Entusiastas de games, tecnologia, mangás, histórias em quadrinhos, filmes e séries sci-fi movimentam uma indústria bilionária e representam o principal segmento de consumo e comportamento na cultura pop. Chamados de nerds ou geeks – termos que não são sinônimos, mas para efeitos de mercado, sim –, esses amantes de sabres de luz, lutas medievais e minigames saíram do isolamento da tela do computador para ganhar praças e espaços de convivência, em um movimento que ainda engatinha no Brasil – mas que têm em cidades como Curitiba motores propulsores capazes de movimentar milhares de pessoas, bytes e reais.
É comum ver lugares ou eventos realizados na capital paranaense sendo citados como marcos da história da cultura nerd brasileira. Desde a Itiban – loja de histórias em quadrinhos, RPG e cardgames –, até o site Jovem Nerd, cujos criadores Alexandre Ottoni e Deive Pazos escolheram a capital para unir forças e dar vida a um dos maiores portais de cultura geek do país.
Sequer é preciso puxar muito da memória para perceber que essa percepção vai além dos limites locais. Apenas no segundo semestre do ano passado, por exemplo, esteve na cidade Millie Bobby Brown, a Eleven da série “Stranger Things”, na primeira edição do Geek City. Ana Lilian de la Macorra, a Paty de “Chaves”; e Harry Spangler, de “Supernatural”, participaram das últimas edições do Shinobi Spirit, um dos maiores eventos de cultura nerd do Sul do país.
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Por trás do Shinobi Spirit, realizado em Curitiba desde 2008, está Rogerio Ramos, de 29 anos, que não hesita em afirmar que Curitiba é, sim, a capital nerd do país. Ao lado de uma equipe de seis pessoas, ele trabalha “25 horas por dia” para preencher a agenda cultural da cidade com eventos para esse segmento, em uma lista que cresce cada vez mais e traz atrações para todos os públicos. Além do Shinobi Spirit, ele também é o organizador do Carnaval Nerd, da Caminhada Cosplay, do K-Pop Spirit e, enquanto falava com a reportagem, preparava o Terra Média CWB, festival de cultura medieval que acontece entre 7 e 8 de abril.
Apenas no Shinobi Spirit a expectativa para 2018 é reunir 30 mil pessoas. Na soma de toda a agenda, devem ser mais de 100 mil participantes, fruto de uma história que começou a ser construída há mais de dez anos. “Isso gerou um público apaixonado, que começa a formar fila às 4h. Trabalhamos com cultura na cidade mais exigente do Brasil e, ano após ano, ultrapassamos todas as expectativas.”
Para Ramos, são diversos os fatores que motivam esse sucesso; o principal deles é a relação entre preço do ingresso e o que ocorre no interior do evento. Para ele, um dos diferenciais do Shinobi Spirit é a quantidade de atrações, voltadas para os mais diferentes tipos de público, que incluem atividades tão bizarras quanto arremesso de machado ou batalha de espada de espuma. “São várias atividades que fazem com que as pessoas fiquem conosco durante todo o dia e não se cansem”, aponta. A vontade de quem visita, sempre, é voltar na próxima edição.
Hoje, sua produtora, a Família Eventos, tem dois focos principais. O primeiro é chegar à marca de ao menos um evento por mês. Ao mesmo tempo, continuar trazendo atrações internacionais, um caráter que Ramos considera obrigatório para o crescimento das feiras por aqui. Ao mesmo tempo, porém, ele encara o que vê como seu maior desafio – convencer os empresários locais a embarcarem nessa ideia. Não é como se o Shinobi Spirit não contasse com apoios reconhecidos – nomes como Netflix, Cartoon Network, PUC, Globo e Jovem Pan são apenas alguns exemplos daqueles que já participaram das edições.
“Hoje, Curitiba só não é uma grande expoente da cultura nerd por causa da limitação quanto aos espaços de evento, que ainda são pequenos para grandes feiras. Com isso, não conseguimos comportar grandes marcas”, afirma.
Geek City
Outro marco para a cultura nerd/geek em Curitiba foi a realização da Geek City, em setembro do ano passado, que já tem a sua segunda edição marcada para agosto de 2018.
“Nesses dois últimos anos, fizemos muitas pesquisas e concluímos que a região Sul do país tem um consumo muito grande de cultura geek. Só ficamos atrás da região Sudeste, que tem uma megalópole como São Paulo. Mas, Curitiba principalmente, é uma cidade que desponta muito neste segmento. É um celeiro de provedores de conteúdo e de empresas que atuam nessas áreas”, disse Bruno Neves, diretor da Seven Entretenimento, empresa organizadora do evento, em entrevista para o jornalista Carlos Coelho, da Gazeta do Povo, em setembro do ano passado.
“Quando começamos a conversar com as empresas, grandes marcas e lojas falavam: ‘Pessoal, o segundo público que mais consome no meu site é de Curitiba, só perde para São Paulo’. Baseado nisso tiramos a ideia do papel”, aponta Neves.
Ficção “de verdade”
E nesse mundo, de batalhas medievais que se misturam com a tecnologia, despontam os cosplays, pessoas que se fantasiam de seu personagem favorito – e aproveitam para lucrar com isso. Curitiba está cheia dessas figuras que parecem sair dos games ou das telas do cinema.
Uma veterana nessa prática é Viviane Grisa, de 24 anos. Trajada como Sonic, ela está acostumada a ser reconhecida nos eventos da cidade. Em um dia, está vestida como o ouriço mascote da SEGA, tirando fotos com crianças e adultos. No outro, assume os cabelos espetados de Cloud Strife, do jogo Final Fantasy VII, e caminha pelas feiras com a gigantesca espada que é a marca do personagem.
Ela contabiliza 22 figurinos, em um hobby que virou trabalho. Fotógrafa, ao mesmo tempo que trabalha em suas roupas também realiza ensaios próprios e dos amigos. “As duas coisas são conciliáveis. Pude conhecer pessoas e divulgar meu trabalho nesse meio. O mais importante, porém, é amar o que faz e o personagem que veste, tudo para se divertir.”
Também transformando personagens fictícios em realidade está Eve Ortiz, de 29 anos de idade e mais de 50 cosplays no currículo. Além de nomes como Vampira, de “X-Men”, e Hera Venenosa, a vilã da série Batman com direito a 500 folhas costuradas manualmente no collant, sapato e cabelos, ela também é responsável por transformar as ruas da capital paranaense em um verdadeiro apocalipse zumbi, durante a Zombie Walk.
Unindo sua profissão de maquiadora a um dos principais eventos nerds da capital paranaense, Ortiz é a responsável por transformar muitos dos participantes nos mortos-vivos que, logo depois, vão vagar pelas ruas do centro a cada domingo de Carnaval. “No restante do ano, temos os trabalhos relacionados a isso, com divulgação da caminhada ou participação da equipe da Zombie Walk em outros eventos”, conta.
No epicentro de um dos principais acontecimentos nerds da capital, Ortiz também enxerga o potencial de Curitiba. Para ela, ao mesmo tempo em que estamos próximos da marca de um evento por semana, há muito espaço para crescimento e valorização de boas propostas por aqui.
Heróis bem de perto
O “dia de 25 horas” também é realidade na vida de Luiza Gabriella Johnson, de 30 anos. A designer gráfica divide seu tempo entre as atividades profissionais, a criação de cosplays, produção de cookies inspirados na temática nerd e também de conteúdo para seu site, Serial Cookies, que realiza coberturas de eventos, análises e vídeos sobre a cultura geek. Isso sem falar no gerenciamento da Meganave, um dos principais fã-clubes de Power Rangers do Brasil.
Foi justamente como parte dessa comunidade que ela teve a oportunidade de conhecer, pessoalmente alguns dos heróis do seriado. Jason Faunt, Blake Foster, Glenn McMillan e Steve Cardenas estão entre os Power Rangers que ela já entrevistou em eventos e, claro, presenteou com os cookies. Encontros com fãs e estandes com colecionáveis, em parceria com grandes eventos de cultura nerd, também fazem parte desse trabalho.
Una a isso os ensaios com a banda Hikaru Squad, que interpreta temas de seriados, animes, mangás e games, e o foco em cosplays e eventos, juntamente com a agenda acelerada da cidade. Para quem é fã e também atua do outro lado destas atrações, a rotina é acordar muito cedo e dormir tarde. “É difícil escolher minha atividade preferida, pois faço muitas coisas ao mesmo tempo, um pouco por semana. É muito cansativo, mas também, extremamente gratificante”.
A designer repete a opinião dada por todos os entrevistados no que, provavelmente, é também a postura do público. Ao mesmo tempo em que Curitiba tem cada vez mais orgulho de suas raízes e cotidiano nerd, há amplo espaço para melhorar e crescer. “No fim, ficam as grandes experiências que são possibilitadas por tudo isso e muitas histórias para contar”, completa a designer.
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