Era uma segunda-feira de Carnaval no Brasil, feriado prolongado, quando grande parte das pessoas está de folga e o noticiário geralmente não traz grandes novidades. Mas naquele 11 de fevereiro de 2013, o mundo foi sacudido com uma notícia surpreendente: antes de completar oito anos no cargo, Joseph Ratzinger, o papa Bento XVI renunciava ao cargo. Para se ter uma ideia do que isso significava, em mais de dois mil anos de história da Igreja Católica, apenas três papas haviam renunciado, o último deles no século 15.
A justificativa de Bento, então com 86 anos, era de que suas forças, já com a idade avançada, não lhe permitiam exercer adequadamente o pontificado. Extraoficialmente, foram levantadas hipóteses relacionando a renúncia às crises enfrentadas por Ratzinger, como casos de pedofilia na igreja, vazamento de documentos secretos e denúncias de corrupção no Banco do Vaticano – nenhuma delas confirmada. Independentemente das razões da renúncia, um sucessor deveria ser eleito e o escolhido foi o argentino Jorge Bergoglio, o papa Francisco.
Como a tradição é de que o posto papal fique vago somente após a morte do titular, e Bento foi nomeado papa emérito após a renúncia, criou-se uma situação incomum: a existência de dois papas ao mesmo tempo. Mais que isso, dois religiosos com personalidades e visões bem diferentes. Esse cenário levou o escritor e roteirista neozelandês Anthony McCarten a escrever o livro Dois Papas, que se tornou a base para o filme homônimo.
Apesar de concebidas pelo mesmo autor, tratam-se duas obras diferentes, no papel e na tela. O livro é fruto de uma apurada pesquisa conduzida por McCarten, que conta a história de Ratzinger e Bergoglio, da infância ao Vaticano, e narra como se deu todo o processo que compreendeu a renúncia de Bento e a escolha de Francisco. O filme, por sua vez, parte dessa apuração para recriar a transição entre os papados, mas com um toque de ficção: no roteiro, McCarten imagina uma série de encontros entre os dois, nos quais eles dividem suas angústias e inquietações dias antes da inesperada renúncia.
Humor e leveza
A tarefa de colocar na tela esse encontro histórico foi dada a um brasileiro, Fernando Meirelles, o consagrado diretor de Cidade de Deus. Para viver os protagonistas, foram escalados outros dois nomes de peso, os britânicos Anthony Hopkins, que interpreta Bento, e Jonathan Pryce, que vive Francisco. As escolhas não poderiam ter sido mais acertadas. Ambos concorrem ao Globo de Ouro, Pryce como melhor ator dramático e Hopkins como ator coadjuvante. A produção ainda concorre nas categorias melhor filme dramático e roteiro, acumulando grandes chances de concorrer ao Oscar.
O filme começa com a morte de João Paulo II, em 2005, que abre a necessidade de um conclave para a eleição do novo papa. Ratzinger é o escolhido, com Bergoglio ficando como o segundo mais votado. O argentino volta para casa, até que em 2013, quando já planejava entregar ao papa uma carta solicitando sua aposentadoria, ele é chamado ao Vaticano. A expectativa era de que pudesse enfim oficializar seu pedido, mas o encontro com Bento mostra que o (ainda) papa tinha outras intenções.
A partir desse encontro, Dois Papas conduz a narrativa de forma a mostrar como o então papa e seu futuro sucessor eram diferentes. Bento, uma pessoa reservada, que dedicou a maior parte da vida religiosa aos estudos teóricos, com uma visão conservadora quanto ao papel da Igreja Católica. Bergoglio, uma pessoa carismática, afeita ao convívio com a comunidade, em especial os mais pobres, e aberto a novas ideias.
O segredo do sucesso do filme está na leveza com que Meirelles e McCarten conduzem a trama. Se o encontro entre dois líderes religiosos imersos em questões filosóficas e existenciais pode suscitar a ideia de que veremos um filme pesado e arrastado, isso se desfaz logo na primeira cena. Ao telefone, Bergoglio tenta reservar uma passagem de avião. Quando diz seu nome – “Jorge Bergoglio, como o papa?”, pergunta a atendente – e que está falando do Vaticano, o telefone é desligado na sua cara, por acharem que não passava de um trote.
A cena resume de forma eficaz a tônica de Dois Papas. É um filme que retrata os ocupantes de um dos cargos mais importantes do planeta como pessoas normais, gente como a gente. Tidos como infalíveis por muitos de seus seguidores, eles demonstram fraquezas, dúvidas e arrependimentos. Ao mesmo tempo, compartilham piadas, comem pizza com refrigerante, torcem durante a final da Copa do Mundo, entre Alemanha e Argentina. Apesar de abordar a Igreja Católica, funciona como um retrato humanizado da sociedade sob muitos aspectos.
Um filme sobre perdão
Em uma entrevista ao Canal Brasil, o diretor Fernando Meirelles disse que, inicialmente, não estava disposto a realizar Dois Papas. “Quando me mandaram o roteiro, eu não iria fazer porque era um assunto sobre o qual eu não entendo. Mas depois que eu li, vi que era algo muito bacana, um roteiro inteligente, que dava para colocar humor”, conta. Ele diz ainda que Anthony Hopkins era sua escolha para o papel desde o começo, enquanto Jonathan Pryce tinha a personalidade a seu favor. “Ele tem uma leveza, uma simplicidade, que achei que se encaixaria muito bem no papel do papa Francisco.”
Para Meirelles, Dois Papas é um filme sobre perdão, ao mostrar dois líderes religiosos que buscam superar a culpa. “Os dois fizeram grandes besteiras na vida e têm peso na consciência por conta disso, não conseguem se perdoar. Nesses encontros, eles buscam o autoperdão e perdoar um ao outro. Então, acho muito interessante tratarmos de tolerância, nessa época em que não gostamos muito de ouvir o outro e perdoar.”
Uma ideia compartilhada pelo roteirista Anthony McCarten, conforme manifestou em uma entrevista ao site Deadline. “Em um mundo onde conservadores e progressistas estão muito entrincheirados, se afastando com muita raiva, queríamos fazer um filme sobre como encontrar o meio termo. Porque, para progredir juntos, teremos que ouvir mais um ao outro. Teremos que encontrar a comunhão.”
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