Quem se opõe à nova Previdência costuma se justificar com uma mesma frase – “Sou a favor de uma reforma, mas não dessa aí”. A contraposição é curiosa. “Uma reforma”, essa ideia misteriosa, só existe como imaginação. Já “essa aí” é o projeto apresentado por Bolsonaro ao Congresso.
Muita coisa mudou desde Michel Temer. Negadores do déficit previdenciário perderam credibilidade desde então. Dá até saudade dos mais doidões, dos que queriam fechar o rombo da Previdência com o dinheiro da Varig, Mesbla e outras grandes devedoras do INSS.
Ser contra qualquer reforma da Previdência está fora de moda. Em muitos ambientes, é visto como sinal de ignorância. Só é aceitável ser contra essa reforma que tá aí. Ou aquela lá, a do Temer, sobre a qual se dizia a mesma coisa.
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Se as críticas à proposta bolsonarista fossem válidas, seriam bem vindas. Raramente é o caso. Muitos criticam o texto por ela não atacar desigualdades, mas a proposta apresentada por Bolsonaro foi muito mais ambiciosa que as anteriores nesse front, estabelecendo uma alíquota progressiva para que os mais ricos contribuam mais. Quem ganha menos, por sua vez, terá uma redução na alíquota – outra novidade interessante.
Falam sobre privilégios de servidores, mas estes foram frontalmente prejudicados, e já ameaçam entrar na Justiça contra o que chamam de “confisco”. Reclamam da exceção aos militares, mas o governo apresentará a reforma da previdência militar ainda este mês, com previsão de economia bilionária.
Algumas regras merecem crítica e debate, como o novo BPC. Mas a maioria das mudanças parece desconcentrar renda. Mesmo no caso do BPC, o beneficiário pode sair ganhando se a mudança elevar um pouco o valor inicial, recebido aos 60 anos.
No ano passado, 58% das despesas do governo federal bancaram a Previdência. Por crescer estruturalmente mais rápido que o PIB, o gasto previdenciário deve continuar aumentando sua participação no orçamento federal, chegando a 80% dentro de poucos anos.
Impostos e dívida pública financiaram o aumento contínuo da despesa previdenciária nos últimos 20 anos. O Brasil será o país emergente mais endividado em 2019, segundo o FMI. A carga tributária brasileira também é uma das maiores dentre países comparáveis. Uma hora ou outra, essa conta chegaria.
O crescimento contínuo do gasto previdenciário levou a aumentos de impostos nos anos 90 e explosão do endividamento público sob Dilma. Continua crescendo até hoje e praticamente inviabiliza a gestão pública no Brasil, do governo federal aos municípios. A maioria dos prefeitos e governadores tem com pouquíssima margem de manobra num orçamento dominado pela Previdência.
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Se uma reforma não for aprovada, o orçamento federal será progressivamente estrangulado por apenas um programa. A incerteza fiscal seguirá como vilã do emprego e crescimento.
Nossa catástrofe previdenciária foi construída com carinho e paciência por agentes do Estado, que empurraram o problema com a barriga há décadas. Desde os anos 1980, já se sabe que a Previdência brasileira não se sustenta no longo prazo. O máximo que conseguimos, até hoje, foram minirreformas, remendos num sistema que precisava de reconstrução total.
Paradoxalmente, quem acha que a reforma da previdência proposta é muito dura deveria defender a aprovação do projeto. Se a fatia do orçamento destinada à Previdência seguir aumentando, a reforma inevitável do futuro precisará de regras ainda mais duras para reverter a situação.
Compreendo as restrições que muitos têm ao projeto. Mas é preciso aceitar que toda solução séria para o rombo fiscal será, em alguma medida, feia. Ninguém ajusta as contas de um país pobre e desigual só com notícia boa. Ainda mais num país como o Brasil, cujo desajuste está em benefícios constitucionais bem intencionados.
Minha posição sobre o assunto é rigorosamente oposta ao “sou a favor, mas não dessa aí”. Não sou a favor de uma ou outra proposta de reforma da Previdência, mas de praticamente qualquer uma.
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E não sou contra essa daí – pelo contrário, considero o texto enviado por Bolsonaro ao Congresso como de altíssimo nível. Se for aprovado como proposto, muito bom, palmas para o golaço do presidente, peço desculpas pelas críticas. Se aprovarem uma reforma desidratada, tudo bem, é do jogo, nunca esperei coisa muito melhor do Brasil.
Se a reforma não for aprovada no mandato de Bolsonaro, nada de novo: o Bananão seguirá na várzea e eu vou defender a reforma durante o mandato do próximo presidente eleito, repetindo o que já fiz sob Dilma, Temer e Bolsonaro.
Meu medo é que, sem reforma, nem exista próximo presidente eleito por aqui. E não é inteiramente piada: sem reforma, a democracia brasileira deve acabar com a solidez típica de países quebrados e inflacionados na América do Sul. Nem vai ser novidade – o passado pode estar menos distante do que a gente imagina.
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