Pensar na formação superior como o ponto final do aprendizado não faz mais sentido no mundo atual. Se antes um diploma universitário garantia o status de conhecimento suficiente para a construção de uma carreira de sucesso, hoje representa apenas uma das etapas na caminhada. E aqui vai um alerta de spoiler: a jornada do saber não tem fim e a velha máxima de que “nunca é tarde para aprender algo novo” jamais foi tão atual.
Autor da teoria da Curva de Duplicação do Conhecimento, o designer e escritor estadunidense Richard Buckminster Fuller (1895-1983) - considerado uma das mentes mais proeminentes da arquitetura em sua época - estimou que, por volta de 1900, o conhecimento dobrava a cada 100 anos. No final da 2ª Guerra Mundial, o ritmo acelerou para cada 25 anos.
Mais recentemente, pesquisas da IBM apontaram que o conhecimento disponível no mundo era duplicado a cada 12 meses, chegando a 12 horas neste ano graças à aplicação da Inteligência Artificial em diversas áreas do conhecimento.
Coordenadora dos cursos de Design de Animação e Jogos Digitais do Centro Universitário Curitiba - UNICURITIBA, a professora Lucina Viana diz que a evolução das profissões coloca à prova, todos os dias, as relações com os novos conhecimentos.
“Manter-se atualizado ao longo da vida profissional não é mais uma opção e sim uma obrigação dos profissionais em nosso tempo. Aqueles que se mantiverem atualizados serão os mesmos que pautarão as próximas atualizações e mudanças”, avisa.
A ideia está em perfeita sinergia com o conceito de lifelong learning, que corresponde ao modelo de aprendizagem continuada proposto para a educação na atualidade. De forma resumida, significa investir na formação pessoal e profissional de maneira voluntária, proativa e permanente, por motivos particulares ou para o aprimoramento da carreira, sempre abrindo horizontes e possibilitando novos conhecimentos.
Pós-doutora em Comunicação, Viana continua: “O lifelong learning ocorre quando as pessoas deixam de pautar sua formação meramente por suas relações com os diplomas e sim pelas relações com a vida”. Segundo ela, o conceito é um dos responsáveis pela transformação nos modelos de ensino – especialmente no ensino superior e na pós-graduação – e está relacionado diretamente com a nova forma de consumir experiências ao longo da vida.
“Transformado pela educação”
Ainda que não usasse esse termo quando começou a estudar, o presidente do Conselho de Inovação e patrono das Engenharias da Ânima Educação, Ozires Silva, sempre exerceu o lifelong learning com maestria.
Em um período em que o país sequer tinha escolas para formação de engenheiros aeronáuticos, o menino do interior paulista já sonhava em fabricar aviões. E conseguiu. “Ainda garoto eu me perguntava: por que o Brasil, berço da aviação com Santos Dumont, não produzia seus próprios aviões?”, conta.
Inquieto e determinado, “estudou feito maluco” e, mais tarde, formado em Engenharia Aeronáutica, sabia exatamente como fabricar aeronaves. “Foi então que percebi que isso não bastava. Era necessário saber como vender os aviões. Decidi estudar mercadologia”, diz. Foi assim, estudando sempre, que Ozires Silva conduziu sua carreira e sua vida.
Fundador da Embraer, ele se diz “transformado pela educação”. “Aos 89 anos, minha cabeça continua aberta e aproveito todas as oportunidades para aprender. A educação é sagrada”, garante um dos maiores empreendedores do Brasil, que foi também Ministro da Infraestrutura, das Comunicações e presidiu a Petrobras e a Varig.
Impelido pelo entusiasmo de resolver problemas ainda insolúveis, o presidente do Conselho de Inovação da Ânima Educação está convicto de que se não fosse a educação que recebeu, não teria levado a vida que levou. “Quando vejo o que aconteceu ao longo desses anos todos, digo que valeu a pena.”
Tecnologia a serviço do saber
O avanço da tecnologia é um aliado nos processos de lifelong learning. Isso porque a internet e dispositivos mobile, por exemplo, ajudam a tornar a educação continuada mais acessível. Mas as inovações vão além das plataformas virtuais e contribuem para que a educação extrapole os limites da sala de aula.
Na avaliação da coordenadora do UNICURITIBA, Lucina Viana, a maneira de aprender e ensinar está passando por uma transformação. “Sistemas arcaicos estão sendo finalmente abandonados em função de um maior protagonismo e autonomia dos estudantes em seu processo formativo”, afirma.
O primeiro impacto, avalia a professora, é a reconfiguração dos espaços de aula, que neste momento – em função da pandemia – ocupam lugar nas redes virtuais. “Há, porém, uma transformação das relações nas comunidades de aprendizagem formadas ao longo das experiências de formação.”
Nesse cenário, continua Viana, as experiências individuais obtidas nos diversos processos formativos, formais ou não, encontram espaços privilegiados e ainda nos possibilitam estabelecer relações de longa duração e produzir novos conhecimentos.
Com base no conceito lifelong learning, a tendência é que o ensino superior deixe de proporcionar uma formação linear e comum a todos os estudantes, ainda que frequentem o mesmo curso de graduação. Isso porque o foco será no desenvolvimento de competências de forma interdisciplinar.
Como protagonista da jornada acadêmica e, por consequência, da carreira, o estudante terá mais liberdade para conduzir seu projeto de vida. Peça-chave neste novo modelo de educação do futuro, o professor também se reinventa, atuando como um mentor, dominando tecnologias, oferecendo novas oportunidades de aprendizado e, é claro, aprendendo e reaprendendo e, assim, fazendo com que o ciclo do lifelong learning se complete para todos.
Aprender sempre, mais e mais
Na casa da estudante do curso de Criminologia do UNICURITIBA, Neusa Vitola Pasetto, educação continuada não é novidade. Tampouco um assunto recente. Aposentada, ela não hesitou em retornar à graduação só para satisfazer uma antiga curiosidade: as causas da criminalidade.
Provas, avaliações, trabalhos, colegas mais jovens ou com formações distintas não a assustam. Pelo contrário. “É essa troca de experiências que me move e torna o aprendizado muito mais interessante”, garante.
Para a coordenadora do UNICURITIBA, Lucina Viana, é cada vez mais comum encontrar grupos heterogêneos de alunos que ingressam no ensino superior. “Alguns são recém-chegados do ensino médio, outros conseguiram seu ingresso tardiamente, outros ainda estão buscando aprofundamento, há quem queira uma segunda graduação. As possibilidades são plurais e na medida que abrimos espaço para todos esses anseios, o grupo soma diferentes visões”, comenta.
Desde a primeira formatura em Psicologia, em 1983, até hoje, Pasetto já fez especialização em Gestão de Pessoas, mestrado em Administração, cursou todas as disciplinas de um doutorado em Psicologia, fez incontáveis cursos, escreveu livros e agora, aos 60 anos, voltou à graduação.
“Quando fiz a primeira faculdade, o curso era focado em psicologia clínica. Não era isso o que eu queria e, logo que percebi, busquei formas de trilhar outros caminhos, como um estágio na área organizacional. Tive a sorte de ter uma professora que me ajudou na condução dessa mudança de rota”, lembra.
Ainda que os termos lifelong learning e educação continuada nem fossem usados à época, foi justamente isso o que a psicóloga fez a vida inteira. Ela e todos em sua casa. “O que a gente ensina, a gente precisa praticar”, diz a estudante. Isso porque, além de influenciar as filhas, ela garantiu que, anos atrás, a babá das meninas também continuasse os estudos. “Hoje, ela é doutora na área de Biologia”, conta.
Assim como Neusa, o marido - médico veterinário - achou que não era hora de ficar parado em casa depois da aposentadoria. Voltou aos “bancos escolares”, estudou instrumentação cirúrgica e deu início a uma nova carreira no hospital: hoje auxilia o genro, um cirurgião ortopédico em Curitiba.
As três filhas do casal também são adeptas do lifelong learning: duas são médicas, uma delas fazendo a segunda especialização. A terceira, morando na França, defendeu em julho do ano passado a tese de doutorado.
“Todos temos que continuar aprendendo. Não existe lugar para quem faz uma formação e se considera pronto. Ter voltado para uma graduação tem sido enriquecedor”, garante a estudante do UNICURITIBA, que já tem novos projetos em mente.