Celebrar um ícone cultural como Michael Caine, ainda em vida e em uma produção de sensibilidade ímpar, é no mínimo louvável. E é justamente isso que acontece em A Grande Fuga, filme de 2023 que finalmente está em cartaz nos cinemas brasileiros. O longa-metragem foi o último rodado pelo ator de 91 anos, oficialmente aposentado desde o ano passado.
Baseado em fatos, o roteiro acompanha Bernard Jordan, um veterano da Segunda Guerra Mundial que vive em um asilo com sua esposa, Irene. Os dois levam uma rotina pacata, mas são repletos de vida, marcada principalmente pela acidez britânica de ambos.
Certo dia, o idoso, apelidado de Bernie, fica chateado quando descobre que os funcionários da casa de repouso não conseguiram organizar a tempo sua ida para as comemorações de 70 anos do Dia D, operação militar travada na França dada como a mais importante para garantir o fim da sangrenta batalha.
Então, o veterano vivido por Caine é incentivado pela companheira a se virar para ir para o evento. E é o que ele faz. O problema é que o casal não fala para ninguém e todos acham que Bernie está perdido no Reino Unido.
O longa então avança com a alternância entre as cenas mostrando a aventura do senhor soldado e de sua esposa segurando as pontas no asilo. Também há espaço para muitos flashbacks dos dois, especialmente do veterano, que lida com o estresse pós-traumático conforme lembra de momentos importantes de sua atuação na guerra.
Emocionante, sem exagero
Pela premissa, A Grande Fuga tinha tudo para ser um filme água com açúcar, ainda mais para quem já conhece a história real e sabe que ela acabou bem. Mas as atuações de Caine e Glenda Jackson, atriz que viveu Irene e morreu logo após o lançamento, fazem com que a película tenha profundidade suficiente.
O roteiro mostra que, mesmo aos 89 anos, o personagem Bernie ainda luta contra demônios internos e tenta entender o passado aterrorizante da guerra. Isso revela que não existe idade para revisitar traumas. Mas não é esse detalhe que faz o veterano perder o bom humor e o charme, característica que sempre se fez presente nos melhores papéis de Caine.
Ver o ator usando um andador ou uma bengala em sua viagem de A Grande Fuga também faz com que o espectador respeite a nobre decisão de Caine por encerrar sua carreira com um bom último filme.
A escolha deste como seu derradeiro papel também é bastante simbólica, dado o fato dele próprio ter sido um soldado antes da carreira nas telas. Caine participou ativamente na Guerra da Coréia, nos anos 1950. Lá, ele passou por uma experiência que “moldou” seu caráter, como afirma em sua autobiografia The Elephant to Hollywood, que ainda não foi traduzida para português.
“Pelo resto da minha vida vivi para caramba todos os momentos, desde o momento em que acordo até a hora de dormir”, afirma em uma passagem que também serve muito bem para explicar o personagem Bernie. Sem dúvidas, se aposentar somente aos 90 anos comprova que Sir Michael Caine é um apaixonado pela vida.
Para quem está triste com a notícia, vale lembrar que Caine passa longe de ter vivido uma carreira de títulos restritos: ele participou de mais de 160 filmes desde que iniciou no cinema, em 1956. Suas pérolas ainda poderão e devem ser assistidas por muitos anos.