Não é nenhum segredo que os departamentos policiais dos EUA já se transformaram em minimilícias, munidas de todos os brinquedinhos mais destrutivos que o dinheiro do contribuinte pode pagar. O documentário “Do Not Resist” [exibido semana passada no Festival da Bienal Internacional de Curitiba] examina o fenômeno através de vinhetas – muitas das quais são inesperadamente sutis – que parecem não ter muita relação entre si.
Por exemplo: Depois de sermos transportados para Ferguson, Missouri, onde policiais em trajes antimotim lançam gás lacrimogêneo contra uma manifestação pacífica em resposta à morte de Michael Brown, o filme captura as cenas de reuniões na comunidade, de seminários de treinamento policial e imagens de vastos estacionamentos cheios, até o horizonte, de veículos blindados.
Seria difícil escolher quais dessas cenas é a mais marcante, mas uma forte candidata é quando uma equipe da SWAT em Richland County, na Carolina do Sul, cerca uma casa para executar um mandato de busca e apreensão. Eles causam o máximo de destruição que podem, quebrando as janelas na hora de entrar – como um deles explica, essa é uma “tática de distração” –, depois algemam todo mundo que encontram. Na revista que se segue, é encontrada uma pequena quantidade de maconha. O jovem negro que é acusado de posse de drogas é um universitário que trabalha com paisagismo. Ele pede a um policial, que lhe parece gentil, para que entregue os US$876 que ele tem no bolso ao seu chefe. “Fala para ele comprar a motopoda da marca Stihl”, ele diz ao policial, que, sem a menor cerimônia, decide, em vez disso, embolsar o dinheiro.
Um retrato perturbador emerge aí, que fica ainda mais interessante quando consideramos que seu diretor, Craig Atkinson (o cinegrafista de “Detropia”), marinheiro de primeira viagem no mundo dos documentários, é filho de policial. Seu pai serviu numa equipe da SWAT por mais de uma década. Foi para compreender como e por que o trabalho policial mudou tanto desde que começou a “guerra contra o terror” que Atkinson decidiu fazer esse filme .
É incrível como o diretor conseguiu acesso a oficiais de polícia, oficiais do governo e contratantes independentes, e, como resultado disso, são várias as explicações que nos são dadas. Num certo ponto, a câmera nos leva a um seminário com Dave Grossman, um treinador experiente de aplicação da lei e coronel tenente aposentado do exército, que ensina aos recrutas que “A violência é a sua ferramenta... Vocês são homens e mulheres da violência”.
Ele passa a impressão de ser uma versão assustadora e sanguinária de um palestrante motivacional, explicando coisas como, por exemplo, que os recrutas terão o melhor sexo que já tiveram em meses depois de passarem por uma experiência de quase morte. Seus livros são leitura obrigatória para a Academia do FBI e muitas outras academias de polícia, como nos informa o filme.
Mesmo sem a orientação de um narrador ou um único arco narrativo que seja, fica cada vez mais claro que a guerra contra o terror acabou sem querer gerando uma outra guerra: entre os policiais treinados como soldados para o combate e as pessoas que era seu dever proteger. É claro que nem todo policial é sanguinário, mas a atitude das orientações dadas nos departamentos que vemos no filme não deixa o menor espaço para a compaixão.
O documentário parece expansivo até demais às vezes, sobretudo quando trata do futuro da tecnologia. As revelações são chocantes: Um homem descreve drones programados para decidir quem vive e quem morre, ou os dados que podem prever as chances de conduta ilegal de uma criança que ainda não nasceu. Mas essas histórias não parecem se encaixar com o que vimos antes.
Ainda assim, o filme, ganhador do prêmio de melhor documentário no festival de Tribeca, chama a nossa atenção para uma tendência que vem levando a algumas mudanças sociais alarmantes. Em certo ponto, James B. Comey, diretor do FBI, dá um discurso no qual responde às críticas contra os chamados “policiais guerreiros”. “Existem monstros de verdade”, é a justificativa que ele dá para defender a militarização das forças policiais.
E eles existem mesmo: disso não há dúvidas. Como bem nos mostra “Do Not Resist”, alguns deles até usam farda.
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