A falta de uma rede de coleta e tratamento de esgoto causa graves danos ao meio ambiente
A falta de uma rede de coleta e tratamento de esgoto causa graves danos ao meio ambiente| Foto: Pixabay
  • Por Sustentabilidade
  • 28/06/2024 13:27

O saneamento básico no Brasil enfrenta desafios críticos que impactam diretamente a saúde pública e o meio ambiente. Dados oficiais do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) apontam que cerca de 4,8 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à água potável e 49 milhões vivem sem coleta e tratamento de esgoto adequado, de acordo com os dados do Censo Demográfico de 2022.

No entanto, os dados do Instituto Trata Brasil (ITB) – uma Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP) formada por empresas com interesse nos avanços do saneamento básico e na proteção dos recursos hídricos do país – são bem mais alarmantes: a falta de acesso à água potável impacta quase 33 milhões de pessoas e cerca de 93 milhões de brasileiros não possuem acesso à coleta de esgoto. O cenário é considerado um dos mais atrasados do mundo.

O resultado direto da falta de investimentos em infraestrutura vai desde problemas na saúde da população a impactos na nutrição, educação, problemas socioeconômicos e degradação ambiental. “O saneamento traz uma série de benefícios, seja na redução de custos com saúde, valorização imobiliária, ganhos com turismo. A escolaridade média das crianças aumenta”, afirma Luana Pretto, presidente-executiva do Instituto Trata Brasil,

Esses números são reforçados pelo Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), que mostra que 37,7% da água produzida no país é perdida devido a ineficiências nos sistemas de distribuição. 

Luana salienta que os impactos socioeconômicos desse cenário são percebidos na educação e na renda da população. Pessoas com acesso a saneamento têm escolaridade média de 12 anos e renda média de R$ 3,3 mil. Por outro lado, aqueles que não dispõem desses recursos estudam, em média, dez anos, e consequentemente, tem uma renda inferior, que fica, em média, em R$ 2,2 mil. “Nós investimos (Estado) cerca de R$ 111/ano por habitante. Porém, para atingir as metas do Marco Legal do Saneamento Básico, o investimento deveria ser de R$ 231/ano por habitante, mais do que o dobro de hoje”, analisa.

Marco legal

Modelo de banheiro adotado até hoje em comunidades isoladas no Brasil.
Modelo de banheiro adotado até hoje em comunidades isoladas no Brasil. | Pixabay

O Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020) foi instituído com o objetivo de modernizar e ampliar a prestação de serviços de saneamento básico no país, garantindo o acesso a água potável e esgotamento sanitário para toda a população. 

Entre as metas previstas, a lei estabelece a universalização do acesso à água potável e esgotamento sanitário até 2033, com um atendimento mínimo de 99% da população com água potável e 90% com coleta e tratamento de esgoto. “O saneamento precisa ser visto como um ativo político, principalmente neste ano, que é um ano eleitoral”, observa a presidente do Trata Brasil.

Voluntariado

Iniciativas como as da ONG Biosaneamento buscam oferecer soluções de saneamento básico às comunidades.
Iniciativas como as da ONG Biosaneamento buscam oferecer soluções de saneamento básico às comunidades.| Divulgação

As estatísticas e, principalmente, o cenário desafiador vivido por inúmeras comunidades brasileiras motivaram o engenheiro civil a fundar, em 2018, a ONG Biosaneamento. A organização atua na promoção de soluções sustentáveis para o saneamento básico, com foco em áreas rurais e comunidades de baixa renda, buscando melhorar a qualidade de vida dessas populações através de projetos e iniciativas que garantem o acesso à água potável e ao saneamento adequado. 

Fundada em 2018, a instituição está presente em mais de 20 comunidades brasileiras e já implementou 49 sistemas de saneamento, beneficiando cerca de 11 mil pessoas. A organização utiliza soluções descentralizadas tecnológicas e sociais a partir de parcerias público-privadas.

Diante da atual realidade brasileira, Fazio afirma que os maiores desafios hoje se concentram nas regiões Norte e Nordeste do Brasil, onde os índices de acesso ao saneamento são os mais baixos. “Quando falamos que grande parte da população vive sem saneamento básico, nos referimos aos lugares urbanos e rurais “esquecidos” pelos órgãos responsáveis pela medição dessa população vulnerável”, destaca o engenheiro.

Fazio explica que os números de saneamento básico no Brasil são baseados no Sistema Nacional de Informações Sobre o Saneamento (SNIS), o que, segundo ele, “estruturalmente apresentam características que fazem com que sejam sistematicamente diminuídos”. “A causa principal dessa sequência de erros gritantes é que o SNIS não considera comunidades isoladas pequenas ou comunidades informais, o que inclui todas as favelas e algumas comunidades rurais em seus levantamentos”. 

É nesses locais que a ONG procura estar presente. “Apesar dos números do SNIS serem alarmantes, a situação, infelizmente, é muito pior do que eles retratam”, denuncia.

Consequências

A falta de saneamento básico adequado resulta em graves consequências para a saúde pública. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada US$ 1 investido em saneamento, há um retorno de US$ 4,3 em redução de custos de saúde, aumento da produtividade e melhorias na educação.

A ausência de saneamento básico também afeta a economia local e nacional. Luiz Fazio explica que locais sem saneamento básico adequado enfrentam impactos negativos à saúde da população e danos ambientais, contribuindo para o aquecimento global. Por exemplo, o metano liberado por esgotos e resíduos sólidos mal gerenciados aquece a atmosfera 20 vezes mais do que o CO2 – o gás carbônico.

Exemplos de sucesso mostram que investimentos em saneamento podem transformar comunidades. Na comunidade indígena Tekoa Pindo Mirim, localizada no Pico do Jaraguá, em São Paulo, a ONG Biosaneamento construiu cozinhas e banheiros coletivos, em parceria com empresas privadas. Ao todo, a comunidade abriga mais de 900 pessoas em seis aldeias.

Na comunidade Jardim Planteaucal, no município de Ribeirão Pires, na Grande São Paulo, a organização lançou um projeto de sistema de saneamento com objetivo de contribuir com o processo de revitalização do córrego. Segundo Fazio, 30 casas serão impactadas a partir da iniciativa realizada em parceria com a Prefeitura de Ribeirão Pires e empresas como a Tigre e a Unipar. 

O engenheiro explica que foram instalados 15 sistemas Unifams/Tigre de tratamento descentralizado na comunidade. A solução, afirma, tem capacidade para tratar 95% dos esgotos das residências contempladas no bairro. “É um projeto disruptivo, com implementação em tempo recorde”, pontua. 

Desafios

A implementação de melhorias enfrenta desafios, especialmente em áreas remotas e rurais. Os contratos do Marco do Saneamento possibilitam o descongelamento de investimentos, mas muitas áreas ainda são economicamente inviáveis. Fazio sugere que os créditos de carbono poderiam ser destinados à construção de infraestruturas vitais para a bioeconomia, ajudando na preservação ambiental e no combate ao aquecimento global.

As políticas públicas também desempenham um papel crucial, mas precisam de fortalecimento. Luana Pretto ressalta que, embora o trabalho de ONGs e parcerias privadas seja essencial, é necessário que as políticas públicas sejam mais proativas e abrangentes.