Mesmo com o início das campanhas de vacinação contra a Covid-19, a perspectiva do setor gastronômico não é otimista. Vivendo um caos desde março de 2020, data em que os estabelecimentos passaram a ter que operar em horários restritos, os restaurantes e bares estão muito perto de estourar o seu limite financeiro. Um levantamento feito pela Associação Brasileira de Bares e Restaurantes (Abrasel), entre os dias 24 de dezembro e 4 de janeiro, apontou que 6 em cada 10 estabelecimentos não conseguiram pagar em dia despesas com impostos, aluguel, salários e fornecedores. Para piorar, a carência dos empréstimos contraídos no ano passado está próxima de acabar. Neste mesmo levantamento, a Abrasel identificou que 53% dos empresários do setor estimam que vão precisar de mais de um ano para que as dívidas voltem a um patamar aceitável.
Diante deste cenário, o empresário Augusto Farfus, que comandou por mais de três décadas a churrascaria Devons, em Curitiba, analisa as três principais estratégias de combate ao coronavírus que agravaram a situação do setor de gastronomia e como elas podem ser remodeladas neste novo ano, a fim de salvar a categoria que está à beira do colapso.
Restrição de horários para atendimento
Abre salão, fecha salão. Esta virou a rotina da maior parte dos bares e restaurantes de acordo com a bandeira adotada em cada estado. Para Farfus, além de concentrar os clientes em horários mais curtos de atendimento, esta estratégia ajudou a assustar a população e confundir, já que na avaliação do empresário, faltou clareza na hora de explicar não só os novos horários, como também as medidas de prevenção que os estabelecimentos estavam adotando. “Fechar aos domingos é retirar dos restaurantes a receita de sobrevivência. O setor vive do faturamento do final de semana”, explica Farfus. “Faltou assertividade e até uma certa leveza na campanha do ‘Fique em Casa’. Assim como as feiras, o transporte coletivo e outros setores estão funcionando com os devidos cuidados, também é possível frequentar um restaurante sem ser contaminado”, avalia.
Para 2021, Farfus acredita que uma das primeiras coisas a ser repensada pelo poder público é justamente esta restrição no atendimento. “Assim como num supermercado, quando você reduz o tempo de atendimento, mais pessoas concentram-se em um determinado período de compras. Não faz sentido você ser autorizado a servir pratos de segunda a sábado e restringir no domingo. Não existe contaminação no meio da semana?”, questiona. O trabalho em tempo reduzido também impacta diretamente no serviço prestado aos clientes. “Por mais que exista uma noção geral de que todo mundo está passando pela mesma pandemia e os serviços estão se adaptando, muitos clientes acabaram perdendo a paciência quando o atendimento passou a demorar um pouco mais, com equipes reduzidas. Isto também contribui para as dificuldades do setor”.
Linhas de crédito, isenção de impostos e outras taxas
Com os fluxos de caixa cada vez mais sufocados a saída natural seria buscar auxílio do poder público. No entanto, para Farfus, as estratégias governamentais adotadas foram poucas e praticamente ineficazes. “Não houve ajuda para aliviar as empresas em nenhuma das esferas, seja federal, estadual ou municipal e assim evitar o caos social do desemprego”, opina o empresário. “Os recursos disponibilizados para empréstimos ou auxílio foram distribuídos de acordo com a política de cada banco. Não existiu nenhum alívio em contas de água, luz ou até mesmo o IPTU, que está chegando este mês, e que a maioria dos empresários do setor não terá como pagar”, explica.
Para 2021, o objetivo deve ser uma cooperação maior entre as esferas de governo que gerem carências estendidas para empréstimos e linhas de crédito, além de moratórias para impostos e outras taxas pública. “É preciso que as vigilâncias sanitárias e os governos municipal, estadual e federal conversem a fim de apoiar um setor que está com dificuldades até de pagar o aluguel. É o que está sendo feito na Europa. É preciso entender que mesmo na visão mais otimista, será apenas a partir do segundo semestre que estes estabelecimentos começarão a se recompor. Criar uma política pública que atenda esta demanda e impeça um stress social causado pelo desemprego é urgente. O segmento da gastronomia está remando contra o vento. Nenhum estabelecimento tem saúde financeira sequer para fazer as rescisões”.
Aposta única em delivery
Com o horário de atendimento reduzido, apoio financeiro escasso e equipes desmontadas, o mercado de gastronomia acabou precisando remodelar quase todas as suas operações. A opção foi o delivery, uma fatia de mercado dominada até então por poucas plataformas digitais. Para Farfus, este quase monopólio das plataformas deixou os estabelecimentos reféns de operações custosas e pouco lucrativas. “Existe uma ideia de que o delivery está garantindo a sobrevivência dos restaurantes. Mas isto malmente paga as contas. Muitos empresários adotaram o delivery apenas para fazer com que a marca de seu bar ou restaurante não desapareça durante este período”. O empresário define as plataformas como “sócios ocultos”, uma vez que lucram com as atividades do setor, mas não investem diretamente na sobrevivência dos estabelecimentos. “Esta migração em massa para o digital descapitaliza os restaurantes e mata datas festivas que estamos preparados para atender com segurança, como a Páscoa”, esclarece.
Desde novembro do ano passado, a Abrasel lidera as discussões para criação do projeto “open delivery”, cujo objetivo é promover um ambiente de maior competição no setor de entrega de alimentos através da criação de softwares de código aberto e padronizados, para que restaurantes possam integrar várias plataformas de delivery sem precisar fazer uma negociação separada com cada uma delas.