A Gazeta do Povo conversou com Lauro Anhezini Jr., diretor de Assuntos Regulatórios e Científicos da BAT Brasil, uma das maiores empresas do setor.
A Gazeta do Povo conversou com Lauro Anhezini Jr., diretor de Assuntos Regulatórios e Científicos da BAT Brasil, uma das maiores empresas do setor.| Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senad
  • Por BAT Brasil
  • 11/11/2024 17:55

O mercado ilegal de cigarros eletrônicos, os famosos “vapes”, tem crescido de forma acelerada no Brasil. Dados recentes mostram que cerca de 3 milhões de brasileiros já são consumidores regulares de dispositivos ilícitos e de procedência desconhecida, um aumento de 600% nos últimos seis anos (Ipec).

Dados do COVITEL apontam para mais de 4 milhões de consumidores. Os vaporizadores são vistos como uma alternativa de risco reduzido ao cigarro tradicional - para adultos fumantes, desde que haja substituição completa e quando se trata de produtos devidamente regulamentados. No entanto, a ausência de controle sanitário e a comercialização indiscriminada pelo comércio ilícito têm gerado preocupações tanto do ponto de vista da saúde dos consumidores quanto da regulação do mercado brasileiro.

Enquanto outros países como Estados Unidos, Reino Unido, Suécia, Nova Zelândia e Canadá já estabeleceram regulamentações robustas para garantir a segurança dos consumidores e oferecer produtos com redução de riscos aos adultos fumantes, o Brasil ainda reluta em enfrentar essa realidade, optando pela proibição do produto e, automaticamente, incentivando o contrabando e o consumo de produtos ilegais com substâncias desconhecidas.

A falta de normas claras coloca em risco tanto os consumidores quanto a economia, que perde arrecadação devido ao comércio ilegal.

Para discutir os desafios e as oportunidades do mercado de cigarros eletrônicos no Brasil, a Gazeta do Povo conversou com Lauro Anhezini Jr., diretor de Assuntos Regulatórios e Científicos da BAT Brasil, uma das maiores empresas do setor.

Com uma longa trajetória de atuação em temas relacionados à regulamentação, Anhezini traz uma visão detalhada sobre os benefícios que a criação de regras poderia oferecer, os riscos da atuação do mercado ilegal e a necessidade de proteger os consumidores que optaram por esse tipo de produto. Na entrevista, Anhezini destaca exemplos internacionais bem-sucedidos e aponta caminhos para que o Brasil avance nesse debate.

Gazeta do Povo: Lauro, qual é o cenário brasileiro quando o assunto é o mercado de cigarros eletrônicos?

Lauro Anhezini Jr.: O Brasil vive uma situação bastante peculiar. Atualmente, temos cerca de 3 milhões de adultos que são consumidores regulares de cigarros eletrônicos, conforme dados do IPEC (Inteligência em Pesquisa e Consultoria Estratégica). No entanto, a pesquisa COVITEL, realizada por entidades de controle do tabaco, estima que esse número pode ser ainda maior, chegando a 4,4 milhões de pessoas. O problema é que esses consumidores estão acessando produtos ilegais sem qualquer controle sanitário, sem avaliação toxicológica ou regulatória. Em outras palavras, eles não têm como saber a procedência e a composição do que estão consumindo. Essa falta de regulamentação adequada eleva os riscos à saúde. Essa realidade precisa deixar de existir e, no Brasil, produtos que hoje não existem – regulados – deveriam ocupar esse espaço buscado pelos adultos fumantes.

Gazeta do Povo: Como o Brasil se compara a outros países em termos de regulamentação dos cigarros eletrônicos?

Lauro Anhezini Jr.: Mais de 100 países ao redor do mundo já têm comercialização formal de cigarros eletrônicos. Em países como Estados Unidos, Reino Unido, Canadá, Nova Zelândia, Suécia e diversos outros membros da União Europeia, os dispositivos são regulamentados com regras rígidas e reconhecidos pelas autoridades de saúde pública como uma alternativa de menor risco no consumo de nicotina do que fumar cigarros convencionais. Nos EUA, por exemplo, a FDA (Food and Drug Administration, agência reguladora dos Estados Unidos responsável pela supervisão da segurança e eficácia de alimentos, medicamentos, dispositivos médicos, cosméticos e produtos de tabaco, entre outros) submete os cigarros eletrônicos a um escrutínio severo antes de aprová-los, o que pode levar até três anos para acontecer.

Gazeta do Povo: Então, qual o paradoxo que vivemos no Brasil em relação à regulamentação?

Lauro Anhezini Jr.: O paradoxo é que, enquanto nos países onde existe regulamentação, o uso de cigarros eletrônicos é uma alternativa mais segura e um recurso utilizado dentro da política de redução do tabagismo, no Brasil, as pessoas buscam essa mesma alternativa, mas acabam acessando produtos ilegais, sem procedência conhecida e que, com isso, podem ser até mais perigosos. O Brasil, que foi pioneiro nas políticas de controle do tabagismo está ficando para trás ao ignorar alternativas de potencial menor risco no consumo da nicotina, como cigarros eletrônicos. Como não há uma regulação, um controle sanitário, não há como saber o que realmente está dentro destes dispositivos. Isso resulta em um cenário onde a proibição não funciona para proteger a saúde pública. Ao contrário, coloca a população em risco, já que os consumidores não têm nenhuma garantia de estarem utilizando produtos que passaram por controle fitossanitário.

Gazeta do Povo: E o que as pesquisas apontam sobre o consumo entre os adolescentes no Brasil e quais os perigos existentes?

Lauro Anhezini Jr.: Esse é um ponto muito delicado. De acordo com a Pesquisa Nacional da Saúde Escolar do IBGE de 2019, aproximadamente um em cada quatro adolescentes de 16 e 17 anos já experimentou cigarros eletrônicos no Brasil, o que representa 22,7%. Isso é alarmante! Famílias e escolas muitas vezes não têm conhecimento suficiente ou ferramentas adequadas para lidar com esse problema. O mais preocupante é que esses jovens têm acesso fácil a produtos ilícitos e contrabandeados que são apelativos para eles, com sabores de sobremesa, excessivamente adocicados e design apelativo a menores de 18 anos, designs que remetem ao universo infanto-juvenil, algo que precisa ser combatido imediatamente e que em nada condiz com o que a indústria lícita propõe.

Gazeta do Povo: Há exemplos de outros países que conseguiram lidar com esse problema?

Lauro Anhezini Jr.: Sim, existem vários exemplos positivos. Os Estados Unidos, por exemplo, enfrentaram uma crise de consumo de cigarros eletrônicos entre adolescentes em 2018, com índices semelhantes aos que vemos hoje no Brasil. Eles reagiram com uma regulamentação rígida e conseguiram reduzir o consumo entre jovens de 27,5% para 5,9% em 2024, uma queda de mais de 60%. No Reino Unido, que também tem uma regulamentação madura, houve um aumento no consumo entre adolescentes. Porém, em vez de proibir, o país está ajustando as suas regras e aumentando o rigor na fiscalização, retirando sabores e designs que sejam apelativos para o público mais jovem, medidas com as quais concordamos. O resultado tem sido o início do declínio do consumo de menores de 18 anos, ainda assim mais baixo do que o observado no Brasil.

Gazeta do Povo: No Brasil, o que seria necessário para alcançar um cenário semelhante?

Lauro Anhezini Jr.: Precisamos de uma regulamentação robusta, rígida, que aborde tanto a venda quanto o controle de qualidade dos produtos. Isso inclui a exigência de verificação de idade na compra, seja presencial ou online, além de penalizações severas para quem vende a menores de 18 anos. O Projeto de Lei 5008/2023 que tramita no Senado Federal, propõe penalidades de até R$10 milhões para empresas que vendam a adolescentes ou a quem entregue esse produto gratuitamente a esse público. O relator do projeto na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE), senador Eduardo Gomes, sugeriu dobrar esse valor para R$20 milhões, além de aplicar penas criminais previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente. Essas medidas são fundamentais para proteger esse público, mais uma vez medidas com as quais concordamos integralmente.

Gazeta do Povo: E em relação ao impacto econômico? A regulamentação dos cigarros eletrônicos poderia beneficiar a economia brasileira?

Lauro Anhezini Jr.: Sem dúvida. A regulamentação não só contribuiria para políticas de redução de riscos ao diminuir o tabagismo,  como também teria um impacto positivo na economia. O Brasil é o maior exportador de tabaco do mundo e o terceiro maior produtor. O tabaco é cultivado por cerca de 130 mil famílias em pequenas propriedades rurais no Sul do país, distribuídas em 490 municípios da região, isso representa cerca de 500 mil pessoas que dependem desta cultura somente no campo.

Estudo da FIEMG mostra que a regulamentação dos cigarros eletrônicos poderia gerar cerca de 26 mil empregos diretos e indiretos só na fumicultura, com um faturamento de R$3 bilhões para o setor, para atendimento da demanda doméstica e exportação, com a extração da nicotina da planta do tabaco para a produção desses produtos. Por esse motivo, esta cadeia produtiva é de extrema importância para que sejam mantidas a geração de renda e empregos na região Sul. Importante destacar que um estudo da USP projeta quase R$10 bilhões em tributos federais e estaduais que poderiam ser arrecadados e que, hoje, estão nas mãos da criminalidade.

Gazeta do Povo: A regulamentação ajuda a combater o mercado ilegal?

Lauro Anhezini Jr.: O combate ao mercado ilegal é inviável sem um mercado legal, com regras restritas, estabelecido. Isso não é só a indústria quem diz, especialistas como Dr. Colin Mendelson, médico australiano com larga experiência em controle do tabaco, diz igualmente. Quando não há uma alternativa lícita, os consumidores acabam recorrendo ao mercado ilícito, a produtos contrabandeados. A regulamentação dos cigarros eletrônicos permitiria que os consumidores adultos tivessem acesso a produtos seguros e controlados, que hoje não existem no Brasil, mas sim em 84% dos países da OCDE, reduzindo a força do mercado ilegal, que deveria deixar de existir.

Gazeta do Povo: Qual o papel da indústria na redução dos danos associados ao consumo de cigarros?

Lauro Anhezini Jr.: a indústria investe massivamente em pesquisa científica para desenvolver produtos que ofereçam menor risco aos consumidores. Empresas sérias, como a BAT, seguem rigorosos protocolos de análise toxicológica para garantir que os produtos sejam apropriados para o consumo humano. Por exemplo, para registrar um produto na FDA dos EUA, no MHRA do Reino Unido, no Health Canadá do Canadá e nas mais diversas agências de saúde no mundo, a empresa precisa realizar diversas etapas de testes toxicológicos para certificar sua segurança e grau de risco reduzido quando comparado com o cigarro convencional. Além disso, a indústria tem se posicionado de forma responsável em relação à questão do acesso por menores de idade. Há uma grande pressão da própria indústria para que medidas de verificação de idade sejam implementadas, tanto nas vendas físicas quanto online, e para que haja penalizações severas para quem vender vaporizadores a menores de 18 anos. A indústria também apoia a proibição de sabores e designs apelativos para jovens, reconhecendo que esses produtos devem ser direcionados exclusivamente para adultos fumantes que buscam alternativas de menor risco no consumo da nicotina quando comparado ao cigarro convencional.

Gazeta do Povo: Como a falta de informação sobre cigarros eletrônicos afeta a opinião pública e o debate regulatório no Brasil? Qual seria o papel da educação e da conscientização nesse processo?

Lauro Anhezini Jr.: A desinformação generalizada sobre cigarros eletrônicos tem impacto direto na opinião pública e no debate regulatório no Brasil. Muitos brasileiros ainda desconhecem os estudos científicos que comprovam que os vaporizadores são uma alternativa menos prejudicial ao cigarro tradicional, embora estudos independentes e renomados, como do Royal College of Physicians no Reino Unido, homólogo da Academia Nacional de Medicina do Brasil, demonstrem que os cigarros eletrônicos são 95% menos arriscados do que os cigarros convencionais; o FDA reconhece que cigarros eletrônicos expõem os consumidores a consideravelmente menos substâncias tóxicas ou potencialmente tóxicas do que fumar; em igual linha diz o Ministério da Saúde do Canadá e o da Nova Zelândia, país este que regulou esses produtos no auge da pandemia de COVID-19. Outro exemplo de estudo recente está publicado na Cochrane, uma instituição padrão-ouro na medicina, que demonstrou que os cigarros eletrônicos causam menos danos ao DNA da mucosa oral do que os cigarros convencionais. No entanto, esse tipo de informação não tem sido amplamente divulgado no Brasil; igualmente o Cochrane afirma com alto grau de certeza – o maior disponível – que cigarros eletrônicos são tão ou mais eficientes para que as pessoas deixem de fumar cigarros do que as terapias de cessação convencionais. A informação pode ajudar a desmistificar o produto, mostrando que, embora não seja isento de riscos, ele oferece uma alternativa de menor dano para quem não consegue ou não quer parar de fumar.

Embora não sejam isentos de riscos, cigarros eletrônicos são ferramentas de menor risco no consumo da nicotina e são adotadas como parte das políticas de redução do tabagismo no Reino Unido, Nova Zelândia, Estados Unidos, Canadá e diversos outros países, uma realidade que infelizmente o Brasil tem ficado para trás.

Além disso, campanhas de conscientização sobre os perigos de acesso por menores de idade são essenciais para proteger os jovens e garantir que o produto legal seja utilizado de forma responsável por adultos fumantes.

*Vaporizadores e produtos de tabaco aquecido são produtos destinados a maiores de 18 anos, assim como o cigarro. Estes produtos não são isentos de riscos.

*A redução de riscos de vaporizadores e produtos de tabaco aquecido é baseada nas evidências científicas mais recentes disponíveis e desde que haja a substituição completa do consumo de cigarros tradicionais.