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Por que jovens vão ganhar mais com a carteira de trabalho verde e amarela de Bolsonaro

Gabriel Jabur/Agência Brasília (Foto: )

A carteira de trabalho deixaria de ser azul e seria verde e amarela. A mudança não é só na forma: ela implica uma reforma trabalhista e da Previdência. Afinal, como funcionaria este novo modelo de contratação?

Sugerido por Paulo Guedes desde o início do ano e registrado no plano de governo de Jair Bolsonaro, a nova carteira seria na verdade um novo tipo de contrato de trabalho. A princípio estaria disponível apenas para jovens entrando no mercado de trabalho e seria facultativa: a CLT azul continuaria valendo.

A carteira verde e amarela teria três grandes mudanças:

1) Menos encargos

2) Regras mais flexíveis

3) Seria acompanhada de um novo regime de Previdência

Como em outros temas nessas eleições, faltam detalhes – e é provável que a própria campanha não os tenha. Entretanto, é possível discutir as potenciais vantagens e os riscos da mudança.

O que é bom

Por que beneficia os jovens?

Se incidem menos encargos sobre a contratação, há duas consequências: mais emprego formal e mais salário. A informalidade e o desemprego tenderiam a se reduzir no grupo afetado. Os salários de quem já tem emprego poderiam ser maiores, e a chance de manter o emprego também.

Uma crítica Bolsonaro não merece: é a única campanha que apresentou uma ideia para uma das grandes chagas nacionais que a nossa sociedade se recusa a discutir, o alto desemprego dos jovens.

Muitos países de fato reduzem o custo da contratação dos jovens relativo a outras faixas etárias. O objetivo é estimular o emprego formal e quebrar o círculo vicioso em que o jovem não é contratado porque não tem experiência e não tem experiência porque não é contratado.

As formas de diferenciar este custo são várias: há países em que em determinada idade o jovem entra na “maioridade trabalhista” e passa a custar tanto quanto os mais velhos, em outros a mudança é linear e gradual, não abrupta.

O Banco Mundial sugeriu para o Brasil reduzir o salário mínimo dos trabalhadores mais jovens. Essa hipótese não foi ainda mencionada na discussão de carteira de trabalho verde e amarela, e exigiria emenda à Constituição.

A Reforma Trabalhista do governo Temer, ao estimular contratações em tempo parcial, resolve parte do problema. Permite que trabalhadores mais jovens, menos experientes e produtivos, custem menos para o empregador do que os trabalhadores mais experientes, apesar do salário mínimo e dos encargos serem iguais. O ajuste pode ser feito pelas horas contratadas.

As empresas vão repassar a redução de encargos aos trabalhadores?

Uma dúvida que o leitor pode ter é: se os encargos fossem reduzidos ou retirados para os afetados pela nova carteira, o empregador não simplesmente embolsaria a diferença, em vez de empregar mais ou aumentar salários?

A teoria microeconômica oferece resposta: parte do ganho viraria ganho do empresário, parte seria transferida para os trabalhadores.

Muitos leitores podem ser céticos quanto a isso, porque entendem que empresas já repassam todo o custo de tributos para empregados e consumidores.

É verdade que elas repassam tudo o que podem, o que não quer dizer que repassem tudo. A greve dos caminhoneiros, na verdade um locaute de transportadoras, mostrou, por exemplo, que elas não conseguiam repassar aumentos no diesel para os consumidores.

Como no caso do combustível, também no mercado de trabalho forças competitivas é que determinam o preço, neste caso o salário. Se os trabalhadores não tivessem poder de mercado, todos receberiam o salário mínimo. Não é o que ocorre.

Analogamente, se o leitor pensa que a redução dos tributos sobre a folha salarial não seria transferida para os trabalhadores, poderíamos simplesmente aumentar estes tributos indefinidamente. Se o emprego e o salário são indiferentes à tributação, o problema da Previdência estaria resolvido: bastaria colocar a contribuição para o INSS nas alturas. Não funcionaria: pessoas seriam demitidas e salários ficariam menores.

A proporção do repasse da redução dos tributos dependeria das forças de oferta e demanda: uma desoneração tenderia a dar mais ganho para os trabalhadores mais demandados, com maior poder de barganha.

Entretanto, este evidentemente não é o caso dos jovens pobres. A teoria aqui sugere que o repasse não seria forte como no caso de outros trabalhadores. Se, além dos jovens, outros tivessem a opção pela nova carteira, o repasse dos tributos seria maior.

Não à toa são trabalhadores mais escolarizados, de maior remuneração, que já criaram no Brasil a sua própria carteira de trabalho verde e amarela: a PJ.

Como é diferente das desonerações do governo Dilma?

A economista Laura Carvalho, da USP, criticou a carteira verde e amarela. Bolsonaro estaria repetindo o único erro que Dilma Rousseff conseguiu admitir até hoje: a desoneração da folha de pagamentos.

Não é bem assim: a desoneração da verde e amarela seria horizontal, enquanto a do governo Dilma escolhia setores a dedo. Este é um processo que tende à corrupção (rent-seeking) e a beneficiar os amigos do rei, trazendo também ineficiências alocativas (porque a mão de obra custa valores diferentes em setores diferentes).

Ainda, pelo menos em sua versão preliminar, a carteira de trabalho verde e amarela é destinada aos jovens e somente aos que ainda não entraram no mercado. Isso minimiza a perda de arrecadação que é sua principal desvantagem, e que será tratada adiante.

Uma curiosidade: uma das principais avaliações sobre as desonerações de Dilma foi feita por economistas da campanha de Bolsonaro.

Que direitos o trabalhador teria?

Assim como não se sabe quais encargos seriam reduzidos (contribuição do INSS? FGTS? Sistema S? Salário-educação? Incra? Seguro acidente de trabalho?), não é claro como o contrato de trabalho seria diferente.

Entidades sindicais e veículos de esquerda se apressaram para falar em corte de direitos, e até comparar a verde e amarela com a escravidão.

A verde e amarela vai ao encontro a falas de Bolsonaro quando diz que o trabalhador tem de optar entre mais direitos e menos empregos ou mais empregos e menos direitos.

A fala não deveria ser muito controversa: é intuitivo que se a CLT previsse a todos os mesmos direitos, por exemplo, de um juiz (estabilidade, férias de 60 dias, salário inicial alto), a informalidade e o desemprego seriam mais altos.

Contudo, o programa de governo é claro: a verde e amarela não altera nenhum direito constitucional. E eles são muitos: são 34 incisos no art. 7º da Constituição.

Fora dos direitos constitucionais, o contrato individual prevaleceria sobre a CLT.

Como esta flexibilidade é diferente da Reforma Trabalhista?

A Reforma Trabalhista de fato priorizou o negociado sobre o legislado, mas ao contrário da carteira verde e amarela, esta negociação é coletiva (envolve o sindicato) e não individual.

Apenas para trabalhadores mais bem remunerados é que o acordo individual foi permitido: o trabalhador precisa ter um salário de cerca de R$ 12 mil e nível superior para poder fazer acordos individuais. Adicionalmente, trabalhadores nessa faixa de renda podem optar por resolver seus conflitos via arbitragem.

A carteira verde e amarela implicaria, portanto, redução deste patamar de R$ 12 mil. Não apenas o programa de governo fala em acordo individual, como Paulo Guedes já concedeu entrevista falando que o trabalhador nesta carteira não acessaria a Justiça do Trabalho.

Alterar a Reforma Trabalhista neste ponto, retirando a exigência de nível superior para acordo individual e reduzindo o salário que permite fazer estes acordos, retomaria uma discussão: o trabalhador é capaz de negociar com o patrão?

Na Reforma de Temer a mudança foi mais defensável: o negociado prevalece sobre o legislado nas negociações coletivas e, no caso individual, apenas para os trabalhadores mais produtivos, que têm claro poder de barganha. Fazer o corte por salário é uma ótima aproximação do poder de negociação: afinal, como não teria poder de barganha alguém que emplaca um salário de R$ 12 mil, mais de 5x maior que a renda média?

Em uma abordagem para direitos trabalhistas do jurista americano Cass Sunstein, ex-assessor de Obama, todos os direitos trabalhistas deveriam ser negociáveis, salvo os relativos a riscos, discriminação e o de não praticar crimes. Pelo limite da Constituição, a nova carteira seria menos liberal.

A nova carteira não cria trabalhadores de 2ª categoria?

Uma crítica comum a flexibilizações como da verde e amarela e da Reforma Trabalhista é de que elas transferem uma dualidade que existe no mercado de trabalho (entre formais e informais) para dentro do mercado de trabalho formal.

Em um debate sobre o Simples Trabalhista – um projeto que reduzia os encargos sobre trabalhadores de micro e pequenas empresas – o sociólogo José Pastore foi perguntado se o projeto não estava criando trabalhadores de 2ª categoria. Ele respondeu que sim, e que era uma promoção transformar trabalhadores de 5ª categoria em um de 2º categoria.

Faltam muitos detalhes sobre a carteira neste novo ponto: a inclusão terá como vantagem apenas a possibilidade de contratação nas grandes empresas, mais produtivas (que tipicamente não contratam informais), ou também trará acesso a direitos trabalhistas e previdenciários a quem não tem?

O que não é bom

Colapso da arrecadação

Tributar a folha de salários é muito ruim. O Brasil é que cobra das empresas a maior contribuição previdenciária na América do Sul: 20% (o Peru cobra zero). No G-20, grupos das 20 maiores economias do planeta, apenas Rússia e Itália cobram mais.

Só que não há solução fácil: esta contribuição é a principal fonte de arrecadação para a Previdência. Em um cenário de déficits já muito altos e crescentes, como reduzir a tributação para criar a carteira verde e amarela?

Ainda que ela só afete quem ainda não entrou no mercado de trabalho, há perda de arrecadação que ainda não foi considerada nas estimativas fiscais para os próximos anos e a década de 20 – que já são de déficits primários recorrentes.

Aqui é possível fechar o círculo e chegar em uma das propostas mais polêmicas da campanha – a recriação da CPMF – e a um personagem importante nesta discussão –  o economista Marcos Cintra, da campanha de Bolsonaro.

Cintra defende há muito tempo a redução da contribuição previdenciária, e a substituição por uma nova CPMF, chamada de CMF. Esta lógica é consoante com o que Paulo Guedes já disse sobre o tributo: que sua recriação não implicaria aumento da carga tributária, mas sim a substituição de vários tributos em 1 só.

Entre tantas incertezas sobre este projeto, esta é a principal desvantagem conhecida: a carteira verde e amarela ou vai provocar uma considerável perda de arrecadação para o INSS, ou vai levar à recriação da CPMF.

Uma alternativa mais fácil é a redução da alíquota do FGTS para jovens, proposta que já integra este debate, e não gera perda de arrecadação para o INSS. Outros encargos sobre a folha, menores (Sistema S, INCRA, etc.) poderiam acompanhar.

Veja que ainda que a proposta seja de fazer para este grupo uma reforma estrutural da Previdência, substituindo o regime financiado por repartição (jovens contribuem para pagar benefícios de idosos) por um de capitalização (jovens contribuem para a sua própria poupança no futuro), a perda de arrecadação para o atual sistema continua existindo. Uma reforma neste sentido exigiria uma transição mais lenta dada a gravidade da situação fiscal atual.

Apesar das dúvidas, a carteira verde e amarela pode ter de partida um grande mérito: colocar no centro do debate a precária situação econômica do jovem no Brasil. Nenhuma das candidaturas “progressistas” buscou isso, preferindo se opor às reformas na Previdência e na CLT.

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