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A mitologia do “golpe” está quase elegendo Bolsonaro

Dado Galdieri/Bloomberg (Foto: )

Em março de 2016, às vésperas do impeachment, 68% dos brasileiros queriam a queda de Dilma Rousseff, enquanto 27% apoiavam a continuidade da presidenta. Na semana passada, às vésperas do primeiro turno, 59% dos brasileiros queriam ver Lula preso e 37% consideravam a condenação injusta. Ambas as informações são do Datafolha e quase todas as pesquisas desde então dizem mais ou menos a mesma coisa.

Portanto, a esquerda brasileira passou os últimos dois anos xingando cerca de 60% dos eleitores. Eis o custo de embarcar na mitologia do “golpe” ou nos gritos contra a Lava Jato, pela liberdade de “Sua Lulidade”.

Esta estratégia interessava apenas a Lula, que precisa se vender como preso político para não cair na lixeira da história. Boa parte da esquerda topou fazer assessoria de imagem ao “amigo” da Odebrecht. Xingando 60% do eleitorado de “golpista”, entregaram o poder de mão beijada para Jair Bolsonaro. Em parte, porque não sabiam que entregavam o poder a Bolsonaro.

O tiro no pé derivou principalmente de um erro crasso na análise do impeachment –muitos intelectuais foram incapazes de distinguir uma análise de verdade da mentira que servia aos interesses do ‘Departamento de Narrativas Estruturadas do PT’. O impeachment, ao qual a elite política resistiu até que fosse inevitável, foi vendido como conspiração entre tucanos, Michel Temer e a Globo. Quem foi às maiores manifestações democráticas de nossa história lembra bem a cronologia dos fatos.

O impeachment foi defendido nas ruas por brasileiros comuns antes de ser apoiado por Temer, Aécio, Alckmin e cia. A realidade era dura demais para a esquerda, que se via como monopolista das ruas e da indignação dos brasileiros contra a elite política.

Se o impeachment tivesse sido obra de MDB, Globo e tucanos, o fracasso do governo Temer desmobilizaria o apoio popular ao dito “golpe”. Como consequência, o eleitorado correria arrependido, de braços abertos, em direção ao PT. Por outro lado, se o impeachment foi obra de uma revolta popular, de uma nova força política que vinha das ruas, o fracasso do governo Temer levaria à reorganização dessas forças sob outros nomes.

Quem foi pra rua encontrou novos representantes por lá e aproveitou a ocasião para avisar aos antigos que não votaria mais neles. Aécio Neves e Geraldo Alckmin saíram vaiados da Avenida Paulista em março de 2016. As ruas aplaudiam Kim Kataguiri e Eduardo Bolsonaro, campeões de votos em 2018.

A maioria favorável ao impeachment e à prisão de Lula fez-se ouvir nas urnas. Sendo o único dos principais candidatos a maldizer PT e tucanos simultaneamente, Bolsonaro foi também o único alinhado ao espírito do nosso tempo.

O primeiro turno escancarou também o dilema de Fernando Haddad. A presença dele no segundo turno é devida a Lula, mas a menor probabilidade de vitória também. O eleitor mediano quer renovação e Lula preso, apoia impeachment e Lava Jato. O lulismo, maior trunfo do PT em sua história, virou fraqueza.

Bolsonaro tem praticamente apenas um argumento a seu favor – o problema é que se trata de um muito persuasivo: ele não é petista. Sua ascensão nos últimos anos esteve diretamente ligada à contundência do seu antipetismo. Desde a última semana, a volta do PT ao poder tem se mostrado suficiente para que a maioria antipetista se reúna em torno de qualquer um que combata a ameaça. Apesar da alta rejeição, Bolsonaro foi quem melhor se posicionou para liderar o condomínio antipetista e agora colhe os frutos pelos acertos táticos.

Mais uma vez, certa esquerda insiste em fugir das próprias culpas ao falar do assunto. Seus intelectuais cogitam a presença de uma ou outra força sociológica maior, aludem a um suposto fascismo em marcha no país, ignorando que a ascensão de Bolsonaro está ligada à rejeição que a esquerda atraiu para si, xingando “golpistas” e defensores da Lava Jato. Tudo vale em nome da ausência de autocrítica.

Como ocorreu no impeachment, quem agiu para colocar Bolsonaro no segundo turno foi o brasileiro comum, que empobreceu na crise e tem uma série de bons motivos para se revoltar. Quando um partido rouba bilhões, causa uma das maiores crises na história de um país e sai disso tudo sem admitir erros, fica difícil esperar outra coisa do eleitor.

E se Bolsonaro realmente for uma ameaça à democracia brasileira? É justamente aí que mora o problema. A esquerda passou dois anos jurando que o Brasil viveu um golpe de Estado, xingando por tabela 60% da população. Caso um golpe de verdade se materialize, vai ser bem difícil convencer o povo a combatê-lo.

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