Sempre que as guerras escalam e as especulações sobre ataques nucleares se tornam mais fortes, um filme-catástrofe exibido na TV americana em 20 de novembro de 1983 periga entrar na pauta. O Dia Seguinte (The Day After) imaginou o que aconteceria se, em meio às tensões entre Estados Unidos e União Soviética, o exército russo invadisse a Alemanha e desse início a uma troca de ogivas radioativas entre as duas maiores potências de então. A exibição do longa-metragem foi um evento que pausou a América por mais de duas horas, com cerca de 100 milhões de espectadores vidrados na telinha do canal ABC, e permaneceu como a atração televisiva mais assistida naquele país durante décadas.
A ideia do diretor Nicholas Meyer e do roteirista Edward Hume era gerar um filme que, de fato, alertasse o mundo sobre os perigos de uma guerra nuclear. Na primeira metade, são exibidas as rotinas de personagens em cidades do Kansas e do Missouri. Uma família cuida dos preparativos para o casamento de uma das filhas, um médico lamenta que sua filha decidiu sair de casa, um estudante de medicina busca carona para chegar ao seu destino... Tudo isso com os noticiários no rádio e na TV informando que a situação na Europa ficava cada vez mais complicada.
No meio de O Dia Seguinte, os moradores já estão no modo desespero, buscando mantimentos para estocar ou tentando fugir de carro para regiões supostamente mais seguras. As bombas começam a cair e o efeito é devastador. Cadáveres humanos e de animais esparramam-se pelo chão após seis minutos de cenas de explosões em que o vermelho dá o tom. Quem não morre, fica cego ou passa a acompanhar os efeitos da radiação em seu organismo no decorrer dos dias.
O elenco é encabeçado por Jason Robards, que vive o Dr. Russell Oakes, responsável por dar alguma esperança aos enfermos que lotam o hospital servido por ele. Steve Guttemberg e John Lithgow são outros rostos conhecidos do cast, ainda que não escalados em papeis principais. A real é que o protagonista de O Dia Seguinte é o pânico causado pelo ataque nuclear. Todos são coadjuvantes de uma tragédia recorrentemente anunciada, como bem deve se lembrar quem viveu a década de 80, com a Guerra Fria na ordem do dia.
Efeito retardado
No Brasil, o filme foi capa da revista Veja pouco após sua exibição nos Estados Unidos. A edição 802, de janeiro de 1984, trazia como manchete principal “O terror nuclear”, contando aos seus leitores do que se tratava o fenômeno O Dia Seguinte – a segunda matéria mais importante da semana trazia o embrião do que seria conhecido como o movimento "Diretas Já". Apesar de produzido para a TV, o longa foi exibido em diversas salas de cinema ao redor do mundo. Na União Soviética, ele chegou à televisão em 1987. O Brasil precisou esperar mais um pouquinho.
Data de 9 de abril de 1988, um sábado, a estreia de O Dia Seguinte na TV brasileira. Quase cinco anos depois, a massa tinha contato com o filme na sessão Supercine da Rede Globo, entre propagandas da Chevrolet, Tablete Valda e anúncios das próximas edições do Video Show e dos Trapalhões. Aos mais jovens que podem estar achando esse período muito longo, vale dizer que o trabalho anterior do cineasta Nicholas Meyer, Jornada nas Estrelas II – A Ira de Khan (1982), só foi exibido pela primeira vez na TV dois dias depois, na Tela Quente.
Mesmo com todo esse atraso, O Dia Seguinte ainda foi capaz de chocar muitos brasileiros que ali conheceram o seu conteúdo. Isso é fácil de averiguar buscando versões dubladas do filme que estão ilegalmente no YouTube (o serviço Oldflix é o único a oferecer a obra de forma legal no streaming neste momento). Quase todos os comentários são de espectadores da época que ficaram traumatizados com aspectos da película.
O Dia Seguinte foi reconhecido pelo Emmy, em 1984. Na maior premiação da TV americana, o filme recebeu indicações em 12 categorias, vencendo em duas: Edição de Som e Efeitos Especiais. Para Meyer, os troféus tiveram um gostinho especial. Mesmo com uma equipe mergulhada na produção ao longo de 1981 e 1982, o diretor teve embates com a ABC quando seu primeiro corte ficou pronto. Ele chegou a se afastar do projeto ao perceber que o canal almejava exibir uma versão mais branda da história. Os executivos resgataram Meyer e aceitaram sua visão nua e crua da questão nuclear meses antes da data marcada para o filme ir ao ar.
Logo após a transmissão, a rede de TV soltou um debate sobre o assunto, com o cientista Carl Sagan condenando o uso de artefatos nucleares. Já o então presidente Ronald Regan assistiu ao filme com exclusividade um mês antes e revelou ter ficado deprimido com o que encontrou, mudando em definitivo sua forma de encarar um possível conflito nuclear após a experiência audiovisual.
- O Dia Seguinte
- 1983
- 121 minutos
- Indicado para maiores de 14 anos
- Disponível na Oldflix
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