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Os cientistas brasileiros não sabem fazer contas

Carl de Souza/AFP (Foto: )

Escrevi este texto antes do incêndio do Museu Nacional, e a desgraça do domingo o tornou mais tempestivo. As reclamações de cientistas sobre cortes no orçamento não são novas, nem é nova a dificuldade que nossos cientistas têm com os termos do ajuste fiscal. Em junho, a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) divulgou carta pedindo a revogação da emenda constitucional do teto de gastos.

De fato, a dotação da função orçamentária “ciência e tecnologia” chegou a cerca de R$ 16 bilhões em 2013, quase o dobro dos R$ 8 bilhões que teve em 2017. O patamar é um dos menores dos últimos anos.

Sabe o que também é histórico no orçamento? O gasto com aposentadoria por tempo de contribuição no INSS, da ordem R$ 150 bilhões no ano passado. Cabem quase 20 orçamentos da ciência e tecnologia nele, e o ritmo de crescimento desse gasto tem sido de quase 5% ao ano nesta década (já descontada a inflação).

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Também foi recorde em 2017: o gasto com pensão por morte, ao redor de R$ 115 bilhões. Dá para pegar a dotação da ciência e tecnologia, somar R$ 100 bilhões e ainda sobra. Gastamos mais com pensionistas do INSS do que com saúde. Ou educação. E cresce 4% por ano.

A aposentadoria por idade no meio urbano? Recorde, perto dos R$ 60 bilhões – 7 vezes o de C&T – e crescendo a mais de 7% ao ano desde 2011. A aposentadoria por invalidez? Também por volta de R$ 60 bilhões, mas cresce menos: “só” 3,5%.

O leitor já percebeu o ponto: enquanto vamos cortando na ciência e tecnologia e outras despesas, cresce sem parar o gasto previdenciário – que já era de magnitude muito superior.

A previdência rural? No maior nível da história, uns R$ 120 bilhões em 2017. É ciência e tecnologia por 15 anos. As aposentadorias e pensões de servidores públicos? Nunca gastamos tanto: mais de R$ 80 bilhões. Apesar de atingir poucas famílias, dá para o maior orçamento de C&T desta década (o de 2013) por 5 anos.

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Some ainda os R$ 160 bilhões dos regimes dos estados e os R$ 40 bilhões dos benefícios militares das Forças Armadas. Se você se perdeu, vamos lembrar: a dotação orçamentária da função ciência e tecnologia foi de R$ 8 bilhões no mesmo ano de 2017 (fora o contigenciamento). É o que a União gasta com benefícios previdenciários em menos de uma semana.

Mas o que os representantes dos cientistas querem? A revogação do teto de gastos.

O teto de gastos foi fixado no nível de 2016, que é o pico da série histórica. Isso garante não haver corte global de gastos – o que já faz questionar a crítica à suposta austeridade. O teto meramente impede que o gasto total aumente, não o reduz.

Uma crítica ao teto é de que ele deveria poder crescer quando a economia também crescesse, porque a arrecadação do governo seria maior. OK. Mas ainda estamos longe de chegar lá: o Brasil enfrenta sucessivos déficits primários desde 2014, que continuarão pelos próximos anos. Não há arrecadação sobrando, impedida de ser destinada aos gastos por conta do teto.

Se os gastos foram fixados no seu máximo histórico, e se eles têm sido persistentemente maiores do que as receitas do governo, por que o teto de gastos foi escolhido como vilão da ciência?

A própria Constituição possui uma regra mais dura que de fato deveria provocar significativos cortes a partir do ano que vem, a “regra de ouro”, mas parece haver um consenso político de simplesmente desrespeitá-la.

Por que então as despesas com C&T e com outras áreas têm sofrido? Porque a Previdência consome boa parte do orçamento e cresce muito todo ano, comendo espaço de outros setores. Mas, surpreendentemente, os representantes da ciência e tecnologia não apoiam a reforma da Previdência.

Talvez porque boa parte dos cientistas brasileiros seja também servidor público. É o caso de professores de universidades públicas e de diversos institutos de pesquisa mantidos pelo Estado. Como é sabido, o regime de previdência dos servidores concentra boa parte das distorções, sendo alvo preferencial de reformas – como a proposta pelo governo Temer.

A reforma do governo Lula, de 2003, foi focada nos servidores, mas acabou branda e insuficiente para resolver o problema. Ela contou com a oposição dos cientistas: até uma moção de repúdio foi aprovada pela Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) – por unanimidade. Em seu encontro anual, chegou-se até a falar que haveria fuga de cérebros do país.

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A reforma extinguia a integralidade (aposentadoria pelo último salário, independentemente de contribuições) e a paridade (aumentos acima da inflação se os servidores da ativa receberem). Seria “um desestímulo programado para expulsar do país professores universitários”.

Novamente, nossos cientistas ignoram uma conta simples. Na verdade, o próprio problema previdenciário é explicado por um fenômeno bem documentado pela ciência: a transição demográfica. Temos mais idosos e idosos vivendo mais, e famílias tendo menos filhos.

Além da crítica a uma austeridade que não existe, a comunidade acadêmica também tem espalhado fake news sobre o próprio funcionamento do teto. Com mais de 60 mil assinaturas, um manifesto do movimento Marcha pela Ciência alega que o teto de gastos “congelou investimentos em educação pelos próximos 20 anos”.

Na realidade, o teto atual vale por 10 anos e, principalmente, o limite de gastos é global – não por área. O teto não impede aumento dos gastos com educação e ciência e tecnologia. Nem com auxílio-moradia ou estádios. É perfeitamente possível aumentar qualquer rubrica desde que se reduza outra, se assim a sociedade preferir. É exatamente o que vem acontecendo: a despesa previdenciária continua crescendo apesar do teto, sendo acomodada pelo corte em outras áreas.

Assim, cientistas deveriam buscar convencer a sociedade para que os gastos com C&T sejam preservados (ou até aumentados) e que se reforme a Previdência. Sem reforma, a participação da Previdência nas despesas primárias vai passar dos atuais 58% para quase 80% em 10 anos. Revogar o teto sem fazer a reforma apenas faria que essa despesa consumisse mais impostos (na proporção de uma CPMF por ano) ou levasse a uma crise de dívida.

Falando em dívida, é constrangedor que nossos cientistas prestigiem movimento político de discurso baseado em premissas escandolasamente falsas: a Auditoria Cidadã da Dívida – cujas teses já foram discutidas aqui na coluna. No encontro de julho da SBPC, a auditoria participou com não menos do que três palestras!

Célebre por alegar que 50% dos impostos vão para a dívida e por rejeitar juros compostos, nossos cientistas dão ouvidos ao equivalente ao criacionismo da discussão fiscal. Suas prescrições interditariam o mercado da dívida que tem pago nosso déficit primário, levando a um ajuste fiscal bíblico.

Representantes dos cientistas têm ignorado a realidade dos números e privilegiado as teorias da conspiração. No debate sobre o financiamento estatal, nossa ciência tem sido obscurantista.

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