Se o processo burocrático de inventário de bens no Brasil após a morte de um familiar já costuma estender por anos a dor de familiares, as complicações diante do falecimento de pessoas que possuem patrimônio no exterior podem ser ainda maiores para os herdeiros.
Segundo as leis brasileiras, apenas os bens que constam no país podem ser objeto de inventário por aqui. Ou seja, se existir patrimônio no exterior, a divisão acaba se sujeitando às regras de onde ele está alocado, seguindo o princípio da pluralidade de juízos sucessórios.
“A sucessão no exterior é muito mais simples do que no Brasil, desde que você execute previamente o seu planejamento sucessório e use com eficiência os instrumentos jurídicos disponíveis no exterior. Aqui vale a mesma máxima do direito brasileiro, se você não fala, a lei vai falar por você e como nesse caso a lei é estrangeira, tudo pode ficar ainda mais complicado do que no Brasil”, aponta Nereu Domingues, advogado especialista na gestão jurídica do patrimônio que atua na assessoria de investimentos financeiros no exterior por meio da Allshore.
A depender da quantidade de bens, também são necessárias outras estratégias para escapar da alta carga tributária de alguns países, como a diversificação de investimentos ou a constituição de uma empresa. Nos Estados Unidos, por exemplo, local preferido pelos brasileiros para investir, o imposto sobre a herança começa em 40% e pode ser cobrado mesmo que a pessoa resida em outro local.
Como detalha Domingues, quando se fala de ativos mantidos por pessoas físicas nos Estados Unidos, é preciso ficar atento à necessária diversificação no portfólio de investimentos.
“É importante não ultrapassar o limite de US$ 60 mil em uma única companhia americana, pois na hipótese de falecimento do seu titular com investimento superior a esse valor, os herdeiros terão que pagar o imposto sobre a herança americano. Em outras palavras, é recomendável investir via empresa ou, se necessário, o investimento via pessoa física, distribuir os investimentos em várias empresas e dentro do limite individual de USD 60 mil”, explica.
A alta tributação na herança não vale para todo tipo de investimento, sendo fundamental o acompanhamento profissional nesses casos. “Se o investidor quer se manter como pessoa física, é importante contar com um bom especialista financeiro para recomendar ativos que estejam fora desta regra”, completa Bruno Fediuk de Castro, Head da Allshore.
Minimizando tributos com empresas
Para aportes maiores, eles indicam a constituição de empresa para gerir os investimentos, como uma offshore, estrutura normalmente usada para fins de planejamento tributário, proteção de ativos e privacidade financeira.
Além do custo relativamente baixo de manutenção, a empresa, private investment company ou simplesmente companhia offshore, não “desaparece” com seu titular. “Uma vez constituída, a empresa traz alternativas para resolver a questão sucessória. Apesar dela ser recomendada a partir de uma carteira de investimentos superiores a USD 500 mil, ela traz mais instrumentos para a governança desses investimentos, proteções para a inexperiência ou má influência sobre os herdeiros, além da não incidência do imposto sobre a herança americano”, aponta Nereu.
As empresas offshore permitem ainda que os investidores aproveitem isenções fiscais e outras vantagens tributárias oferecidas pelas jurisdições, otimizando a gestão de riqueza e garantindo que mais do patrimônio seja preservado para os herdeiros.
Os especialistas detalham que na offshore é possível, por exemplo, instituir uma classe de ações, colocando os herdeiros como sócios na companhia, mas sem gerência sobre ela. A partir do falecimento do investidor titular, as classes que estavam abaixo automaticamente sobem de patamar, permitindo o acesso aos bens pelos beneficiários em um prazo reduzido, sem necessidade de inventário.
Há ainda outras modalidades de transmissão de bens de herança por meio de offshores, como a designação de ações para herdeiros específicos na falta do titular.
Nereu chama a atenção também para o necessário acompanhamento especializado na constituição de empresas com fins de planejamento sucessório no exterior, já que muitos países acabam oferecendo “contratos de prateleira” que podem trazer problemas posteriores.
“Esses contratos, às vezes, possuem armadilhas ou dificuldades. Ou, eventualmente, o titular não aproveita todos os benefícios de ter essa empresa, é importante que se discutam os atos constitutivos dessa companhia”, observa.
Bruno Castro conta que, em que pese seja uma alternativa simples, muitos investidores acabam recorrendo ao testamento comum no exterior. Ele garante maior privacidade do titular em relação aos bens existentes na família, mas representa perdas em termos de custos e exige a realização de inventário no exterior para a passagem de bens para a família.
“Buscar mecanismos que evitem a morosidade na transferência dos ativos e afastar a incidência de tributos e custos desnecessários é o desejo de todos os que investem no exterior”, resume Castro.
Apesar de não recomendado em alguns casos, Domingues aponta que, mesmo nessa alternativa, existe um acordo de reciprocidade entre países, como Brasil e Estados Unidos, que garante o pagamento de impostos aqui somente após a compensação do valor já pago no exterior.