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Brás Cubas viral

Como explicar a onda Machado de Assis disparada por americana nas redes sociais

Machado de Assis teve uma de suas grandes obras catapultada pelas redes sociais
O escritor brasileiro Machado de Assis teve uma de suas grandes obras catapultada pelas redes sociais (Foto: Wikimedia Commons)

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Um minuto, dezoito segundos e mais de um milhão de visualizações. Na semana passada, o vídeo de uma famosa influenciadora americana na rede TikTok foi manchete em vários jornais. Nas redes sociais, virou hashtag; no WhatsApp, tornou-se assunto, e o produto sobre o qual ela comentava foi um dos mais vendidos no site da Amazon. Não era review de celular, nem uma dancinha, ou um gato demonstrando habilidades humanas. Era uma resenha do livro Memórias Póstumas de Brás Cubas, do brasileiríssimo Machado de Assis (1839-1908).

Courtney Henning Novak é a tiktoker que se impressionou com o autor. Na série de vídeos em que se propõe a ler obras de outros países, escolheu do Brasil o romance do “Bruxo do Cosme Velho”, epíteto consagrado ao escritor carioca. Courtney chega a dizer que, depois da leitura, pretende aprender português e que Memórias Póstumas substituiu Orgulho e Preconceito, de Jane Austen (1775-1817), como seu livro favorito. Afirma também que ele deveria fazer parte do cânone literário ocidental. E, de fato, deveria.

Lançado em 1880, o romance foi publicado inicialmente no folhetim Revista Brasileira. Depois de obras de inspiração romântica, como Ressurreição (1872), A Mão e a Luva (1874) e Helena (1876), Memórias Póstumas de Brás Cubas inaugurou a fase madura do escritor, sucedido por Quincas Borba (1891) e Dom Casmurro (1899). Ainda que inserida dentro do Realismo, a obra vai muito além disso, pois traz elementos fantásticos e antecipa muito do que seria tendência no século XX.   

O livro começa com uma dedicatória mórbida, uma desinteressada carta ao leitor e o primeiro capítulo sentencia a morte do narrador. É desta posição, como “defunto autor”, que Brás Cubas conta sua história que, como se verá, não tem nada de gloriosa. O protagonista foi uma criança mimada, um adolescente dependente e um adulto que não realizou seus sonhos, se é que os teve. Os capítulos curtos representam uma vida fragmentada, que passou conforme as circunstâncias, oscilações de humor e, principalmente, conveniências.  

Esta sinopse melancólica não significa que o livro é necessariamente triste. O leitor, com quem Machado conversa do início ao fim, vai certamente rir, ainda que de forma um pouco sombria. Reflexões profundas são feitas de forma leve, como um diálogo imaginário entre a razão e sandice, uma viagem no tempo em um hipopótamo, ou simplesmente uma janela ventilando a consciência. 

Apenas um surto machadiano

Courtney, porém, não foi a primeira, nem a última, a reconhecer a importância da obra de Machado de Assis. Antes, gênios do porte do diretor Woody Allen, do escritor Philip Roth (1933-2018) e da intelectual Susan Sontag (1933-2004) elogiaram publicamente Memórias Póstumas de Brás Cubas e o autor nascido no Rio de Janeiro, atestando seu apelo universal.

O escritor Diogo Fontana, fundador e editor-chefe da Editora Danúbio, reforça que Memórias Póstumas é considerado por muita gente o “ápice da nossa literatura, pelo menos em prosa”. Para ele, o que agrada leitores de países desenvolvidos é especialmente a voz da obra. “Ela carrega um ceticismo de monóculo, schopenhaueriano”, afirma, usando o termo que define o pessimismo moral abordado pela tese de imutabilidade do caráter do filósofo alemão Arthur Schopenhauer. Diogo aponta que este é o mesmo cinismo de Woody Allen, que não se deixa levar pela rabugice.  

Já o escritor Alexandre Sugamosto, doutorando em Ciências da Religião pela PUC/MG e especialista em Metodologia de Ensino da Língua Portuguesa, diz que o livro é emblemático. Segundo ele, Memórias Póstumas insere a literatura brasileira na literatura universal, dialogando com esta diretamente, não de forma subalterna.  

A excepcionalidade da repercussão nos leva a refletir por qual motivo outras obras nacionais não atingem em cheio leitores estrangeiros como esta. Sugamosto comenta a questão do idioma, pois Portugal, em certa medida, sofre do mesmo problema: “A língua portuguesa, em termos culturais, é ainda minoritária.” Já Fontana vai além: “Talvez a literatura brasileira esteja muito voltada para o próprio umbigo e se preocupe demais com problemas locais”.  

A pergunta de milhões é se o viral pode se tornar durável, o que os especialistas acham pouco provável. Para Sugamosto, o TikTok é uma lógica contemporânea e lutar contra isso seria inútil. Ou seja, ainda que haja sinais positivos, há ceticismo em relação a efeitos duradouros. Diogo Fontana concorda: “Sempre é bom que Machado de Assis seja difundido, mas acho que é só um surto. Se tivesse efeitos prolongados, eu ficaria surpreso”. 

Para que o fenômeno vá além de vídeos curtos, muito provavelmente será necessária uma ação cultural mais ativa de escritores e editores. A exemplo de Ivan Turguêniev (1818-1883), que divulgou a literatura russa na França, lançando gênios como Liev Tolstói (1828-1910) e Fiódor Dostoiévski (1821-1881).

Se lá fora o futuro é incerto, por aqui é possível dizer que Memórias Póstumas certamente estará na lista de leituras obrigatórias para algum vestibular de 2025. Talvez este meio coercitivo explique a má vontade de muitos leitores brasileiros, que sequer chegam ao brilhante capítulo final da obra. Ainda assim, o livro continuará sendo lido por muito tempo, como é de praxe com os clássicos. Por meio de páginas ou telas de celular, sempre haverá alguém interessado naquilo que toca as pessoas, em qualquer lugar do mundo: a melancólica, e por vezes patética, condição humana. 

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