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O britânico Jonathan Glazer tem 58 anos e dirigiu apenas quatro longas-metragens para cinema, mas já pode ser considerado um diretor com estilo próprio. Seus filmes têm características estéticas e temáticas bem marcantes: os personagens são, quase sempre, pessoas lidando com a própria solidão ou que vivem isoladas do mundo “normal”.
Os filmes de Glazer têm forte impacto visual, frequentemente usando sequências lúdicas que fogem da narrativa convencional de um filme dramático. Talvez isso venha da experiência de Glazer dirigindo videoclipes para bandas de rock como Radiohead, Massive Attack, Blur e Nick Cave and the Bad Seeds. Num videoclipe, a mensagem precisa ser passada em três ou quatro minutos, e as imagens ressaltam o teor dramático da canção.
Dos quatro filmes de Glazer, pelo menos três são extraordinários: sua estreia, Sexy Beast (2001), é um inventivo filme de gângster, considerado por muitos como um dos melhores thrillers policiais já rodados por um inglês. Uma produção baratíssima (custou pouco mais de 4 milhões de dólares, o que hoje não deve pagar nem o cabeleireiro da Zendaya), rendeu a Ben Kingsley uma indicação ao Oscar de Melhor Ator.
Sufocante sensação de opressão
Glazer derrapou em Reencarnação (2004), um malfadado terror psicológico estrelado por Nicole Kidman, mas se recuperou agora com Zona de Interesse, uma das produções mais ousadas e experimentais do cinema comercial nos últimos anos e indicado a cinco Oscar, incluindo Melhor Filme e Diretor. O longa conta a vida do oficial nazista Rudolf Höss (Christian Friedel), sua esposa, Hedwig (Sandra Hüller), e os cinco filhos, que vivem numa área rural da Polônia, numa ampla mansão separada apenas por um muro do campo de concentração de Auschwitz, que é comandado por Höss.
A família Höss tem uma vida idílica: toma banho num lindo rio, passeia de cavalo por bosques frondosos e, nos dias mais quentes, relaxa numa ampla piscina no imenso jardim da casa. Tudo isso enquanto, ao fundo, ouvem-se estampidos de tiros que executam prisioneiros judeus. À noite, a casa é iluminada pelas chamas rubras que saem das chaminés dos crematórios, onde prisioneiros são incinerados às centenas.
Zona de Interesse é um filme sobre o Holocausto em que a violência e brutalidade nunca são explícitas, mas sugeridas. Os tiros e gritos são apenas pano de fundo da vida caseira dos Höss. Quando Rudolf chega em casa depois de um dia extenuante assassinando pessoas, um criado limpa suas botas, e a água escorre pelo tanque, tingida de vermelho. Somadas aos angustiantes efeitos sonoros de fundo, como tiros, gritos e palavras de ordem em alemão, as imagens conferem ao filme, mesmo em cenas caseiras banais, uma sufocante sensação de opressão, amplificada pela trilha sonora eletrônica da talentosíssima Mica Levi.
Deslumbrante e esquisita
Se você gostou de Zona de Interesse, gostaria de indicar outra obra de Glazer: Sob a Pele (2013). Pouquíssima gente viu o filme, que foi um fracasso comercial, faturando pouco mais da metade de seu minúsculo orçamento (13 milhões de dólares, uma ninharia para padrões atuais), mas vários críticos o elegeram o melhor filme daquele ano e ele ficou em 61º na lista da BBC de melhores filmes do século 20. Merecidamente.
Trata-se de uma estranhíssima história sobre uma mulher misteriosa – um ser alienígena? – (a deslumbrante Scarlett Johansson) que atrai homens para encontros amorosos, só para usá-los para fins que desconhecemos. Parece esquisito, e é mesmo. Também é um filme inesquecível e que levanta uma série de questões sobre a solidão e a busca pelo amor.
Sob a Pele marcou a primeira colaboração em filme de Glazer com a compositora e produtora inglesa Mica Levi, também conhecida por Micachu. Formada em música clássica, Levi teve bandas de rock experimental e agora se dedica a trilhas sonoras, basicamente compostas de texturas eletrônicas minimalistas. A de Sob a Pele é marcante e realça o aspecto enigmático da história. Já a trilha de Zona de Interesse certamente teve uma importância pessoal para Levi, já que o pai, também músico, é um respeitado pesquisador musical e especialista em música do Terceiro Reich.
Sob a Pele pode ser visto na plataforma Max, novo nome do HBO Max.