Com o nome popularizado no Brasil a partir especialmente da Operação Lava Jato, as estruturas offshore — quando conduzidas de maneira lícita e transparente, é claro — são estratégias sofisticadas utilizadas por muitos investidores para otimizar a gestão de riquezas, garantir a proteção de ativos e obter vantagens fiscais.
O Banco Central define as offshores como “jurisdições em que grande parte das transações do sistema financeiro envolve pessoas físicas ou jurídicas não residentes na jurisdição e na qual a maioria das instituições financeiras envolvidas é controlada por não residentes”. São a outra ponta das onshores, aquelas constituídas em seu país de origem.
Trata-se, em resumo, de uma empresa no exterior (PIC-Private Investment Company, em sua maioria) cujo controle é de não residentes naquele país e cujo capital é, em regra, destinado a países que oferecem vantagens tributárias mais rentáveis para as empresas, os chamados paraísos fiscais. É uma das ferramentas existentes para manter uma estratégia diversificada de construção de patrimônio fora do país.
Segundo os dados da Receita Federal, sobre as declarações de 2023, esses bens somam R$ 1,1 trilhão. Em cinco anos, aumentou em 200% o número de declarações em que constam bens fora do país: de 263,5 mil para 816,1 mil.
Detalhamento do Banco Central mostra que a posição total de Investimento Direto no Exterior (IDE) somou US$ 477,6 bilhões em 2022, número que se eleva pelo quarto ano seguido. Desse total, a maioria está em participação no capital, com US$ 435,1 bilhões, e US$ 42,5 bilhões em operações intercompanhia.
Ainda segundo o BC, dentre os cinco países que detêm o maior volume de investimentos vindos do Brasil, três são paraísos fiscais: Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas e Bahamas.
Os próprios dados disponíveis sobre esse tipo de estrutura ajudam a superar a má fama por ela carregada. Isso acaba afastando sem razões os investidores dessa alternativa, como aponta o advogado Bruno Fediuk de Castro, Head da Allshore, empresa que faz contabilidade e compliancede patrimônio no Brasil e no exterior.
“Não é porque determinada jurisdição é considerada um paraíso fiscal que não existem regras. E essas regras, por conta da OCDE [Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico] aumentaram muito nos últimos anos. Temos obrigações anuais a serem cumpridas de compliance, na maioria das jurisdições offshore, além das obrigações com o governo brasileiro, como imposto de renda e declarações ao Banco Central, por exemplo”, detalha Bruno. Ele ainda ressalta que a dor de cabeça pode ser grande para regularizar esse tipo de companhia, caso ela se torne irregular.
Benefícios da offshore
Bruno Castro acredita que o maior benefício na constituição de offshores para administração de bens fora do país está na eficiência que elas proporcionam para além das vantagens fiscais.
“Elas podem trazer bons benefícios do aspecto tributário para investimentos financeiros, além de auxiliarem no processo de gestão e sucessão dos ativos”, aponta. Ou seja, ela contempla mais vantagens do que apenas o retorno com o investimento externo, garantindo que o patrimônio não sofra interferências indesejadas ou ao menos que elas possam ser antecipadas.
Mas, Bruno alerta que é importante o investidor conhecer todas as opções disponíveis para saber qual se enquadra melhor no seu caso. “Não existe uma caixinha pronta, uma fórmula mágica para todo mundo, o investidor deve tomar cuidado principalmente para não cair em armadilhas”, afirma. Até mesmo os países recomendados para o destino dos capitais podem variar a depender das características do investidor.
Privacidade dos investimentos
O primeiro desafio para fazer o investidor entrar no universo das offshores, segundo o especialista, é fazer entender como funciona esse tipo de companhia. “Apesar de ser muito simples, normalmente é algo que foge do conhecimento comum aqui, do investidor normal”, conta o Head da Allshore. Outro empecilho é ultrapassar os limites do idioma.
Superadas as dificuldades iniciais, Castro aponta como outro atrativo oferecido pela offshore a segurança jurídica da operação. No entanto, ele esclarece que a privacidade não significa isenção de cumprimento das obrigações, mas sim a garantia de que as informações estarão seguras e confidenciais.
“Eles vão estar protegidos pelas leis específicas. No caso do Brasil, é a LGPD [Lei Geral de Proteção de Dados], no caso do exterior, é a GPDR [General Data Protection Regulation], por exemplo. Ademais, os deveres dos profissionais envolvidos na operação são também bastante relevantes. Mas é muito mais os outros benefícios que atraem do que, de fato, quando a gente fala de segurança e privacidade”, avalia.
Planejamento patrimonial e sucessório
“O planejamento patrimonial e sucessório é outro dos principais motivos pelos quais investidores optam por estruturas offshore, já que elas oferecem diversas estratégias para a preservação do patrimônio familiar, através do estabelecimento de regras de governança sobre o patrimônio, entregando maior proteção à inexperiência ou má influência que os herdeiros podem sofrer e evitando a incidência de impostos desnecessários”, afirma Nereu Domingues, advogado e contador, especializado na gestão jurídica do patrimônio e fundador da Allshore.
Bruno Castro, enfatiza que a compreensão das necessidades e objetivos do investidor é fundamental para maximizar esses benefícios e assegurar a conformidade com as leis tanto brasileiras quanto internacionais.
Castro cita, como exemplo, uma das mudanças impostas pela Lei 14.754/2023, que alterou a tributação de investimentos brasileiros no exterior. No aspecto fiscal, a pessoa física, por exemplo, está sujeita ao regime de caixa, em que o registro contábil é feito no momento da entrada e da saída do ativo, que pode ser uma ação comercializada na bolsa de valores ou um título público, ou privado de investimento, por exemplo. Já no caso de uma pessoa jurídica, como com as estruturas offshores, pode-se optar pelo regime de caixa ou de competência, sendo o regime de competência igual aos que se aplicam para muitas empresas brasileiras, onde é apurada uma contabilidade com base no exercício social.
“Neste sentido, o investidor, sabendo do seu modelo de investimento e das suas especificidades, poderá optar por aquela que lhe for mais vantajosa”, detalha o especialista.
Proteção de ativos
As estruturas offshores permitem ainda a criação de mecanismos específicos para gerir e planejar a sucessão dos ativos de forma mais eficiente. Embora não exista uma “blindagem patrimonial” absoluta, como explica Castro, seguindo as regras de compliance e uma série de obrigações legais, elas oferecem alternativas para a proteção dos ativos contra riscos diversos.
Para tanto, a escolha de uma assessoria para a criação e manutenção dessas estruturas é essencial. Segundo o especialista, a compreensão das particularidades das jurisdições offshore que garantam a regularidade e eficiência das operações são cruciais para evitar problemas futuros.
“Por isso, escolher bons profissionais para a abertura e manutenção da companhia é essencial, principalmente para que você não tenha que se incomodar com o cumprimento das burocracias, que vai ter sempre alguém especializado”, finaliza.