Capa e contracapa da edição brasileira do livro “As Mentiras da Nonna”| Foto: Reprodução Amazon
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A culinária italiana é uma farsa. As cantinas, pizzarias e tabernas vendem produtos que, a rigor, não são italianos. Há muito de marketing em toda essa história e pouco de uma tradição que atravessou anos até chegar em um restaurante de Roma. Cidade, aliás, que teve tanta influência nos pratos quanto qualquer outro destino do mundo em que um italiano pisou. São estes os principais argumentos de As Mentiras da Nonna, de Alberto Grandi. 

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Quem fala tem autoridade pra comprar essa briga. Grandi é um italiano de Mântua, comuna de menos de 50 mil habitantes, no norte da “bota”. Mais do que isso, é professor de História da Alimentação na Universidade de Parma. O livro foi sucesso de vendas e também de polêmicas em seu país. Aqui, ganhou tradução da editora Todavia, com prefácio do próprio autor, no qual afirma que, assim, seu livro “volta pra casa”. Até porque “sem a mítica pizza de São Paulo, a pizza de Nápoles não seria tão famosa”.

É esse tom iconoclasta que perpassa todos os capítulos. De “A cozinha italiana não tem nem cinquenta anos”, o mais interessante deles, até o último, “E Viva a Nutella”, que traz um argumento um pouco confuso. A obra tem algo de Guia Politicamente Incorreto, famosa série do jornalista Leandro Narloch, ao desmentir as histórias que acreditamos, ou que nos fazem acreditar.

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Esfomeados sem refinamento

Grandi nos lembra logo de cara que a Itália é um país relativamente novo (a unificação italiana só terminou em 1871) e que, um pouco depois, mais de 15 milhões migraram para outros lugares. A verdade é que, em sua terra natal, os italianos conviviam com a fome, dispensando, portanto, qualquer refinamento culinário: “Se a pessoa pudesse comer massa e pizza em seu país, não iria para a América, certo?”. Aparentemente, certo.

Nos Estados Unidos, e até no Brasil, os imigrantes puderam sustentar suas famílias com as “remessas” e também transformar a culinária italiana, sobretudo a partir do intercâmbio local. Aqui, os italianos descobriram a carne. Nos Estados Unidos, o ovo, o leite e o queijo. Após a Primeira Guerra Mundial, muitos enxergam nisso um modelo de negócio, ou o “made in italy”, como Grandi gosta de se referir. 

Dessa forma foi possível fazer um “resgate social” do macarrão e da pizza que, em Nápoles, eram comidos na rua. Tanto que o primeiro lugar para consumo exclusivo de pizza, segundo o autor, foi em Nova York, em 1911 – mesmo que o Google diga que foi em Nápoles, em 1738.

Do panetone ao Marsala

Para os pouco íntimos da culinária italiana, os capítulos seguintes podem ser um pouco cansativos. Há as histórias do panetone, do vinagre balsâmico e do espaguete, mas também do tomate de Pachino, do presunto cru e do vinho Marsala. Há algum excesso de detalhes, como os caminhos burocráticos para decidir quem é o inventor de cada iguaria. 

Ao final, depois de praticamente destruir uma cantina, o autor tenta responder o que é a culinária italiana. Segundo ele, os produtos realmente “típicos” são aqueles que são reconhecidos pelo público como tal, como a… Nutella. O famoso creme de avelã é, de fato, enraizado na cultura e preza pela qualidade. “Existe alguém que não saiba que a Ferrero e, portanto, a Nutella, é italiana?” Há controvérsia...

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O livro vale muito pelo seu início e quem se interessa a fundo pela culinária italiana vai desfrutar de capítulos saborosos. O estilo é bem-humorado, lembrando muito o de uma conversa. Resta saber se os ítalo-brasileiros terão a mesma impressão ou se o volume de voz, acompanhado de gestos largos, irá aumentar.