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Scorsese produziu

“Beatles ‘64” revela segredo do quarteto de Liverpool: não se levar a sério

John Lennon, Ringo Starr, Paul McCartney e George Harrison desembarcando nos EUA em 1964
John Lennon, Ringo Starr, Paul McCartney e George Harrison desembarcando nos Estados Unidos em 1964 (Foto: Divulgação Disney)

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Na cena mais reveladora de Beatles ’64, documentário sobre a primeira passagem dos Beatles pelos Estados Unidos que acaba de estrear no Disney+, um repórter aborda Paul McCartney no vagão do trem que levava o grupo de Nova York para Washington com a seguinte pergunta: “Que lugar você acha que os Beatles terão na história da cultura ocidental?”. O cantor e baixista sorri constrangido e diz: “Cultura Ocidental? Não sei. Você deve estar brincando com essa pergunta. Cultura... Não é cultura.” No que o jornalista emenda: “É o que então?” E o inglês arremata: “Uma boa risada!”

Esse era o segredo do quarteto de Liverpool. Mesmo protagonizando o maior fenômeno pop de que se tem notícia, seus integrantes não se levavam a sério. Para eles, era tudo uma grande brincadeira, uma desculpa para tocar música negra americana do jeito deles, sacudir o esqueleto e as cabeleiras e, principalmente, dar risada. Era como se eles fossem comediantes compartilhando com o mundo piadas musicadas, ideia corroborada por George Harrison numa declaração recuperada pelo documentário. O guitarrista defende que todos os moradores de Liverpool se sentem humoristas e que isso pode ser comprovado já na cabine de pedágio na entrada da cidade inglesa, quando há grande chance do operador soltar um chiste para o motorista.

As cenas de bastidores da viagem captadas à época pelos irmãos Albert e David Maysles e agora apresentadas no filme de David Tedeschi com produção do grande Martin Scorsese (que aparece em cena entrevistando Ringo Starr hoje) fazem o expectador duvidar se está vendo os Beatles ou os Mamonas Assassinas. Eles poderiam demonstrar nervosismo com a apresentação no programa dominical de Ed Sullivan, que espalharia em definitivo a imagem do grupo pela América, ou com um compromisso pomposo na embaixada britânica na capital dos Estados Unidos. Mas o que vemos são quatro rapazes tirando sarro de tudo e de todos em 100% do tempo. Lennon é o único que transforma parte da euforia em angústia ao longo da excursão, o que só dá para sacar porque é verbalizado.

I read the news today, oh boy…

Para além dessa constatação de que os Beatles eram uns gozadores que transformavam a histeria coletiva numa grande farra, o documentário defende a tese de que a chegada da banda em solo americano serviu para tirar o país do luto pelo assassinato do presidente John F. Kennedy meses antes. Da primeira à última cena, isso está explícito no filme e é debatido por personagens importantes que aparecem em depoimentos. Aliás, participam do registro tanto fãs anônimos que experimentaram a Beatlemania na veia quanto figuras que se tornaram conhecidas mundialmente, caso do cineasta David Lynch, que testemunhou o show do quarteto no Washington Coliseum e ficou siderado.

O diretor David Tedeschi já tinha experiência em mexer com arquivos relacionados ao Fab Four. Ele foi o editor do documentário sobre George Harrison dirigido por Martin Scorsese em 2011, Living in the Material World. Seu grande aliado na tarefa Beatles ’64 é a fartura de cenas captadas naqueles loucos 14 dias de turnê americana, com direito a muitas mulheres enlouquecidas levantado cartazes por onde os músicos passavam, comprando presentes para os ídolos e até mesmo invadindo os hotéis em busca de seus quartos. Apesar de ser algo pueril e irritante, esse frenesi das fãs é algo que ficou de legado do período e segue sendo reproduzido até o momento, vide o comportamento das adolescentes com os ídolos do pop coreano.

A banda concede uma das várias entrevistas de sua primeira visita aos EUAA banda concede uma das várias entrevistas de sua primeira visita aos Estados Unidos (Foto: Divulgação Disney)

Musicalmente, Beatles ’64 captura o momento menos interessante de Lennon & McCartney. As grandes canções, os disco clássicos, as ousadias em estúdio viriam bem depois dali, quando o grupo não mais excursionava ou tocava ao vivo. No entanto, ouvir She Loves You ou I Want to Hold Your Hand na performance do Ed Sullivan tem o seu apelo. Ainda mais quando pensamos que, em poucos anos, os compositores iriam disso para A Day in the Life e o medley no lado B de Abbey Road, com contribuições cada vez mais geniais de George Harrison paulatinamente. Foi um cometa que passou por este planeta, com um brilho que se intensificou no final dos 60 e deixou faíscas que ainda são perceptíveis seis décadas depois.

  • Beatles ‘64
  • 2024
  • 106 minutos
  • Indicado para maiores de 14 anos
  • Disponível no Disney+

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