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Gabriel García Márquez

“Cem Anos de Solidão”, da Netflix, é ótima adaptação, mas não bate o livro

Claudio Cataño vive o Coronel Aureliano em "Cem Anos de Solidão", série da Netflix
Claudio Cataño vive o Coronel Aureliano em "Cem Anos de Solidão" (Foto: Divulgação/Netflix)

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Alguns livros são feitos para nunca serem levados às telas. Por muito tempo, esse pareceu ser o caso de Cem Anos de Solidão, publicado por Gabriel García Márquez em 1967. O próprio autor, laureado com o Nobel da Literatura em 1982, era avesso que sua obra-prima fosse adaptada para o audiovisual. Segundo ele, "seriam necessárias 100 horas para contar a história de maneira adequada". Gabo, como também era conhecido, dizia que só passaria a considerar uma adaptação se ela fosse "falada em espanhol e gravada na Colômbia". Cinco anos após sua morte, ocorrida em 2014, seus herdeiros venderam o direito do livro para a Netflix, que acaba de lançar a primeira parte de sua versão para a obra.

Desde a primeira sequência, o espectador familiarizado com o livro perceberá que está diante de um trabalho de adaptação meticuloso. A frase de abertura do seriado é a mesma da obra: "Muitos anos depois, diante do pelotão de fuzilamento, o Coronel Aureliano Buendía havia de recordar aquela tarde remota em que seu pai o levou para conhecer o gelo." Para o fã de Gabo, ter as palavras do autor recitadas trazem segurança. Já para quem não é familiarizado com Cem Anos de Solidão, a vontade de ler o trabalho provavelmente surgirá.

Assim como na original, a obra televisiva da Netflix acompanha a história da família Buendía e da criação de Macondo, uma aldeia fictícia inspirada em Aracataca, terra natal de Garcia Márquez. Os membros das sete gerações dos Buendía são figuras curiosas. Há o patriarca José Arcadio Buendía, um homem inovador que se interessa por temas como alquimia e por apetrechos trazidos de terras por ciganos. Outro exemplo é o do Coronel Aureliano Buendía, capaz de prever acontecimentos próximos deles ocorrerem.

É com a ajuda de figuras desse tipo e dos arredores de Macondo que o espectador/leitor entra em contato com um dos elementos mais importantes da obra: o realismo fantástico. Em trabalhos desse tipo, popularizados por escritores latinos como Jorge Luis Borges e Júlio Cortázar, situações mundanas são permeadas com acontecimentos mágicos e, por vezes, surreais. Em Cem Anos de Solidão, isso significa a presença de itens levitando e até de fantasmas. Ou seja, quem decidir se aventurar pela aldeia de Gabo deverá estar preparado para qualquer coisa.

Herdeiros zelosos

O cuidado da série com a obra se dá também pela presença de um de seus herdeiros no trabalho da Netflix. Rodrigo García é um dos produtores executivos de Cem Anos de Solidão, e foi ele quem ficou em cima da plataforma de streaming para que ela respeitasse os desejos de seu pai.

“Para nós, era muito importante que a adaptação tivesse quantos episódios fossem necessários, que fosse em espanhol e filmada na Colômbia, com diretores, roteiristas, equipe técnica, produtores e atores colombianos ou latino-americanos“, disse Rodrigo García em nota à imprensa. “A Netflix concordou e se comprometeu a garantir que a adaptação estaria à altura do livro. E eu acredito que, com muito trabalho duro, foi possível atingir esse objetivo.”

Quem leu o livro poderá sentir que a série está incompleta. Mas isso é intencional, pois Cem Anos de Solidão terá uma segunda parte, com novos episódios. Outra coisa que será perceptível aos fãs de Gabo é que o roteiro da série é linear. No texto original, a história das diferentes gerações dos Buendía se esbarram em um mesmo capítulo, construindo aos poucos um panorama da trajetória deles e de Macondo. Essa decisão é acertada, evitando a alienação de quem não é familiarizado com a obra-prima colombiana.

Vale dizer que, mesmo colocando um narrador para ler as geniais passagens de García Márquez, o seriado da Netflix não chega aos pés da obra de 1967. Algumas das nuances e das cuidadosas escolhas de palavras do autor são perdidas na tradução para as telas. Fora isso, a produção leva o espectador a utilizar um pouco menos da imaginação do que quem leu as 446 páginas do romance. E, no caso do realismo fantástico, o poder da mente do leitor é uma das ferramentas mais importantes para a imersão completa.

  • Cem Anos de Solidão
  • 2024
  • Oito episódios
  • Indicado para maiores de 16 anos
  • Disponível na Netflix

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