STF em 2003, confirmando liminar de 1999, abriu uma exceção: o salário-maternidade. Trabalhadores com salário médio superior a R$ 5.840 podem receber valores acima do teto.
Isso porque apesar da previsão de que o teto do INSS vale para todos os benefícios, os direitos dos trabalhadores listados na Constituição incluem “licença à gestante, sem prejuízo do emprego e do salário, com a duração de cento e vinte dias” (inciso XVIII do art. 7º).
Assim, os ministros entenderam que “sem prejuízo do salário” implica que não pode haver aplicação do teto neste benefício. Limitar ao teto iria de encontro com a previsão de “proteção à maternidade” e seria “retrocesso histórico”.
A ação direta de inconstitucionalidade foi pedida pelo PSB, o Ministério Público deu parecer favorável e a decisão do STF foi unânime. O teto ficou sendo então o mesmo teto do funcionalismo neste caso.
Benefício de até R$ 39 mil
Por isso, existem casos excepcionais de pagamentos altos no INSS, a título de salário-maternidade. Eles ocorrem quando trabalhadoras de elevados salários, contratadas por carteira assinada, têm filhos.
Elas contribuem apenas sobre o teto do INSS, mas seus patrões contribuem sobre todo o salário. Como este benefício não tem o teto habitual, seu valor pode ser muito maior.
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Em 2016, último ano com dados disponíveis, foram quase 200 benefícios acima do teto do INSS. São poucos: corresponderam a 0,3% dos mais de 600 mil benefícios de salário-maternidade.
Desses, somente 75 foram maiores que R$ 8.800, e apenas 14 acima de R$ 17.600.
Nesta década, em 2013, segundo acusa o sistema da Previdência, chegamos a ter um benefício maior do que R$ 45 mil – o que furaria inclusive o teto do funcionalismo.
Protegendo grávidas ricas
Se 99,7% dos benefícios continuaram sujeitos ao teto do INSS, não faz sentido a decisão do STF afirmar que o teto seria “retrocesso histórico”. Na prática, colocou-se na conta do INSS um benefício a poucas mulheres mais ricas.
Este argumento é mais falacioso quando se observa que o salário-maternidade é um benefício para quem tem carteira assinada, uma “elite” dos trabalhadores brasileiros.
Uma brasileira que trabalhe informalmente ou esteja há muito desempregada não faz jus a nenhum benefício previdenciário se ficar grávida. E são justamente mulheres jovens as mais penalizadas pelo desemprego e pela informalidade.
No âmbito da Assistência Social, essa brasileira só terá direito a benefício se viver abaixo da linha de pobreza (renda familiar por pessoa menor que R$ 178).
São R$ 41 por mês, via Bolsa Família. Ou quase 1 mil vezes menos o que uma das grávidas beneficiadas pela decisão do STF poderia receber.
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É mais um exemplo emblemático da bolha do Judiciário brasileiro, capaz de conceber tal decisão regressiva como impedindo um “retrocesso histórico”.
Por exemplo, se uma atriz de novela fosse contratada por carteira assinada e ficasse grávida, o INSS deveria repor o seu salário médio, até o teto do funcionalismo.
O incentivo à pejotização
A discussão sobre o teto do salário-maternidade alude a outro debate, que também explica porque poucas pessoas com salários acima do teto do INSS são contratadas via CLT.
Salvo no salário-maternidade, a contratação com carteira assinada impõe um custo para o empregador que não será recebido pelo empregado (a contribuição de 20% sobre o salário acima do teto, que não tem contrapartida de aposentadoria ou pensão). Por isso, muitos fogem para a pessoa jurídica.
Para um mesmo custo da empresa com o trabalhador, ele receberá muito mais, apesar da perda de “direitos”.
Na proposta de Armínio Fraga e Paulo Tafner para a reforma da Previdência, por exemplo, o teto de contribuição passaria a ser o mesmo para empregado e empregador: os R$ 5.840. A medida tem potencial de trazer mais pessoas para o contrato celetista.
O que vem por aí
Além da possibilidade de fim da cobrança sobre valores acima do teto, Paulo Guedes já sinalizou a intenção de elevar a tributação de quem trabalha como pessoa jurídica (PJ). Hoje, a distribuição de lucros e dividendos dos PJs é isenta do Imposto de Renda.
Para quem pode escolher, é muito mais vantajoso financeiramente ser PJ do que ser CLT. Além disso, Guedes há algum tempo defende a carteira de trabalho “verde e amarela”, um regime simplificado para jovens que não teria a tributação atualmente existente na carteira “azul”.
Se forem aprovadas, a diferença entre CLT e PJ tenderia a diminuir com o tempo. A depender da mudança, o estranho caso do salário-maternidade acima do teto também sumiria.
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