Luiz Flávio Gomes acha que a reforma previdenciária proposta por Paulo Guedes “pega pesado com os médios, que ele chama de privilegiados, como juízes e promotores”. Por esses e outros motivos, aponta 15 inconstitucionalidades no texto, e defende que o STF barre a reforma caso ela seja aprovada.
Uma das 15 seria o “confisco” representado pelas maiores contribuições a quem ganha mais. Segundo o deputado, a contribuição de 22% viola a Constituição por estar acima do padrão internacional. A forma de resolver esses problemas, segundo Luiz Flávio, é “cobrar os bilionários que devem ao INSS”, porque “até a embaixada americana deve”.
Caso o leitor não tenha reconhecido o nome, trata-se de alguém “que já deu entrevista em duas ocasiões para o Jô Soares, por quem foi chamado de ‘homem furacão’” – como consta em seu site, com essas exatas palavras. Também é doutor em Direito e juiz aposentado desde 1999, quando tinha 42 anos.
É isso mesmo, leitor: aposentado aos 42 anos, com renda bruta de R$ 33 mil mensais. Depois, ganhou ainda mais dinheiro como professor para concursos e escritor, com diversas obras sobre ética, vejam vocês. Militando contra a corrupção, foi eleito deputado federal em 2018. Recebe auxílio-moradia, é claro.
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Hoje, Luiz Flávio é coordenador do PSB na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara. As 15 inconstitucionalidades lhes servem como argumentos para barrar a reforma agora mesmo, ainda na CCJ.
O discurso de Luiz Flávio abrange diversas dimensões do absurdo. Ele deveria sentir vergonha pelo que diz, por mais de um motivo. Mais do que isso, o Brasil deveria sentir vergonha de Luiz Flávio, um símbolo do nosso atraso. Explico nas linhas a seguir.
Primeiramente, Luiz Flávio desconhece inteiramente o Brasil, e deveria se envergonhar disso como cidadão, servidor público aposentado, professor e deputado. O salário-base de um juiz é suficiente para que ele esteja no 1% de maior renda do país, segundo o IBGE. Que tipo de “médio” é esse?
Como o deputado pode exigir que o financiamento da previdência venha da cobertura, se ele considera ‘médios’ muitos integrantes do 1% mais rico? É evidente que a cobertura, assim definida, não será suficiente para financiar um sistema previdenciário tão generoso.
Luiz Flávio também deveria sentir vergonha por não conhecer o problema previdenciário, apesar de falar sobre ele com tanta propriedade. É evidente, para quem já estudou o assunto, que a cobrança das dívidas com o INSS é inócua para resolver o financiamento da seguridade social.
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O coordenador do PSB vende-se como homem estudioso, mas aparentemente não leu o Relatório de Acompanhamento Fiscal do mês de abril, publicado pela IFI/Senado, fica ali pertinho do gabinete dele. Todo deputado da CCJ tem a obrigação moral de ler, ou pedir que assessores leiam, documentos tão importantes quanto esse. Luiz Flávio não leu. E eu sei disso porque o relatório simplesmente destrói seu argumento sobre a dívida ativa.
Se tivesse lido, descobriria que a cobrança da dívida ativa pelo INSS pode aumentar sua expectativa de arrecadação em R$ 16 bilhões. Retirando a dívida que dificilmente será recuperada segundo a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, e o valor que já está sendo negociado, sobra apenas isso, 5,5% do déficit previdenciário de 2018.
Sendo que ainda há um problema na conta: déficit é medida de fluxo, dívida é medida de estoque. A dívida só é recebida uma vez, enquanto o déficit volta todo ano. O mais justo é comparar com o déficit atuarial que supera R$ 9 trilhões. Ou seja, a solução proposta por Luiz Flávio não chega a 0,2% do rombo total a valor presente.
Quanto ao confisco, o deputado comete dois erros: primeiro, confunde a alíquota marginal com a alíquota efetiva, exagerando o quanto os servidores vão pagar; depois, com base nesse argumento falso, defende que a cobrança seria injusta.
Para entender, o leitor pode imaginar o seguinte cenário: um sistema tributário cobra 10% de imposto para quem ganha até mil dinheiros e 20% para tudo que exceder mil. No caso de um trabalhador que ganha dois mil dinheiros, ele pagará 100 de imposto pelos primeiros mil dinheiros e 200 pelos outros mil. O imposto consome, portanto, 15% da renda do trabalhador. O erro da conta de Luiz Flávio Gomes está em confundir a alíquota efetiva (15%) com a alíquota marginal máxima (20%).
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Todo o argumento de Luiz Flávio se baseia nesse erro conceitual, segundo o qual 22% de contribuição previdenciária seria confisco, portanto inconstitucional. Mas o servidor com salário até R$ 10 mil terá alíquota efetiva abaixo de 13%. Um servidor com salário de R$ 39 mil, acima do teto constitucional, teria alíquota efetiva de 16,79%. Na vizinha Argentina, todos os servidores pagam a mesma alíquota de 16%. A reforma, além de não propor uma cobrança tão dispare dos que ganham mais, tem como vantagem o fato de cobrar menos de quem ganha menos.
Quem confisca, em sentido econômico estrito, é Luiz Flávio Gomes, sustentado pelo Estado desde tenra idade, membro do 1% mais rico do país sem trabalhar como juiz desde os 42 anos. Servidores públicos como ele recebem, historicamente, muito mais do que contribuíram para a previdência. Eles efetivamente utilizam o dinheiro do pagador de impostos para bancar benefícios muito superiores aos disponíveis para “o resto”. Considerando-se médios, jamais privilegiados, aceitam tudo de bom grado.
Acima de tudo, Luiz Flávio é a personificação do atraso brasileiro. Não por seus defeitos, mas pelas qualidades: sua trajetória sugere se tratar de alguém inteligente, esforçado e capaz. Uma sociedade, bem lembrava o grande Douglass North, molda o que o cidadão fará com suas habilidades. E Luiz Flávio dedicou seus talentos aos concursos públicos, como candidato, servidor e professor de cursinhos. Aparentemente, a questão previdenciária e a realidade econômica brasileira não eram assuntos das provas, dado o sucesso alcançado por ele. Assim, passou décadas imerso numa bolha, onde um juiz é médio. Agora, toma decisões importantes para o país, sem preparo ou conhecimento. Além de outra Previdência, o Brasil precisa urgentemente de outra elite.