Bon Jovi celebra 40 anos com documentário em tom melancólico, mas com álbum novo que dá fôlego à banda.| Foto: Divulgação/Disney+
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Permita-me começar com uma lembrança pessoal. Era 1995, o Bon Jovi tinha feito seu primeiro show na capital paranaense, Curitiba. Um amigo, quando soube que eu tinha ido, torceu o nariz. Aos que não eram daquela época, explico: escutar Bon Jovi era coisa de menina. Mas eu tinha uma boa desculpa. Namorava há poucos meses quem se tornaria minha esposa, mãe de meus filhos e que, hoje, se deixar o coração falar sem pensar, aguarda comigo os futuros netos (que não precisam vir logo, porém, pois já voltei a pensar).

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A lembrança me veio ao assistir ao documentário sobre os 40 anos da banda, Thank You, Goodnight: A História de Bon Jovi, lançado meses atrás e agora disponível no Disney+, com a incorporação do (bom) catálogo do Star+, que deixou de existir. Quando Jon se casou com sua namorada de colégio, Dorothea, em 1986, todos da banda e equipe ficaram apreensivos e até queriam que ele mantivesse isso em segredo, por medo de perderem a maioria de seus fãs, majoritariamente mulheres. Talvez mais fãs por causa da beleza do cantor do que pelas músicas.

O receio se justificava porque a banda passava maus bocados quando tocava em festivais de hard rock ou abrindo turnês para outras bandas, como o Scorpions, cujo público era eminentemente masculino e não gostava nada do Bon Jovi. Nos anos 1990 o preconceito masculino arrefeceu, mas o sucesso continuou sendo mantido mais pela fãs do cantor, que também começara uma carreira de ator. Meu interesse pela banda durou até o fim do século passado e não acompanhei quase nada desde então. Isso até agora, quando li não sei onde que os fãs estariam achando o documentário muito triste, depressivo até.

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Fiquei curioso e descobri que Jon vem lutando contra sérios problemas com sua voz, e o documentário, que seria uma celebração da carreira, também se tornou um retrato dramático do momento presente. De fato, é isso, com o drama atual dando o tom e a forma da obra, parecendo menos uma comemoração do que uma despedida. Exatamente como o título aponta, mas melancólica, de quem estaria sendo obrigado a parar, não porque gostaria.

O filme é longo, dividido em quatro partes com duração média de 1h15 cada. Mas vale a pena, e não apenas para os fãs, já que se trata menos da história de uma banda de rock e mais de um exame da vida toda, com Jon se confrontando de forma franca com sua perda, seu ego, sua fragilidade, a mortalidade e o sentido último da vida. Como ele mesmo disse em entrevistas, é como assistir a vida toda antes da morte.

Mas como a produção termina antes de o drama se resolver, pois ainda não era possível saber se a cirurgia vocal de Jon daria os resultados esperados, o fim fica em aberto, no aguardo do próximo capítulo, com uma pergunta decisiva aguardando resposta.

Nas cenas finais, uma nova música é tocada, reflexiva, com sua letra surgindo por sobre as cenas da banda, de Jon especialmente. É Hollow Man, cujo título diz tudo, com este homem oco, sentindo-se vazio por dentro, cantando com seu coração nas mãos, perguntando-se: “O que cantar quando a canção já foi cantada? O que você escreve quando o livro está terminado?”

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Um capítulo final?

Hollow Man é o último single do novo disco da banda, Forever, lançado depois do documentário, há duas semanas. O álbum traz o próximo capítulo, mostrando que não será o último. O sentido de Hollow Man se torna outro como parte do disco, que por sua vez funciona melhor como celebração dos 40 anos de carreira, com músicas como Legendary, We Made It Look Easy, Living Proof (em que retomam o uso do talk box na guitarra, que virou assinatura registrada da banda desde Livin on a Prayer)e The People’s House (que emula Keep The Faith).

Ou seja, o tom pessimista do documentário é transfigurado, com Hollow Man significando menos o pôr do sol que se receia ser o último do que o vislumbre do nascer de um novo dia. A esperança recupera sua força, como Jon canta em Seeds, das melhores letras: “Somos sementes, mesmo que caiamos como as folhas / Renascemos atravessando as rachaduras da rua / Continuamos buscando a luz”.

A história por trás de My First Guitar talvez seja o símbolo maior desta redenção. É uma canção de amor à primeira guitarra de Jon, que ele havia vendido a um vizinho quando tinha 17 anos, antes de começar a carreira, conseguindo recomprá-la agora. Descobriu que ela estava exatamente como a vendeu, mesmo encordoamento, tudo igual.

O vizinho provavelmente nunca a tocou, é como se ela fosse apenas de Jon e o estivesse esperando desde então. Jon canta sobre quão surreal isso lhe pareceu, dizendo: “Ela o fará feliz por você estar vivo” e quando tocou o primeiro acorde: “Estou de volta”.

A revisita à sua própria história (Jon está com 62 anos) também aparece melhor no disco, em vários momentos homenageando a esposa e também falando como pai, como em Kiss The Bride, dedicada à filha que está para casar. É nessas canções que se revela a resposta às perguntas de Hollow Man, com ele descobrindo que nunca esteve oco, porque sempre teve Dorothea ao seu lado.

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A bela letra de Living in Paradise, composta em parceria com Ed Sheeran, fala por todas. Enquanto estiver com a esposa, é como viver no Paraíso, mesmo quando tudo parece perdido: “Nós descobrimos o que não sabíamos / Você me dá fé quando estou perdendo a esperança”. E, estando juntos: “Das brasas, subiremos / E vamos iluminar o céu”, concluindo: “Eu costumava cantar para toda a multidão / Agora, cada música é para você”.

E se Jon sempre foi invejado pelos homens, conhecê-lo melhor pelo documentário e as músicas deste Forever é também uma oportunidade de aprender a ser alguém melhor através do exemplo de um artista que, no momento de maior fragilidade, soube se despir de si para tentar se reencontrar, enfrentando a perda da voz e seu ego ferido com uma dignidade rara de se ver no seu meio.

“Tenho o que quero porque tenho o que preciso / Tenho um punhado de amigos que vão me defender / Exatamente onde estou é onde eu quero estar / (...) Tenho minha garota de olhos castanhos e ela acredita em mim”, canta em Legendary. Admirável, não? As fãs tinham razão: Bon Jovi era um “partidão”, como nossas avós diziam dos homens que valiam a pena casar.