Quem se liga em estudos sobre mitos e símbolos certamente já ouviu falar da “Jornada do Herói”, descrita por Joseph Campbell no livro “O Herói de Mil Faces”, de 1949.
A “jornada” aparece em muitas culturas e apresenta, na forma de mito, aquele que seria o ciclo do indivíduo rumo à evolução espiritual. Ouvir o chamado, iniciar a jornada, superar obstáculos, errar, acertar, alcançar a sabedoria ou, então, morrer durante o processo.
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Ao vencer, o herói deixaria a condição de juventude e assumiria outra, de sábio, rei ou mestre. Se morresse antes de chegar lá, porém, permaneceria jovem e herói para sempre, alertando os incautos, desafiando e fascinando os vivos.
Bruce Lee pode ser lido como o perfeito “herói eterno” da jornada de Campbell e da indústria cultural. Ao morrer jovem (32 anos, em 1973) e no auge do sucesso, o principal expoente do cinema marcial chinês ingressou incólume e incorruptível no imaginário cultural do Ocidente.
O mistério de sua morte, atribuída por teóricos da conspiração às tríades (a máfia chinesa), a mestres de kung-fu preocupados com sua “revolução marcial” e até ao uso equivocado da “energia vital” ou “Qi”, apenas espelha e reforça o mito.
Um indício da condição mitológica do ator diz respeito à sua própria marca ou pegada iconográfica: poucas pessoas se lembram, por exemplo, do nome do personagem desempenhado por ele no filme “a”, “b” ou “c”.
Todos são Bruce Lee, assim como Bruce Lee foi um certo Lee Jun-fan (ææ¯è©), nascido em São Francisco no dia 27 de novembro de 1940. No caso de Bruce Lee, não há homem por trás do mito, mas apenas mito.
Bruce Lee também desempenhou um papel essencial no processo de transformação das representações ocidentais sobre a China e o Extremo Oriente.
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O mesmo Ocidente que no século 19 havia classificado os chineses como “os doentes da Ásia” e, no século 20, engendrara vilões como Fu Manchu e Ming de Mongo (o inimigo “sino-sideral” de Flash Gordon), agora, em plena Contracultura, via um jovem ator-lutador como epítome de uma cultura milenar sofisticada, misteriosa, sedenta de justiça e cheia de truques letais.
Algumas informações para o cinéfilo kung-fu
Armas
Nos filmes históricos, os personagens lutam com armas como bastões, lanças, facões, espadas, alabardas e correntes. Armas exóticas como guilhotinas voadoras, dardos envenenados, garras e robôs não são incomuns.
Inimigos
Nos filmes de enredo histórico, os principais inimigos são os estrangeiros, em especial mongóis, manchus, japoneses “imperialistas” e ocidentais. Nos filmes ambientados nos dias de hoje, os vilões são, normalmente, traficantes de drogas e de pessoas.
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Fu
Expressão genérica que identifica qualquer forma de maestria adquirida por meio de uma prática constante. No Ocidente, em especial a partir da série de TV “Kung-Fu”, de 1972, passou a identificar as artes marciais chinesas.
Ming
Nome da penúltima dinastia chinesa (1368-1644), considerada a última dinastia “nacional” e, por isso, muitas vezes associada aos heróis dos filmes chineses.
Qing
Nome da última dinastia chinesa (1644-1912), originária da Manchúria e muitas vezes identificada com os vilões nos filmes históricos de kung-fu.
Shaolin
Mosteiro budista situado na província chinesa de Henan, é considerado o berço das artes marciais chinesas. O nome também identifica estilos de kung-fu que, segundo a tradição, nasceram lá.
Tríade
Ou “Sociedade do Céu e da Terra”, é o nome clássico genérico que identifica as antigas sociedades secretas chinesas. A máfia chinesa teria sua origem nas tríades.
Wudang
Ermida taoista onde teria surgido o Tai-Chi-Chuan e diversos estilos de esgrima.