O gaúcho Paulo Scott acaba de publicar Marrom e amarelo, um romance que discute — principalmente — o deslocamento das pessoas negras na sociedade brasileira, valendo-se de diferentes vozes para enriquecer o processo dialético, em uma manobra que faz lembrar a polifonia da era virtual. “A arte inquieta, arranca do conforto o olhar de quem a contempla, a absorve, a enfrenta, dissolve a repetição pela repetição, as cristalizações”, reflete o autor na entrevista concedida por e-mail.
Essas preocupações sociais, no entanto, não são novidade em sua produção. Seu livro de estreia, Histórias curtas para domesticar as paixões dos anos e atenuar os sofrimentos dos monstros (2001), já trazia “o poema que é quase um embrião” do novo livro. Além disso, o problema da “hierarquia cromática” do Brasil também o levou a escrever muitos poemas de Senhor escuridão (2005) e voltar a essa temática em versos do recente Garopaba monstro tubarão (2019). “Somos uma país de mentalidade escravagista e continuaremos presos a essa lógica ainda por muito tempo”, diz.
Em sua nova incursão pela narrativa de fôlego, Scott põe em cena Federico (e não Frederico, como o próprio enfatiza), um notório ativista dos direitos dos negros. Ele está em Brasília participando de uma comissão governamental que busca mecanizar, através de um software, o processo de avaliação de candidatos autodeclarados pretos ou pardos nos vestibulares. A sua estada na capital federal, porém, não dura muito. Ao receber a notícia de que sua sobrinha foi presa, retorna a Porto Alegre, onde se criou, e precisa lidar com alguns demônios do passado — a começar pela origem da arma que a menina portava quando foi detida.
De volta à capital gaúcha, o protagonista reencontra o irmão caçula, Lourenço, que tem a pele mais escura que a sua e era muito mais “descolado” na infância, vivida pelos irmãos no bairro periférico do Partenon. É a partir dessas cisões que a história se desenvolve, encabeçada por um personagem que parece em permanente tensão. “Quando se é alvo do racismo 24h por dia, todos os dias da sua vida, você fica, o tempo todo, prestes a explodir”, afirma o autor dos contos de Ainda orangotangos (2003).
Apesar da temática pesada, Marrom e amarelo é um romance ágil e dinâmico, muito devido às opções formais que Scott escolheu — entre outras coisas, trabalha mais com vírgulas do que com pontos, deixando a narrativa frenética, passeia por dois períodos distintos da vida dos irmãos, evitando o enfado e conferindo complexidade à história, e emula a comunicação virtual entre alguns personagens, com abreviações e avisos de que fulano ou beltrano “enviou emoji”, mostrando que há preocupação em fazer com que o livro seja um produto de seu tempo.
Se é correto afirmar que “os racistas já não podem se esconder”, já que “o nosso tempo, por conta da revolução tecnológica operada pela internet, expôs realidades que antes eram varridas e guardadas debaixo do tapete”, Scott se posiciona com clareza ao lado dos que considera oprimidos. Por mais que o autor não descarte nem a possibilidade de confrontos físicos a fim de contornar os problemas raciais no Brasil, haja visto que vivemos sob o comando de um “presidente da república inepto e irresponsável”, o que ele escolhe de fato é o caminho da representação simbólica: “A literatura é um artifício poderoso de chegar ao outro, de chegar a lugares e verdades que jamais alcançaríamos de outra forma”.
Marrom e amarelo traz muitas vozes, trabalha com uma pontuação peculiar e a narrativa é fragmentada. Como foi o desenvolvimento dessa estrutura?
A escolha pela combinação de camadas de situações estava lá no início, quando decidi começar a história. O que posso dizer é que à medida que fui definindo elementos da narrativa, e a própria narrativa, fui testando variações até chegar à solução que ficou na versão impressa — não saberia apontar em que exato momento encontrei a estrutura definitiva, essa com duas linhas narrativas distintas, uma mais distópica, que se passa em uma série de dias de um setembro de 2016, e outra em releitura crítica-histórica, contada de trás para frente, abrangendo fatos enfileirados em um dez de agosto de 1984, um dia bastante violento, ao menos para o protagonista. Sobre a pontuação? Penso que é uma consequência natural do que venho aplicando, praticando, desde o livro de contos Ainda orangotangos, uma opção que, no passado, talvez tenha ficado mais evidente no romance Habitante irreal. É quase a mesma que usei no romance O ano em que vivi de literatura. Tem a ver com o ritmo da leitura, com a sugestão de um ritmo de leitura, que, por conta disso, pode ser entendida como elemento a mais de percepção da narrativa.
O que o levou a trabalhar com a questão do colorismo?
Vivemos no Brasil uma hierarquia cromática que se consolidou no tempo do mercantilismo escravagista. Somos um país de mentalidade escravagista e continuaremos presos a essa lógica ainda por muito tempo. O estupro de mulheres negras por homens brancos produziu negros escravizados de pele mais clara, não retinta, indivíduos que eram mais bem tratados do que os de epiderme mais escura, eram escolhidos para trabalharem dentro das casas dos seus donos, mais próximos dos seus opressores, para ajudar no controle dos outros escravizados, provocando uma divisão intencional, estrutural, entre os próprios escravizados. Nesse contexto, os de pele retinta foram jogados para o fim da escala de cores, escala que é perversa e que se normalizou em nosso olhar, o que é terrível, criminoso. Essa é uma realidade que sempre me incomodou, foi trabalhada no meu primeiro livro de poesia, Histórias curtas para domesticar as paixões dos anos e atenuar os sofrimentos dos monstros — lá está, a propósito, o poema que é quase um embrião deste romance —, foi também o que me motivou a escrever muitos dos poemas do livro Senhor escuridão.
A obra discute a dívida histórica que o país tem com os negros. Essa dívida se estende para a literatura?
Alguns privilégios, e a insistência pela manutenção desses privilégios, provocam um ambiente sectário que só é normal para os que estão por cima, para os que estão em vantagem. Por isso a classe média branca brasileira e a elite, supostamente brancas, já que no Brasil somos todos mestiços, se sentem, muitas vezes, profundamente incomodadas quando se fala em mudar o que está estabelecido, quando se fala em maior diversidade cromática, em ter espaços públicos e privados ocupados por um número maior de pessoas negras (lembrando que na condição de pessoas negras estão as pessoas pardas e as pretas, as retintas). Não me parece adequado falar em dívida, dívida no universo literário, sem que haja uma contextualização. A produção literária realizada sob compromissos políticos e sociais, com intenção panfletária, de transformação, não me parece capaz de provocar o impacto histórico necessário; claro, nenhuma regra é absoluta. Parece, sim, mais adequado questionar os poucos espaços que o mercado editorial, inclua-se aí a imprensa que cobre esse mercado editorial, proporciona às histórias que tenham pessoas negras como protagonistas, o quanto as estruturas de divulgação e de validação conseguem perceber e integrar narrativas vindas de autores negros, de autores de fato capazes de transmitir as verdades da comunidade negra; isso, por esforço de alguns, está mudando. Como leitor da produção brasileira contemporânea, não tenho dúvida da qualidade das obras que autores negros produzem no Brasil e do quanto essas obras precisam ser lidas. Um Exu em Nova York, da Cidinha da Silva, Estela sem Deus, do Jeferson Tenório, O crime do cais do Valongo, da Eliana Alves Cruz, O sol na cabeça, do Geovani Martins, Redemoinho em dia quente, da Jarid Arraes, Filha das flores, da Vanessa da Mata, Gramática da ira, do Nelson Maca, são alguns bons exemplos disso. E há os consagrados, como Ana Maria Gonçalves, Paulo Lins, Conceição Evaristo, Nei Lopes e muitos outros.
Alguns poemas de Garopaba monstro tubarão (2019) guardam semelhanças temáticas com seu novo romance — como, por exemplo, os versos de Tela capturada (mecanização dos parâmetros humanos), Repetição (figura dos irmãos e da pele escura) e Sambaqui Nº 1 (violência contra minorias). A que se deve essa recorrência? A escrita pode ser uma forma de exorcizar demônios?
A escrita faz parte de uma dimensão maior que é a leitura. Precisei escrever Garopaba monstro tubarão por conta do volume de informações que precisaram ser processadas, serem lidas melhor, enquanto eu pesquisava sobre o colorismo, lecionava em uma faculdade de Direito no interior de Santa Catarina — e que me obrigou a imergir também na leitura de livros técnicos — e testemunhava — naquele belíssimo estado, onde a extrema-direita é tão forte, tão presente, no seu ódio contra indígenas e quilombolas, por exemplo —, inclusive no ambiente acadêmico, atitudes e comportamentos de intolerância, de exaltação a posicionamentos totalitaristas e retrógrados. Informações muito distintas das que eu tinha na minha rotina no Rio de Janeiro — não que o Rio seja um paraíso, todos sabemos que não é —, informações de um interior brasileiro que eu desconhecia de perto, foi a primeira vez que morei fora de um grande centro urbano. Foi uma necessidade, uma urgência, e, sim, como você sugere, foi um processo de exorcismo, de catarse em alguns momentos. Repetição é o poema central do livro, nele está a presença de dois irmãos, uma conjunção quase siamesa, e, de certa forma, o pedaço da história que não foi contada em Marrom e amarelo — tendo como cenário não a Alemanha, como inicialmente programado e não concretizado no romance, mas a Inglaterra, Londres, o oeste de Londres, uma região da cidade que conheço bem. Há poemas extremamente políticos nesse livro, temáticas relacionadas à liberdade, à natureza, à sexualidade, à loucura, a afetos destroçados, restaurados, poemas que, por conta do meu hermetismo, talvez não sejam imediatamente identificados como partes de um diálogo com as questões políticas recentes do país. Tem o poema Nunca mais, escrito em 2016, muito antes do atual desgoverno dar qualquer sinal de que poderia chegar de fato ao poder, que fala no regresso da praga. Tem até um poema, A festa, que, nas entrelinhas, é uma espécie de nova conversa tardia minha — e muito ao tom de nossos encontros em Porto Alegre — com o notável escritor falecido, em março de 2017, João Gilberto Noll.
A polifonia utilizada para debater questões políticas foi uma maneira de emular o caos contemporâneo das redes sociais?
Você está se referindo ao terceiro capítulo do livro. Sim, ali eu busquei compactar aspectos do debate em torno das cotas para estudantes negros e indígenas observado nos últimos dez anos e muitos dos argumentos existentes em torno do colorismo brasileiro, que, como já afirmei, contamina todos os níveis de convivência social, do judiciário às competições esportivas, da escolha de um elenco de novela até a contratação de estagiários para um grande escritório de engenharia. Este capítulo tem dicções mais leves, foi a maneira que encontrei para passar com maior fluidez pela abordagem ampla de nossa trágica realidade. Foi uma forma de apontar certos equívocos, cegueiras, a precariedade de algumas certezas e também nossa incapacidade geral de encontrar uma solução — uma solução que passa necessariamente pelo diálogo franco, desarmado, voltado à implementação de uma normalidade melhor, mais justa, longe desta que nos envolve atualmente.
O protagonista, Federico, parece em constante luta para não explodir. Para além da construção ficcional, acha que essa condição é sintoma de nosso tempo?
Quando se é alvo do racismo 24h por dia, todos os dias da sua vida, você fica, o tempo todo, prestes a explodir. Se você consegue chegar a um grau de empatia com pessoas vitimadas diretamente por esse contexto, como obviamente acontece entre irmãos quando um, por ter a pele clara, não sofre o preconceito que o de pele escura sofre, você também ficará, com facilidade, prestes a explodir. O nosso tempo, por conta da revolução tecnológica operada pela internet, expôs realidades que antes eram varridas e guardadas debaixo do tapete. Isso de negar o desastre acabou. Os racistas já não podem se esconder, por isso, em boa medida, reagem com violência, expondo seu orgulho truculento, tosco, seu poder, como se uma entidade divina tivesse determinado que terão, todos eles, os brancos racistas, acesso a uma vida de vantagens e oportunidades que será, sem justificativa séria e racional, negada aos demais. Vivemos a adolescência, talvez a infância, de algo que um dia deverá alcançar a maturidade. Não imagino que nessa trajetória, nesse aprendizado, consigamos evitar os confrontos, os confrontos físicos inclusive. Nesse sentido, termos um presidente da república inepto e irresponsável é mais do que lamentável, porque traz a certeza de que teremos enfrentamentos, agressões, e de que serão crescentes, pelo menos até que alguém mais sensato, não preocupado apenas com a fortuna da sua família e em envergonhar as instituições brasileiras, inclusive as Forças Armadas, volte a ocupar o poder.
Ao longo de Marrom e amarelo, o Brasil é descrito como “país sonâmbulo” e “país-cilada”. Os baixos níveis de leitura têm a ver com isso?
Sem a menor dúvida. Temos uma sociedade que não consegue priorizar a educação; temos uma elite e uma classe política e de burocratas a serviço dessa elite que ainda identifica grande vantagem na manutenção de uma educação pública ruim como a nossa, um sistema que não quer produzir pessoas capazes de pensar, pessoas que entendam a importância de perguntar e de se envolver. Somos sonâmbulos no Brasil, sonâmbulos num mundo dominado por aplicativos de idiotizar, que fazem de todos nós, brasileiros, ainda mais sonâmbulos. Imagino que não erro tanto ao afirmar que a literatura é um tempo particular, à parte, capaz de imunizar contra o crescente processo geral de imbecilizar pessoas, é uma escolha, uma escolha que precisa de um ambiente onde a boa educação seja a regra e não a exceção.
A literatura resiste como uma ferramenta que não permite a “humanidade esquecer da humanidade”?
A literatura é um artifício poderoso de chegar ao outro, de chegar a lugares e verdades que jamais alcançaríamos de outra forma. Não é à toa que a elite não permite que seus filhos, seus sucessores no comando da vida, se afastem da literatura, negligenciem o poder da literatura, dos raciocínios e linguagens que somente se oportunizam a partir da literatura.
Quando Federico conversa com seus colegas abastados da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), fica evidente que eles se atêm somente à “alta cultura” e ignoram a realidade que os cerca. A arte, mais especificamente a literatura, pode ser uma forma de alienação?
Arte nunca é alienação. Mesmo a arte alienada, propositalmente descompromissada, tem sua verdade. A arte inquieta, arranca do conforto o olhar de quem a contempla, a absorve, a enfrenta, dissolve a repetição pela repetição, as cristalizações. Há uma pluralidade de caminhos e constatações que se permitem, elevam-se, e se concretizam apenas na arte. Há uma perenidade que só parece existir na arte. Por isso de se falar também no seu aspecto inesgotável. Quando se pega a obra de um Machado de Assis, de um Lima Barreto, de uma Clarice Lispector, de uma Elvira Vigna, são os nomes que me ocorrem, mas há inúmeros outros, isso fica ainda mais claro.
O livro traz referências cinematográficas e a própria narrativa, rica em detalhes, constrói imagens claras. Qual a influência do cinema na sua escrita?
Sou de uma família de ótimos contadores de histórias, meu avô, minhas avós, meus tios, meu pai, foram e são ótimos narradores, gente que domina a oralidade narrativa. Sempre ambicionei estar à altura deles. Nesse caminho, as histórias em quadrinhos e o cinema foram a minha escola, foram a escola da minha geração. Não vejo como escapar dessa influência. Muitas vezes, amigos roteiristas pedem para eu revisar seus roteiros dizendo estarem recorrendo a mim porque minha literatura é muito imagética, muito espacial. Nunca tenho muito certeza sobre o que isso, vindo de roteiristas, significa. Sei que tenho um ritmo, uma aceleração que dialoga muito de perto com o que poderia ser entendido como o impacto final de um roteiro. Nas resenhas da novela Voláteis, isso apareceu o tempo inteiro. Não é uma relação que me incomode. Penso que a densidade de uma personagem importante não dependa, em qualquer grau, da decisão de desviar a dimensão imagética da narrativa para um segundo plano. Em um livro como Marrom e amarelo, no qual a identidade de um determinado bairro de Porto Alegre é fundamental, é essencial, me parece incontornável o enfrentamento minucioso de elementos de composição do espaço que, mesmo com brevidade, situem o leitor, porque são eles que organizam a identidade, as contradições mais relevantes, das personagens principais e de algumas secundárias também.
Você já transitou pelo conto, romance e poesia. Como funciona esse passeio por diferentes gêneros literários? O conteúdo é que exige determinada forma?
Não consigo levar tão a sério essa divisão entre gêneros; como eu disse, minha preocupação é a de contar uma história. Às vezes você projeta uma solução, um modo, um tamanho, mas na realização você termina em resultado bem distinto do imaginado. No caso do Marrom e amarelo, meu aceno inicial ao editor Marcelo Ferroni foi no sentido de produzir um romance de mais de 500 páginas, cheguei a dizer em entrevista que estava escrevendo um romance longo. Ocorre que a história se impôs e houve cortes — um pedaço enorme que se passava na Alemanha foi suprimido, porque, em algum momento, me pareceu demasiado condensar tantos acontecimentos em um mesmo livro. Resultado: não tem Alemanha no livro. Uma história não precisa ser tão repleta e extensa para ter importância, penso — é o tipo de coisa que o autor só enxerga quando se distancia do processo de criação. Nem sempre é fácil avaliar o que determinada história está pedindo.
O romance Ithaca road (2013) foi escrito sob encomenda para a coleção Amores Expressos. Como foi a experiência de produzir sob demanda?
Contei a história que queria contar. Havia parâmetros, que nem todos os autores do projeto seguiram, o que não considero demérito. No comando geral estava o de que teríamos de escrever uma história de amor, uma na qual não houvesse personagens brasileiras, mas isso não foi empecilho para que eu contasse a história que queria contar. Sobre isso, também é importante dizer que O ano em que vivi de literatura foi encomenda feita pela editora Isa Pessoa, a partir de uma postagem minha em uma rede social, o que não interferiu em nada, não cerceou minha liberdade.
Vê alguma mudança considerável no fazer literário após a afirmação da internet como meio de veiculação de conteúdo? Considerando que sua estreia foi no início do século 21, quando isso estava apenas começando.
A tecnologia causou novas maravilhas, revoluções, rupturas, estragos. A linguagem narrativa sofreu impactos que não teriam ocorrido, não na escala em que se verificou, se não houvesse uma revolução tecnológica como aconteceu na década de 1990. Não acho que as mudanças tenham vindo da ampliação das maneiras de se publicar, mas da maneira como passamos a lidar com cada uma das ferramentas, como o Twitter e o Instagram, por exemplo. A tecnologia fez mudar o tempo, influindo tanto na produção — sempre atenta à apreciação que a recepcionará ou a rejeitará — quanto na própria apreciação em si. Quebraram-se paradigmas e, em contrapartida, impuseram-se outros; se melhores ou piores, só o passar dos anos dirá.
Na condição de professor universitário, acha que o contato com a rigidez acadêmica enfraquece a potência literária?
A racionalidade acadêmica, inevitavelmente mais sóbria e responsável, mais compromissada, rigorosa, impõe um volume muito maior de referências com as quais o criador não escapa de conviver e considerar; esse é um fator que limita. Ainda assim, nem todos os autores vinculados à vida acadêmica são impactados, em sua criatividade, por ela. A experiência acadêmica implica exigências maiores, uma quase recusa total da ingenuidade, por isso acaba cerceando certa desmesura, certa imprudência, um se atirar de cabeça tão essencial à arte. Mas, repito, há ótimas exceções.
Como dificilmente se vive somente da venda de livros no Brasil, o escritor precisa se desdobrar para se manter. Essa necessidade de ser plural faz com que a escrita, por si só, seja relegada a segundo plano?
Sim, em vários momentos sim. Luto para que isso não se torne regra na minha vida. Não foi por outra razão que tive de cancelar três trabalhos no Brasil para poder participar de residência literária nos meses de setembro e outubro deste 2019 em Xangai; atividades essas que me dariam remunerações, pequenas remunerações, que, por certo, farão falta mais adiante.
© 2019 Rascunho. Publicado com permissão.
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