Capa da Bíblia publicada pela MBC, que vem sendo reconhecida com prêmios| Foto: MBC/Divulgação
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A figura do jabuti é a de um réptil dócil e vagaroso, mas tenaz e capaz de superar adversidades (ao menos, na obra do escritor Monteiro Lobato). Esse ser tão presente na cultura do nosso país foi o escolhido para nomear, desde 1959, o Prêmio Jabuti, principal reconhecimento literário do Brasil. Infelizmente, já há algum tempo, essa premiação tem dado palanque a autores e autoras militantes. Mas, em sua edição deste ano, realizada no fim de novembro, houve uma surpresa agradável: uma nova edição da Bíblia venceu na categoria de melhor “Produção Editorial”. 

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Rapidamente, a escolha causou controvérsia nas redes sociais, especialmente no X. Lá, não faltaram comentários críticos à escolha, com perfis classificando a decisão do Jabuti como “intragável” e acusando a editora de “ser evangélica”. Qualquer pessoa um pouco mais informada entenderia que essa Bíblia, publicada pela editora Minha Biblioteca Católica (MBC), era digna do prêmio. O trabalho editorial foi muito além da capa, oferecendo a seus clientes uma versão de seis quilos com 3.500 comentários patrísticos e mais de 8.500 notas de rodapés originais – além de mapas, uma Genealogia Bíblica, um Lecionário Dominical e até um dicionário.  

Para colocar fim à discussão de uma vez por todas, a Bíblia da MBC continua a ser reconhecida por suas proezas técnicas. Ela acaba de ganhar duas medalhas de “Projeto Editorial” no Prêmio Brasileiro de Design, realizado na última terça-feira (3), reforçando que um produto religioso pode e deve ser reconhecido por sua excelência. 

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Kanye West

Em entrevista para a Gazeta do Povo, o fundador e diretor criativo da editora, Matheus Bazzo, explica a gênese dessa Bíblia, vendida pela bagatela de R$2.599. “A ideia surgiu de maneira bastante inusitada. Existe um designer e artista que eu acompanho chamado Virgil Abloh, que faleceu há três anos”, aponta o publisher natural de Passo Fundo (RS). Abloh foi diretor artístico da Louis Vutton e colaborou em projetos gráficos para rappers como Kanye West.  

“Tanto Virgil quanto Kanye tiveram essa visão de pegar a cultura negra americana e estabelecer uma relação e um diálogo com o que há de mais sofisticado da arte e da cultura. Quando vi isso, me dei conta de que essa é uma preocupação que nós, como católicos, deveríamos ter.” Bazzo diz ter se questionado se conseguiria “colocar os objetos de sua fé em diálogo com o que existe de mais refinado”. 

Esse cuidado estético não era totalmente inédito para a MBC, que desde 2017 publica edições caprichadas de clássicos religiosos em um clube de assinaturas. Dessa vez, Bazzo e sua equipe ultrapassaram o limite imposto pelo formato de publicação mensal. Foram três anos de trabalho, período que inclui não só o desenvolvimento gráfico, mas também a redação das notas e outros cuidados com o texto. A Bíblia da MBC é baseada na tradução do Padre Matos Soares, vertida diretamente da Vulgata, a versão latina do texto, compilada por São Jerônimo no século V. 

“Sendo sincero, a gente pensou só no produto. Vamos fazer o melhor que a gente pode e depois vemos o preço", contou Bazzo após ser questionado a respeito do valor proibitivo cobrado pela obra. O plano de fazer uma edição popular não está descartado e pode estar “nas cenas dos próximos capítulos”, conforme ele brincou durante a entrevista.  

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Apesar de ter ficado fora de catálogo brevemente, a Bíblia não passou a ser mais procurada após o Jabuti, revela Bazzo. “O público que lê a Bíblia não está muito interessado em um prêmio especializado em literatura contemporânea brasileira, e não estou nem entrando no mérito ideológico”, diz o fundador da editora. Ele analisa que “esse desencontro não é algo preocupante”, principalmente pelo fato da obra ter aparecido em uma categoria que não é popular dentro da própria premiação. 

Bengala espiritual

Apesar disso, Bazzo acredita que as pessoas estão mais abertas à religiosidade. “Cada vez mais as pessoas estão notando que o laboratório modernista focado em acabar com a religião na humanidade não funciona. Elas estão percebendo que a sociedade não teve grande melhora à medida que as pessoas se tornaram menos religiosas.” 

O gaúcho também alerta sobre outra tendência, um pouco mais preocupante: “Noto que o ser humano anda tão distraído que ele pode criar uma bengala espiritual. Pega essa nostalgia do sagrado, insere uma ou outra questão espiritual na vida dele e acha que está bom. Quando, na verdade, ele poderia estar absorvendo e aprendendo muito mais com o Deus que ele ignora. O inimigo do ótimo é o bom.” 

Edição da Bíblia tem seis quilos e custa R$2.599| Foto: MBC/Divulgação

Nessa busca por excelência almejada por Bazzo, retratada pelo processo de criação da Bíblia da MBC, ele afirma ter se aproximado como nunca da obra religiosa. “Acho que ler os comentários patrísticos é uma constante descoberta. Foi ressaltado para mim que a Sagrada Escritura, de fato, não está longe de nós. Ela não é um texto para ser lido pelo prisma histórico, ela é muito mais”, crava. “Essa escritura tem mensagens para mudar e transformar meu dia agora. Na minha opinião, é o livro que mais merece esse tratamento sofisticado.” 

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Infográficos Gazeta do Povo[Clique para ampliar]