Clint Eastwood vem dedicando seus mais recentes trabalhos a retratar heróis solitários que, por executar um ato de bravura, se tornam alvos de investigação, sofrendo o que o diretor considera um escrutínio injusto, seja da mídia seja das autoridades. Seu mais novo filme, O Caso Richard Jewell, que estreia na primeira semana de janeiro no Brasil, condensa estes aspectos de sua filmografia atual de maneira particularmente precisa.
O filme conta parte da vida do personagem-título, vivido aqui pelo peculiar Paul Walter Hauser. Ao desconfiar de uma mochila abandonada, durante as comemorações das Olimpíadas de Atlanta, de 1996, ele evitou que um atentado terrorista tivesse sucesso completo. Não fosse sua intervenção, não teriam morrido “apenas” duas pessoas. Em menos de 24 horas ele se torna um herói nacional. Poucos dias depois se torna um vilão quando uma reportagem informa que ele é um dos suspeitos investigados pelo FBI.
Mais até do que em seus filmes anteriores, Eastwood tem uma agenda clara aqui. O Caso Richard Jewell explora o tipo de dano que uma investigação pretensamente irresponsável pode causar na vida de um homem bom, especialmente se a mídia abraça uma narrativa oficial enquanto ela se desenvolve. O diretor veterano não poupa esforços para retratar Jewell como um homem simples, porém afável e atencioso, cujo maior pecado é se preocupar demais com o cumprimento da lei. Um sulista típico que ama armas, mas apenas para caça, que ama o governo e a autoridade, mesmo quando isso vai contra seus interesses.
Em contrapartida, está lá uma repórter inescrupulosa, interpretada por Olivia Wilde, que não tem pudor em usar o sexo como moeda de troca para uma informação. Está lá também um investigador do FBI, papel de Jon Hamm, que parece ter decidido rapidamente que Jewell é o culpado, tendo plantado ele mesmo a bomba para se tornar um herói e poder voltar a ser um policial. Contra o governo e a mídia, Jewell teria apenas seu bom coração, seus amigos e sua família como armas. Eastwood, num certo sentido, opõe os investigadores e jornalistas, todos com educação superior como pré-requisito, ao simples trabalhador de classe média baixa. Todavia, como ele é um cineasta dado a relações mais complexas do que à primeira vista aparenta, há um senso de inadequação que une essas pessoas. Todos os personagens pensam ocupar posições aquém de suas capacidades e habilidades.
A estratégia de Eastwood é simples e eficaz. Somos apresentados primeiro a Jewell. Conhecemos seu passado, a forma como ele se relaciona com as pessoas, sua preocupação e obsessão com seu trabalho e, claro, todos os momentos do fatídico dia do atentado. É preciso que o espectador não tenha a menor dúvida da inocência do protagonista para que o argumento do diretor, de que um pobre homem foi perseguido por fazer a coisa certa, funcione. Tudo filmado de forma tão eficiente que fica fácil esquecer de um detalhe: nem o FBI, nem a repórter sabem o que nós sabemos sobre Richard.
Isso, claro, não é exatamente um erro. Eastwood possui um discurso específico e sua ferramenta é o cinema. Poucos diretores hoje em dia filmam com sua economia narrativa e rigidez estética. Ele talvez seja, hoje, o último dos grandes diretores clássicos, como foram em seu tempo John Ford ou Howard Hawks. Por “clássico” entende-se que Eastwood filma sem maneirismos ou floreios de estilo. Tempo e espaço existem nos seus filmes quase como existem na vida, se confundindo com a realidade. O que, é importante lembrar, também é parte de um discurso.
Por isso talvez nos últimos anos Eastwood tenha voltado sua câmera para dramas de heróis da vida real como Jewell. Saem de cena os ficcionais cowboys brutos e solitários de O Estranho Sem Nome ou O Cavaleiro Solitário, e entram, em seu lugar, figuras como Chesley 'Sully' Sullenberger, de Sully: O Herói do Rio Hudson, ou Earl Stone, de A Mula. Estes dois últimos são homens que deixaram de seguir os protocolos ou as leis para fazer o que achavam ser o correto para salvar vidas ou prover para suas famílias. Como antagonistas, o primeiro apresentava uma comissão de investigação e, o segundo, a polícia – e não os traficantes que pagavam um velhinho para atravessar drogas na fronteira, veja bem.
O Caso Richard Jewell, porém, apresenta duas diferenças centrais para com seus antecessores. A primeira é que, desta vez, o protagonista está abraçando os regulamentos, mas seu estilo de vida acaba criminalizado pelos investigadores. A segunda é a presença da mídia como vilã, e não apenas as agências reguladoras ou de investigação. O curioso é que, tanto neste como em seus últimos filmes, a fonte primária para o roteiro é, justamente, uma reportagem em profundidade feita por um jornalista.