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Chicó e João Grilo

“O Auto da Compadecida 2” atesta que cinema nacional não sabe fazer sequência

Selton Mello e Matheus Nachtergaele como Chicó e João Grilo
Selton Mello e Matheus Nachtergaele nos papeis de Chicó e João Grilo (Foto: Divulgação H2O Films)

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O ano passado reforçou que o cinema nacional ainda não adquiriu musculatura para entregar boas sequências de filmes. No meio de 2024, as salas de exibição receberam Estômago 2, trazendo de volta o personagem Alecrim (João Miguel), que tantas aprontou no primeiro filme do curitibano Marcos Jorge. A continuação foi um fiasco, transformando o cozinheiro presidiário quase que num coadjuvante de uma história sobre um criminoso italiano, como num filme de máfia que deu errado.

O Auto da Compadecida 2, que estreou na noite de Natal, tinha expectativa muito superior à do segundo Estômago. Isso porque, há 24 anos, a adaptação cinematográfica de Guel Arraes para a mítica peça de Ariano Suassuna se tornou um xodó do audiovisual tupiniquim. Após tantas versões para os palcos e para as telas, Chicó e João Grilo encontraram seus intérpretes definitivos em Selton Mello e Matheus Nachtergaele, atores com carreiras até então muito mais voltadas para o drama. Um reencontro dos dois chegou a ser especulado com Suassuna pouco antes de sua morte, mas isso só se concretizou pós-pandemia, com um roteiro que singra por outros textos do autor e repete ideias do primeiro filme.

A ida ao cinema vale apenas para rever os dois, que na nova história estão separados desde o primeiro Auto da Compadecida. Logo no começo do filme, João Grilo retorna à paraibana Teperoá, agora criada por computação gráfica (um erro), e embarca em novas aventuras ao lado do amigo. Há pelo menos três cenas, incluindo essa do início, que incentivam o espectador a chorar de emoção, pois há um laço inquebrantável entre os dois, uma camaradagem, uma admiração mútua que nem um quarto de século de afastamento seria capaz de macular. O problema é todo o resto do filme.

Diabo Bornay

O Auto da Compadecida 2 tenta amarrar tantas tramas em duas horas que o ideal seria ter sido lançado como minissérie – como se deu com o primeiro projeto e como deve acontecer com esse também, daqui algum tempo. No cinema, o produto se torna cansativo, fazendo a duração de 114 minutos parecer três horas. Chicó volta a se envolver com uma filha de coronel (Clarabela, papel de Fabiula Nascimento), ao mesmo tempo em que volta a ter um teretetê com Rosinha, a filha de coronel do primeiro filme. Já Grilo se mete na disputa política da cidade entre o tal coronel (Ernani, feito por um Humberto Martins que está a fuça de Lima Duarte) e o empresário e radialista Arlindo (Eduardo Sterblitch). No meio da confusão, chega do Rio de Janeiro para ajudar Grilo o golpista Antônio do Amor, feito por um Luís Miranda histriônico e sem a menor graça.

Humberto Martins, Matheus Nachtergaele e Eduardo Sterblitch na Taperoá de computaçãoHumberto Martins, Matheus Nachtergaele e Eduardo Sterblitch na Taperoá de computação gráfica (Foto: Divulgação H2O Films)

Assim como há 24 anos, o ápice da narrativa é um julgamento no céu de Grilo, em que a Nossa Senhora é vivida por Taís Araujo (no lugar de Fernanda Montenegro) e os papeis de Jesus e do Diabo cabem ambos ao próprio Matheus Nachtergaele. Seria um bom exercício para o talentoso ator não fosse a passagem toda ser tão malconduzida. E seu Satanás faz lembrar o carnavalesco Clóvis Bornay, uma figura que não mete medo em ninguém nem faz rir, é apenas exótica.

Para piorar, os diálogos foram redublados em estúdio e em várias cenas estão fora de sincronia. Fica parecendo um produto da época em que o cinema brasileiro era miserável e não tinha condições de captar som direto. Por toda a onda criada para o lançamento de O Auto da Compadecida 2, parecia que iríamos receber uma superprodução e não um sertão do Cariri feito em computador, um áudio sofrível e um roteiro cheio de pontas soltas, com piadas reaproveitadas e novos personagens que não agregam nada. Como a mesma equipe responsável pelo primeiro Auto da Compadecida conseguiu chegar num resultado tão aquém eu não sei, só sei que foi assim.

  • O Auto da Compadecida 2
  • 2024
  • 114 minutos
  • Indicado para maiores de 12 anos
  • Em cartaz nos cinemas

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