Agora disponível no catálogo do Prime Video, Até os Ossos, do italiano Luca Guadagnino, é uma história de terror e amor entre dois adolescentes, Maren (Taylor Russell) e Lee (Timothée Chalamet), que estão confusos sobre suas identidades. Eles têm aquela quietude mal-humorada dos introvertidos da internet escondendo desejos ingovernáveis – neste caso, uma necessidade congênita e compulsiva de comer carne humana, que é a metáfora política subliminar do filme.
Começa em 1986, com o passado político estabelecido por trechos de notícias de rádio e TV, especificamente com o então procurador americano Rudolph Giuliani discutindo o suicídio do político Donald Manes. De acordo com o jornalista da New York Magazine Mark Jacobson, esse caso foi "facilmente o mais Grand Guignol [referência ao teatro parisiense famoso pelas peças de terror] dos recentes escândalos de corrupção na cidade de Nova York". Esse mistério político gótico assombra a viagem pelo país dos jovens inocentes e infelizes do diretor Guadagnino – lembra a maneira como os personagens são obcecados por escândalos políticos obscuros em thrillers políticos italianos, casos de A Décima Vítima (1965) e Cadáveres Ilustres (1976).
A ingenuidade da Geração X de Maren e Lee representa o que estaria por vir na Geração Z de hoje, e Guadagnino captura o clima social da virada do milênio. Terror não é meu gênero favorito (achei o remake de Suspiria, de Guadagnino, horrível), mas fiquei impressionado com sua intuição de que os conflitos sexuais modernos entre garotas e garotos expressam crises espirituais contemporâneas. [Isso é o que Bruno Dumont tentou mostrar em 29 Palms (2003); o experiente Guadagnino também evoca o filme de vampiro de David Bowie, Fome de Viver (1983), e o melodrama Amantes Impetuosos (1960).]
As críticas positivas para Até os Ossos foram previsivelmente cansadas, com foco no choque, na representação gráfica do impulso canibal de Maren e Lee. Os críticos cínicos não perceberam como o instinto devastador dos jovens deriva de uma herança enigmática, a vingança louca pelo poder induzida pelo destrutivo regime político – falando especificamente da negligência moral de seus pais. Maren e Lee poderiam ser guerreiros Antifa (o exército das sombras que o presidente Joe Biden e a grande mídia ignoram). Eles são românticos perdidos da segunda geração, esquerdistas arruinados. A alegoria de Guadagnino detalha a autodestruição no coração do idealismo não ensinado dos adolescentes.
Corrosão espiritual
Ambientado, miticamente, no meio-oeste dos Estados Unidos, assim como Terra de Ninguém (1973), o road movie serial killer do diretor Terrence Malick, Até os Ossos poetiza a corrosão espiritual. Maren e Lee se parecem estranhamente com aqueles manifestantes estudantis sem noção do Black Lives Matter que marcharam nas ruas cantando: “É assim que a diversidade se parece!”
A mulata Maren e o bissexual Lee desejam o “arrebatamento casto” que o crítico musical Jim Miller encontrou na clássica canção pop “Be My Baby”. Essa é a abordagem de Guadagnino para esses aleijados emocionais que desejam aceitação. Seus crimes se aproximam muito daqueles dos monstros Antifa e são explorados por um adulto assustador que compartilha de sua inclinação canibal diabólica: Sully, vivido por Mark Rylance, que persegue Maren e segue os impulsos eróticos incontroláveis dos amantes.
Justamente quando Até os Ossos fica nojento, o romance equivocado de Russell e Chalamet se torna cativante, lembrando-me de um momento no fascinante documentário de 2013 de Guadagnino, Bertolucci sobre Bertolucci (2013), que aborda o maestro dos filmes de terror para jovens, autor de Antes da Revolução (1964), O Último Tango em Paris (1972) e Os Sonhadores (2003), entre outros. Discutindo a rebelião de maio de 1968, Bertolucci explicou: “A juventude vive apenas no presente e possivelmente no futuro. Não há adoração do passado. Todos os estudantes de maio de 68 eram de classe média. Eles estavam reproduzindo a luta do filho contra o pai”.
Isso resume a lição de Até os Ossos. Bertolucci também citou com admiração a máxima profunda de Jean Cocteau: “Cinema é a morte no trabalho”, que é consistente com a metáfora política deste filme. A grande mídia ignora a selvageria Antifa, mas o romance Grand Guignol de Guadagnino é uma observação social íntima.
© 2023 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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