A atriz Fernanda Torres, protagonista do filme escolhido para representar o Brasil no Oscar| Foto: Divulgação Sony
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Não há palavra melhor para descrever, com muita precisão, a recepção dada pela mídia brasileira à estreia nos cinemas de Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, do que ufanismo, tanto no sentido original do termo quanto por extensão (talvez até mais neste). Segundo o dicionário Aulete, ufanismo significa: “1. Patriotismo exagerado. 2. P. ext. Atitude de quem se vangloria exageradamente de alguma coisa.”

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Segundo dados da Associação Brasileira de Empresas Exibidoras Cinematográficas (Abraplex), a produção estrelada por Fernanda Torres atraiu mais de 353 mil espectadores em seu primeiro fim-de-semana em cartaz. Vários veículos de imprensa destacaram o fato como sendo uma conquista impressionante, dando manchetes informando que o filme teria vencido nas bilheterias até o blockbuster americano de super-herói Venom: A Última Rodada.

Somente quem lê o corpo das notícias (em apenas alguns dos casos, frise-se) descobre que a comparação não estava sendo feita com a estreia de Venom nos cinemas, mas com o terceiro fim-de-semana do filme em cartaz. Se o comparativo fosse feito pelas estreias de ambos, o filme americano ganharia por larga margem, com mais de 697 mil espectadores, quase o dobro atingido por Ainda Estou Aqui.

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Ainda não está convencido do exagero? Pois faça outra comparação com filmes nacionais lançados em 2024. Ainda Estou Aqui sequer foi a maior bilheteria de estreia de brasileiros no ano, com Nosso Lar 2: Os Mensageiros, tendo levado 553 mil espectadores, e Os Farofeiros 2, em torno de 447 mil em seus respectivos finais de semana de lançamento. Agora, procure por notícias a respeito e, se encontrar, compare o tratamento. Aliás, se encontrar qualquer manchete destacando os feitos, avise-nos.

E, já que estão incensando demasiadamente o filme, façamos a competição com outro nacional digno de tamanha atenção. Minha Mãe É uma Peça 2, que nem é dos primeiros colocados no ranking de bilheterias, mas está nos 10 mais, levou 500 mil espectadores só na data de sua estreia, alcançando mais de 1 milhão nos dias seguintes. O sucesso de bilheteria de Ainda Estou Aqui, portanto, embora significativo, é muito menor do que o que vem sendo considerado. É claro que com tamanha campanha publicitária (involuntária?), a expectativa do espectador aumenta. Estaria o filme à altura de atendê-la? No que segue vão alguns spoilers, mas para o leitor que não queira tê-los e está procurando se informar sobre o filme para saber se vale a pena pagar o ingresso no cinema, informamos a resposta desde já: não. Vale mais esperar para assistir depois, em algum serviço de streaming, já distante da badalação da mídia.

Ideologia fala mais alto

A perspectiva em que o espectador é colocado na primeira metade do filme é a da inocência e sua posterior perda por parte dos filhos e aparentemente da mãe da família Paiva, Eunice, em relação às ações do pai, Rubens, que ajudava clandestinamente perseguidos e opositores do regime militar no início da década de 1970. Acompanhamos o cotidiano de uma família feliz, com casa na beira da praia no Leblon, festas constantes, tendo a realidade político-social do país como pano de fundo razoavelmente distante. Até que vem a expulsão do paraíso com a chegada da polícia levando Rubens para interrogatório, depois Eunice e uma das filhas, encerrando-se a primeira parte com a decisão da mãe de se mudar com os filhos para São Paulo, uma vez que a probabilidade do marido ter morrido era grande.

A segunda parte, porém, é quase um outro filme. Salta-se muitos anos depois, a perspectiva dos filhos praticamente desaparece, restando apenas a de Eunice, cuja história, porém, pouco é contada, apenas apontada. Em pouquíssimos minutos estão resumidas suas decisões de mudança de vida, de pretender retomar a faculdade. Em seguida, já a vemos bem-sucedida como advogada, mais de 20 anos depois, conseguindo enfim a certidão de óbito do marido. E não demora para rolar novo salto no tempo, para a década de 2010, com Eunice padecendo do mal de Alzheimer.

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Selton Mello (Rubens) e Fernanda Torres (Eunice) vivem o casal principal de “Ainda Estou Aqui”| Foto: Divulgação Sony

Como bem observou o crítico Cole Kronman, na revista Slant, com isso o filme optou por transformar Eunice mais em um símbolo, “com pouco interesse neles [os personagens] como pessoas, e mais interessado em determinar como a História deveria lembrá-los”. É exatamente isso, o que torna a primeira parte, bastante promissora e bem trabalhada na forma da presença e perda da inocência (especialmente no uso da luz e cores das cenas anteriores e posteriores à chegada da polícia), desperdiçada. É como se o filme ficasse pela metade.

No fim das contas, a única coisa que ainda está aqui é o viés ideológico falando mais alto do que qualquer outra coisa. É o que explica também o ufanismo gauche da mídia com o filme.

  • Ainda Estou Aqui
  • 2024
  • 137 minutos
  • Indicado para maiores de 14 anos
  • Em cartaz nos cinemas