Não é preciso ser fã da banda Rush ou tocar contrabaixo para se divertir com a série do Paramount+ Geddy Lee Asks: Are Bass Players Human Too? (traduzindo, “Geddy Lee pergunta: baixistas são humanos também?”). Isso porque nos quatro capítulos de vinte minutos em que a lenda do rock invade o habitat de outros músicos o baixo é apenas uma desculpa para conhecer mais da vida íntima desses seres humanos que escolheram tocar um instrumento para sobreviver. E, por acaso, é o mesmo instrumento que o canadense de quase 70 anos vem explorando há meio século, servindo como referência inclusive para os artistas que ele visita ao longo dos quatro episódios.
A jornada começa no rancho de Les Claypool, um dos músicos mais originais de sua geração. Nos anos 90, ele despontou com o Primus, um trio de rock que só chegou ao mainstream porque aquela década foi muito louca e permitiu que produtos autênticos e impossíveis de se rotular chegassem às prateleiras mais pop. É muito bacana acompanhar Claypool dando rolê pelo sítio ao lado de Geddy Lee, seu ídolo. Ele coloca o líder do Rush para manejar uma escavadeira e mover galhos de árvore soltos no chão. Depois, os dois vão pescar, atividade que em nada lembra a loucura das turnês mundiais. Finalmente, eles partem para conhecer o local onde Claypool desenvolve seus vinhos e sentam para comer um cachorro quente nos fundos da propriedade. Assim como a diversa música do Primus, os hobbies de seu frontman apontam para várias direções.
Por ser um baixista virtuose e de muita personalidade, Claypool não passou no teste para entrar no Metallica. Mas, anos depois, Robert Trujillo pegou esse job. Não que seu estilo seja limitado, mas o ex-Suicidal Tendencies se encaixou perfeitamente na mais bem-sucedida banda de metal do planeta há vinte anos. Em Los Angeles, Trujillo leva Geddy Lee para comer tacos de rua e conhecer mais sobre as fortes cenas locais de skate e surfe. Também há o momento em que os dois ficam babando em um baixo que pertenceu ao mítico Jaco Pastorius e hoje se encontra na bela residência do baixista do Metallica.
Sem ostentação ou mimimi
O terceiro episódio é com uma baixista que abandonou o instrumento: Melissa Auf der Maur. Canadense com o colega do Rush, Melissa teve destaque no rock alternativo tocando com o Hole, com o Smashing Pumpkins e numa breve carreira solo. Decidiu parar com a música para ser mãe, adotando uma vida pacata fora dos centros urbanos. O papo é o mais espiritual e esotérico da série, com Melissa provocando Geddy Lee a sair do seu ceticismo. Eles também trocam muitas ideias sobre fotografia, especialmente sobre as táticas que Melissa usava para disparar suas máquinas usando os pedais de efeitos e assim produzir cliques incríveis de cima do palco, enquanto tocava. Os dois acabam fazendo uma jam em que a ruiva reconhece estar com saudade de tirar notas de seu baixo após uma década de inatividade.
Para fechar o roteiro, Lee vai ao encontro de Krist Novoselic. O baixista do Nirvana preferiu permanecer no campo, engajado em causas sociais e em projetos alternativos após o suicídio de Kurt Cobain. Ele apostou numa linha totalmente oposta à de Dave Grohl, que permaneceu sob os holofotes criando a banda Foo Fighters. Trocando experiências com o colega do Rush, fica evidente que a vida de Novoselic foi tão ou mais excitante do que a de seu ex-parceiro baterista. Em seu endereço rural, ele cuida de inúmeros animais, produz conservas de tomate e reforma o que dá na telha: pode ser uma Kombi enferrujada ou uma igreja abandonada. Novoselic também aprendeu a pilotar avião e carrega Lee para um sobrevoo em sua região, no noroeste americano.
Conduzida com muita leveza e curiosidade pelo diretor Sam Dunn, que também empunha o contrabaixo mas ficou conhecido no audiovisual pelos projetos com o Iron Maiden e outros gigantes do heavy metal, a série é uma ótima distração de menos de uma hora e meia, sem ostentação ou mimimi de artista. Todos os baixistas abordados parecem realizados com suas trajetórias e não escondem a emoção de partilhar intimidades com um cara que moldou o instrumento no rock progressivo ao longo das décadas. Lee, em nenhum momento, apresenta-se num patamar superior. Pelo contrário. Ele entra em cena para extrair boas histórias de seus companheiros das quatro cordas e até surpreende nesse papel. A resposta final é que, apesar das excentricidades, são todos humanos. Alguns, como o próprio host, com talentos de outro mundo.
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