Década de 1930. Meninos negros são retirados de um orfanato e levados para uma fazenda, onde são mantidos sob regime de escravidão por uma família nazista. Parece o roteiro de um filme aterrorizante, mas é uma história real. E aconteceu no Brasil. Desconhecido até o final dos anos 90, o episódio foi descoberto por um historiador e agora revelado ao grande público no documentário “Menino 23: Infâncias Perdidas no Brasil”, que chega esta semana aos cinemas.
A descoberta teve início em 1998, quando o historiador Sydney Aguilar Filho dava aula e falava sobre o nazismo para uma turma de ensino médio. Uma aluna disse que na fazenda da família uma casa havia sido demolida e nela foram encontrados tijolos com a suástica, o símbolo do regime nazista. Movido pela curiosidade e o interesse histórico, Sydney foi ao local, no município de Campina do Monte Alegre, no interior de São Paulo, e iniciou uma pesquisa.
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O resultado da investigação foi a tese de doutorado “Educação, Autoritarismo e Eugenia”, que serviu de base para “Menino 23”. “Quando li a pesquisa, vi na hora a possibilidade de fazer um filme. Mais do que uma história, o que está presente ali é a História com H maiúsculo, do período Getúlio Vargas, o integralismo e a presença do nazismo na sociedade”, relata o diretor do longa, Belisario Franca.
Em sua pesquisa, Sydney descobriu que pelo menos 50 meninos negros foram retirados de um orfanato no Rio de Janeiro e levados para a Fazenda Santa Albertina, de propriedade do empresário Osvaldo de Rocha Miranda. Ele e a família eram adeptos do movimento eugenista, que, fundamentado nos ideais nazistas, tinha o propósito de “melhorar a raça humana”. Na fazenda, crianças que chegaram na casa dos dez anos de idade, trabalhavam como escravas.
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Reduto nazista
Na década de 1930, a Fazenda Santa Albertina, em Campina do Monte Alegre (SP), manteve um grupo meninos negros em regime de escravidão. Os proprietários eram ligados ao pensamento eugenista (com raízes no integralismo e no nazismo).
Um desses garotos era Aloísio Silva, descoberto por Sydney Aguilar e um dos entrevistados para o filme. Como os órfãos eram identificados por números, Aloísio era o “menino 23”, que dá título ao longa. Durante a pesquisa para o filme, Belisario acabou encontrando em Foz do Iguaçu outro remanescente, Argemiro dos Santos. Até então, ele não havia contando a história nem para a própria família.
Conta para acertar
Para ilustrar a narrativa, Belisario mesclou dramatizações com imagens da época, coletadas fora do Brasil, em museus dos Estados Unidos, Alemanha e França. Para ele, ainda há muito a desvendar em relação à chamada “era Vargas”. “O Brasil tem uma conta para acertar com esse período, que ainda não foi debatido e pesquisado na medida que merece. Ensinam muito sobre comemorações cívicas, mas há práticas pouco louváveis, que têm passado ao largo”, diz o cineasta.
A própria história retratada em “Menino 23” é um exemplo, que, na opinião do diretor, serve como reflexão para o momento atual. “O Brasil é uma sociedade dissimulada. Ficamos chocados ao ver o que acontecia na década de 30, mas ainda assistimos a uma presença forte de ideias totalitaristas, traços de violência e posturas racistas. É um tanto assustador”, diz.
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