Apesar da concessão da Malha Sul vencer em fevereiro de 2027, o tempo para pensar e debater o futuro da linha é bem mais curto que isso. Com pouco mais de 2 mil km de extensão no Paraná, a ferrovia representa mais de três quartos do modal existente hoje no estado e compõe parte chave no desenvolvimento logístico que o Paraná anseia e necessita para seguir crescendo acima da média nacional.
O consultor de logística internacional, Luiz Henrique Dividino, explica que além de uma eventual nova licitação da Malha, outra opção é a continuidade da atual concessionária sem a existência de um novo certame – algo que está previsto dentro do regime legal. “Uma possibilidade é renovação antecipada, que já está em curso em Brasília, né? Quando se faz uma renovação antecipada, ela acontece mediante o investimento: a empresa que deseja continuar mostra o porquê quer continuar e apresenta os investimentos que pretende fazer ao longo dos próximos anos e então [o governo federal] faz o julgamento da vantajosidade de manter essa concessão”, explica.
Leia mais sobre o Sistema Fiep:
Diferentemente da concessão rodoviária, na ferroviária a antecipação para qualquer que seja a definição – renovação ou nova licitação – se faz ainda mais imprescindível. “Nas estradas do Paraná o contrato [antigo] acabou [em 2021], você mandou o concessionário embora e no dia seguinte virou uma loucura. No caso da ferrovia, como é a operação em si, pararia a ferrovia. Então não pode parar o sistema”, alerta.
Em meio a essa questão, a produção da agroindústria não para de crescer e os empresários vislumbram avanços nos corredores de exportação, sejam eles rodoviários e/ou ferroviários, juntamente com o aumento da capacidade do Porto de Paranaguá para dar conta da demanda.
Já líder do País na produção e exportação nacional da carne de frango, o estado também quer o primeiro posto na suinocultura, por exemplo. “O Paraná está se preparando para ser também um grande exportador de suíno. Nós produzimos 21% dos suínos do Brasil, mas nós não temos todos os mercados de suínos abertos. Ainda vamos crescer muito na área de suínos. É bom nesse momento discutir a parte da logística com concessões, porque um erro agora ou uma não participação do setor produtivo e da sociedade nesse debate condena a atividade econômica do Paraná nos próximos 25 a 30 anos”, diz o presidente da Coopavel, Dilvo Grolli.
Responsável por 29,5% da produção do país (em 2023), o Paraná tem o segundo maior número de abate de porcos, atrás apenas de Santa Catarina. No entanto, exporta pouco em relação aos outros estados do Sul. Segundo levantamento da Associação Brasileira de Proteína Animal (ABPA), no ano passado os catarinenses representaram 54,6% da exportação do setor, contra 23,1% dos gaúchos e 14% dos produtores paranaenses.
Isso se deve a barreiras sanitárias ao estado ainda em decorrência da febre aftosa, embora o Paraná já seja considerado área livre da doença sem vacinação há três anos. Mas como a doença já faz parte de um passado longínquo e há mobilização governamental e do setor para pôr fim a essas barreiras, a expectativa é abrir novos mercados em breve, como os do México, Japão e Coreia do Sul, todos frequentemente figurando entre os dez maiores importadores da carne suína nacional e que hoje não compram do Paraná.
Esse é um dos casos que criará grande demanda de exportação e consequentemente de melhor eficiência logística do Paraná. “Aí é que está o grande risco. Não é um como ‘ah, deu seca agora, mas ano que vem melhora. Não existe isto. A questão é urgente e tem que ter uma participação importante da sociedade nas novas concessões [ferroviárias]. Não se pode fazer como o que aconteceu com pedágio [rodoviário] em 1997. Foi se descobrir o problema que deu na economia depois das cancelas prontas e de aditivos contratuais e intervenções que se deram nos anos seguintes”, lembra Grolli.
Dividino diz que o momento para debater o modal ferroviário nunca foi mais importante que agora. “Todo mundo quer investimento, mas existe um contrato vigente e não existem ferramentas para conseguir mudar o cenário, mas quando está perto da renovação é o momento certo, essa é a hora de pedir tudo o que falta para o estado”. O consultor ainda ressalta que apesar de ter ‘apenas’ 30% da extensão da Malha Sul, o Paraná é responsável por 76% da carga que entra nos trilhos.
O coordenador do Núcleo de Infraestrutura, Supply Chain e Logística da Fundação Dom Cabral, Paulo Tarso Vilela de Resende, concorda que é preciso agir rápido no debate ferroviário, sob o risco de o Paraná ter até um retrocesso na oferta de linhas férreas. “É uma questão de curto prazo, um ano no máximo, eu diria. É muito importante discutir isso entre os diferentes níveis de governo, concessionária e internamente”. Em janeiro, o ramal ferroviário que liga Londrina a Ourinhos, no interior de São Paulo (que faz parte da Malha Sul), foi desativado por tempo indeterminado. A Rumo, atual concessionária da Malha, justificou a decisão alegando que o trecho utilizado para transporte de combustíveis, grãos e fertilizantes tinha demanda cada vez mais baixa.
Resende ainda sugere a necessidade de um estudo para uma retomada da rede ferroviária e que ela seja integrada ao sistema rodoportuário do Paraná. “É preciso fazer um mapeamento dos principais corredores de transporte e produtos envolvidos com acuracidade e a modelagem desta demanda do ponto de vista multimodal, o que é de ferrovia, o que é da rodovia com um cenário no longo prazo”, explica.
Algo nesse sentido está de fato em produção pela Federação das Indústrias do Paraná (Fiep), o chamado PELT (Plano Estadual de Logística em Transporte do Paraná), mas agora numa versão atualizada, com ‘I’ no fim, de intermodal, como explica Dividino, que atua na consultoria do plano para a Fiep. “É um projeto um pouco mais aprofundado, olhando para a produção, opções de transporte, quanto vem de cada região e projetando essa carga no sistema viário. Apresentar as capacidades, de onde sai e para onde vai, desde o campo até onde armazena, descarrega”, diz ele, prevendo a apresentação do plano durante o segundo semestre de 2024.
Grolli reconhece que o tema não é um dos preferidos para discussão, seja para concessionários, governos, empresas ou sociedade civil como um todo, e que há divergências, mas alerta: “Não é problema só de quem é exportador. Tem que ser discutido por toda a sociedade, porque mexe no bolso dos mais de 10 milhões de paranaenses, na distribuição de lucro para a sociedade”, argumenta.
Clique aqui para acessar todos os conteúdos do Sistema Fiep!