A tentação de voltar a produzir algo baseado em O Bebê de Rosemary habita o coração dos estúdios Paramount desde que o original foi lançado, em 1968, e se tornou um marco do cinema de horror. Uma sequência na década seguinte e uma minissérie televisiva não realizaram plenamente o desejo de explorar mais uma vez o título que tanto dinheiro e prestígio rendeu à companhia, à atriz Mia Farrow, ao diretor Roman Polanski e ao autor do romance que o inspirou, Ira Levin. O mais bem acabado subproduto desse clássico acaba de chegar ao Paramount+ e se chama Apartment 7A.
Dirigido por Natalie Erika James (Relíquia Macabra) e estrelado por Julia Garner (das séries Inventando Anna e Ozark), o trabalho é oficialmente um prelúdio, uma história que se passa três anos antes de Rosemary engravidar e parir Adrian, o anticristo. Ao mesmo tempo, Apartment 7A não deixa de ser uma releitura do filme de 1968, com muitas cenas propositalmente parecidas e até a inolvidável canção de ninar escrita pelo polonês Krzysztof Komeda soando num momento chave do longa. Digamos que a Paramount achou uma maneira de retornar à sagrada obra-prima sem exatamente vendê-la como um remake, mas, sim, como uma refilmagem disfarçada de história de origem.
A protagonista agora é Terry Gionoffrio, uma dançarina do interior que sonha em estourar nos palcos de Nova York. Sua trajetória é dificultada por uma torção de tornozelo em cena, que a obriga a conviver com dores lancinantes no pé, dificuldades de realizar certos movimentos obrigatórios para a profissão e até um caminhar meio manquitola. Obstinada a conseguir uma vaga num vindouro musical da Broadway, Terry persegue um produtor famoso até o prédio em que ele mora, mas passa mal antes de conseguir a aproximação, sendo socorrida na calçada por um simpático casal de condôminos, Minnie e Roman Castevet.
Um conto de fadas. E um capiroto
A sorte da artista começa a mudar a partir desse encontro fortuito. Os Castevet oferecem um belo imóvel para Terry no mesmo andar onde residem. Também agilizam para que a jovem vá beber uns drinques no apartamento do tal produtor. Ela consegue a almejada vaga no musical e uma outra vizinha do edifício surge com um composto de ervas capaz de recuperar seu tornozelo bichado. Terry volta a dar piruetas com desenvoltura e, após um suspeito acidente sofrido pela protagonista da peça (que remete a outro clássico do terror refilmado recentemente, Suspiria), herda o papel principal e vê pela primeira vez seu nome em destaque num letreiro da Broadway, seu maior sonho.
Pena que nada nessa vida é de graça. Toda essa bem-aventurança se dá porque na noite dos drinques com o produtor, Terry, em momento inconsciente, foi fecundada pelo cramulhão. Aquele edifício em que ela se meteu é todo habitado por uma seita satânica, em busca de um ventre para gestar o filho do capeta. Quem assistiu ao original sabe muito bem o que é isso e como tudo se desenvolverá. Com um porém: se três anos mais tarde os satanistas repetirão o experimento com Rosemary, fica óbvio para o espectador que a gravidez de Terry não chegará ao fim. A questão é apenas descobrir de que maneira a prenhez será interrompida, o que é revelado na cena mais poética de Apartment 7A.
Com essa limitação, não teria como a nova produção ser memorável. É mais uma homenagem, ainda que ranzinzas preferirão classificá-la como um caça-níqueis. O que não dá para negar é que Julia Garner, atriz de 30 anos, está muito bem como a angustiada Terry. Sua performance é realçada nas cenas dividas com a premiadíssima veterana Dianne Wiest, que faz uma Minnie Castevet sinistra, alternando falas doces com olhares amedrontadores.
Lançado diretamente no streaming, Apartment 7A tem pinta de que será esquecido com o passar dos anos, assim como as outras explorações de O Bebê de Rosemary. Mas sua existência não ofende e tem até alguns méritos. Pode, quem sabe?, aproximar uma nova geração de um filme rodado há 56 anos e que nunca perdeu sua força. Em qualquer etapa da vida, quando era perguntado sobre seu filme de terror favorito, o nosso José Mojica Marins (o eterno Zé do Caixão) não hesitava em citar a obra de Polanski. O choque causado em suas retinas era permanente, por mais que o cinema evoluísse e ofertasse novas formas de assustar. Esse é só um exemplo do legado do bebê diabo no imaginário popular.
- Apartament 7A
- 2024
- 105 minutos
- Indicado para maiores de 16 anos
- Disponível no Paramount+