Do dia para a noite passamos a ficar muito mais tempo em casa do que estávamos acostumados. Não demorou muito para virem as reformas, as reorganizações de ambientes e as redecorações, não só com o intuito de adaptar as residências às várias atividades que passaram a ser realizadas nelas, mas também de garantir que os moradores se sentissem bem dentro de casa, principalmente diante do estresse provocado pela pandemia e pelas medidas para tentar contê-la.
“Temos visto que os ambientes, principalmente dentro de casa, têm sido um ponto central de atenção no momento, por não podermos estar nos deslocando muito. E aí começou uma busca por tornar esses ambientes mais agradáveis, por tentar se reconectar com eles. As pessoas estão realmente buscando decorá-los ou mudá-los nesse sentido de se sentirem melhor dentro deles”, afirma a designer de produtos da Interprint, Carolina Vitola.
Embora muitas dessas mudanças tenham sido feitas de forma intuitiva, é possível otimizá-las por meio da aplicação dos conhecimentos da neuroarquitetura e do neurodesign. “Neuroarquitetura e neurodesign nos permitem mapear os estímulos sensoriais dos ambientes e conhecer aqueles que nos fazem sentir melhor”, explica Carolina.
De acordo com a arquiteta e urbanista Miriam Runge, que estuda e trabalha com neuroarquitetura há cinco anos, para compreender como funcionam essas áreas de estudo e trabalho, é preciso partir do entendimento de que todo ambiente, seja ele construído ou não, impacta os seres humanos de alguma forma, seja a partir de estímulos sensoriais ou de memória.
Com a evolução de áreas como biologia, psicologia e medicina - e a aplicação de ferramentas desenvolvidas por elas na arquitetura e no design -, foi possível observar de que forma o cérebro humano tende a reagir aos estímulos provocados por ambientes construídos e, consequentemente, como nos relacionamos com cada um deles por causa desses estímulos.
“Hoje, usando as técnicas de arquitetura, de psicologia ambiental e de neurociência aplicada, podemos interferir no ambiente para causar sensações mais saudáveis ou impactar o nosso comportamento”, afirma Miriam. A arquiteta lembra, porém, que os padrões indicados pela neuroarquitetura não são universais e podem, em determinadas ocasiões, precisar ser adaptados a necessidades específicas dos moradores.
Luz natural e ventilação
O primeiro passo para quem pretende planejar ou modificar um ambiente de forma a proporcionar mais bem-estar aos que o frequentam é, conforme Miriam, identificar o objetivo do ambiente e as necessidades dessas pessoas.
Uma residência, por exemplo, tende a ser o refúgio de uma família e, portanto, precisa proporcionar conforto, além de atender as demandas específicas dos moradores. Um ambiente corporativo, por outro lado, pode ser o local onde se realizam trabalhos que demandam concentração e/ou criatividade, enquanto um espaço de saúde geralmente deve ser pensado para favorecer o tratamento ou a cura dos pacientes, sem esquecer do bem-estar dos profissionais que trabalham ali.
A partir disso, é preciso observar o que o ambiente proporciona no sentido de satisfazer essas necessidades e o que precisa ser modificado.
Um estímulo considerado importante em qualquer ambiente, inclusive nas residências, é a iluminação. Conforme a neuroarquitetura, a iluminação natural é aquela que ajuda a regular o nosso relógio biológico, estimulando o nosso corpo a despertar e descansar, de acordo com a sua variação. Daí a importância de permitir que a luz do dia entre em casa - e de ter uma iluminação artificial que reforce este padrão, com a composição de luzes amarelas e brancas, diretas e indiretas.
“Boa iluminação não significa ambiente todo branco. Aliás, evite iluminação branca à noite e, se tiver que ter, opte por uma iluminação baixa e próxima dos rodapés, que ilumine, mas não corte o estímulo de sono”, afirma Miriam.
A arquiteta cita também a ventilação como estímulo importante, explicando que o tamanho das janelas importam, assim como a eficiência do conjunto de aberturas para promover a renovação do ar, já que respiramos oxigênio, mas somos produtores de gás carbônico. “Respirar um ar limpo e saudável é tudo. Sem isso, ficamos cansados sem perceber”, diz.
Tanto iluminação quanto ventilação são aspectos considerados importantes pela arquitetura biofílica. Conforme Miriam e Carolina, a biofilia aplicada à arquitetura e ao design, trazendo elementos naturais - ou materiais que remetam a eles - para dentro dos ambientes, também contribui para provocar bem-estar - o que se dá pela relação ancestral do homem com a natureza.
Cores, texturas e decoração
Cores, texturas e objetos decorativos também devem ser pontos de atenção. Em dormitórios, por exemplo, eles podem estimular demais e dificultar o descanso. “É preciso sempre ter cuidado com cores muito vivas e vibrantes, e quartos muito decorados e cheios de informação para crianças, por exemplo. Às vezes a criança já está num turbilhão e aquele ambiente, ao invés de relaxar e descansar, estimula mais ainda e aí a criança não dorme”, explica Miriam.
O mesmo vale para adultos, que também podem usar cores e decoração para favorecer a concentração em home offices ou nos ambientes transformados em espaço de trabalho durante a pandemia. “É importante identificar, para determinadas atividades, quais são as cores que favorecem mais, que proporcionam mais calma e tranquilidade. E também pensar na questão de limpeza e organização desses ambientes”, diz Carolina.
Quanto a texturas e objetos decorativos, as profissionais afirmam que eles podem contribuir para o bem-estar por meio do estímulo da memória. Para isso, a aposta deve ser em texturas naturais associadas a materiais mais regionais que remetam às nossas raízes, como à do tijolo ou de madeiras de árvores nativas. Já os objetos decorativos podem ser retratos, lembranças de viagens ou itens que façam alusão a pessoas, momentos, lugares e temas importantes para os moradores.
“Esses elementos de decoração também dão essa sensação de conforto, de pertencimento, de ‘sim, esse é o meu lugar, com a minha personalidade’. Você sai daquele showroom para entrar na personalidade de cada um, com referências pessoais de viagens, de família, etc.”, afirma Carolina. “E já que estamos num momento tão frágil da vida, sem podermos fazer muitas coisas ou ver tantas pessoas, tendo que ficar mais dentro de casa, é importante tornar esse lugar o mais confortável e o mais acolhedor possível”, finaliza.