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Chegamos finalmente ao último artigo de uma série que se propôs a apresentar, durante cinco semanas, importantes filmes cujas histórias são baseadas nos mais significativos personagens bíblicos. Quem nos acompanhou nessa jornada certamente percebeu nossa preocupação em seguir uma certa ordem cronológica dos fatos descritos na Bíblia. Assim, demos início à série com A Bíblia, um épico assinado por John Huston, em 1966, que nos mostra como Deus criou o mundo, colocando nele Adão e Eva para iniciar a construção da nossa civilização. E, não poderia ser diferente, concluímos aqui com Jesus de Nazaré, superprodução televisiva em formato de minissérie que descreve aquela que pode ser considerada a história mais popular de todos os tempos, conhecida por religiosos ou não: o nascimento de Jesus, sua vida de pregação como profeta e sua morte na cruz em nome da salvação de todos, simbolizando assim a formação de um reino de Deus na Terra.
Produzido em 1977, Jesus de Nazaré resistiu ao tempo e merece o status de clássico. A direção é do mestre Franco Zeffirelli que, como todo bom italiano católico, é um católico fervoroso. Zeffirelli, inspirado por outros mestres como o conterrâneo Luchino Visconti e até mesmo o americano Cecil B. DeMille (de Os Dez Mandamentos), realizou uma obra grandiosa na estrutura e na estética. Detalhista ao extremo, não por acaso cada episódio tem em média quase duas horas de duração. O diretor não deixou escapar nenhum detalhe, não poupou esforços no realismo e utilizou locações em cidades do Marrocos, Turquia e Tunísia. Do ponto de vista fotográfico, portanto, estamos diante de uma obra absolutamente exuberante.
Sabendo de seu próprio comprometimento com o significado histórico e de fé daquele que é chamado de filho de Deus, Zeffirelli precisava de um roteiro digno de sua devoção. Para tanto, contou com a ajuda da roteirista italiana Suso Cecchi D’Amico (conhecida colaboradora de DeSica, Antonioni, Monicelli e Visconti) e do romancista britânico Anthony Burgess. Zeffirelli inicia a história antes mesmo do nascimento de Jesus, numa Jerusalém povoada por milhares de hebreus sob o domínio do Império Romano. É um contexto importante para o que veremos mais adiante, quando diretor e roteiristas constroem um Jesus obstinado pela libertação de Israel, que está no limite do humano e do celestial, às vezes um típico revolucionário, mas também um homem passivo e preocupado somente com seus ensinamentos e sermões. É evidente que, se há poesia e emoção na construção de Jesus, é justo que se diga que isso se deve igualmente à interpretação de Robert Powell, ator britânico que à época era conhecido somente nos palcos da Inglaterra e, depois desse trabalho, ficou internacionalmente famoso. Powell, loiro e de olhos azuis brilhantes, tem aquela beleza angelical típica das mais famosas pinturas católicas italianas.
Símbolo da fragilidade
Zeffirelli também não faz nenhuma questão de esconder sua crença nas passagens em que Jesus realiza seus inúmeros milagres. Percebemos, sem qualquer dificuldade, a paixão do diretor pelo personagem e seu desejo quase ecumênico de fazer com que a audiência se ajoelhe diante das imagens. O momento da crucificação é praticamente a catarse de toda uma jornada. Jesus, que durante sua breve vida mostrou-se um homem forte, decidido, certo de que suas palavras serviriam de bússola para orientar o caminho de seu rebanho, encontra-se agora como o símbolo da fragilidade.
Sem esbarrar no melodrama e, principalmente, sem qualquer intenção de chocar o público, Zeffirelli transforma um momento triste e cruel – a morte lenta e dolorosa de um homem – num episódio lírico e grandioso. É muito diferente, por exemplo, das imagens explicitamente sangrentas e nada românticas de A Paixão de Cristo (2004), versão de Mel Gibson para a mesma história.
Caso ainda não saiba, o cinema foi inventado em 1895 pelos irmãos franceses Louis e Auguste Lumière, que naquele ano projetaram seu primeiro filme em um café em Paris. Apenas três anos depois, em 1898, os Lumière fizeram um filme de apenas 10 minutos de duração chamado La Passion (que pode ser visto pelo YouTube), registrado nos livros de cinema como o primeiro filme que conta a história de Jesus. É dessa forma que temos a certeza da grandiosidade e da importância desse personagem que, assim como outros tantos descritos no Antigo e Novo Testamentos, marcaram sua vida na busca pela fé, profetizando tempos de guerra e de paz entre os homens, e que deixaram seus ensinamentos – quase todos por meio da oralidade – para a eternidade.
A minissérie completa Jesus de Nazaré por ser assistida, gratuitamente, na plataforma PLEX (via web) e no Canal Nostalgia do YouTube (cópia e imagens perfeitas!).