A ex-doleira Nelma Kodama, que se tornou a primeira mulher presa na Lava Jato| Foto: Divulgação Netflix
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Primeira mulher presa na Operação Lava Jato, Nelma Kodama chamou a atenção do país inteiro ao entoar Amada Amante durante a Comissão Parlamentar de Inquérito que investigou a Petrobrás, em 2009. A cena é revisitada no documentário Doleira: A História de Nelma Kodama, ainda que sem o áudio do sucesso de Roberto Carlos (a Netflix podia ter se empenhado mais para conseguir os direitos autorais da canção). Mas a jornada de Nelma vai muito além desse fato, como o diretor João Wainer demonstra no filme.

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A hoje “ex-doleira” saiu do interior de São Paulo para atuar como dentista na capital. Por causa de um relacionamento, acabou indo mexer com dólares, e se destacou na área por atender comerciantes do centro da cidade. Mais tarde, também movida por um amor (no caso, o doleiro Alberto Youssef), foi enredada na Lava Jato, após ter sido presa tentando embarcar para Milão com 200 mil euros acoplados em sua calcinha. A última prisão ocorreu em Portugal, por suposto tráfico internacional de entorpecentes, crime no qual foi envolvida, claro, por um namorado.

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Tudo isso está bem relatado e explicado no filme da Netflix, com jornalistas, políticos e amigos de Nelma reforçando a narrativa com seus depoimentos. Mas João Wainer vai muito além de juntar as contravenções da doleira em uma hora e meia. Ele explora a personagem em todas as suas facetas peculiares. Em várias situações, Nelma se percebe como uma artista, uma maestrina regendo orquestras ao seu redor, e o diretor embarca nessa fantasia.

Considerando que a doleira veio de uma família com boas condições, que até permitia a ela levar os amigos para dar rasantes pela cidade de Lins pilotando o avião do tio, é possível interpretar seu desenrolar profissional como uma grande performance. Nelma tinha opções, mas deixou-se seduzir – conscientemente – pelo dinheiro, pelo poder e pelos homens que amou. Um dos momentos mais engraçados do documentário é quando ela se recorda dos olhos “liiiiindos” de Youssef, dizendo que logo percebeu que ele não tinha um casamento bacana por andar muito malvestido.

Voz da razão no xilindró

Como a passagem na CPI confirma, nem quando esteve em apuros, Nelma perdeu a queda para o deboche ou o tino para liderar. É creditado a ela a influência decisiva para que a secretária executiva da Odebrecht delatasse os donos da empreiteira. Enquanto alguns presos da Lava Jato achavam que aquele movimento seria arriscado, Nelma incentivou a colega de xadrez a entregar tudo, o que foi crucial no momento em que a operação deixava o Brasil eletrizado.

Uma tristeza de Doleira: A História de Nelma Kodama é constatar como todo o empenho da força tarefa hoje está reduzido a pó. O saudoso “japonês da Federal” até aparece numa cena, trazendo memórias de quando o país acordava já querendo saber se algum figurão teria recebido sua visitinha pela manhã. O escarcéu da Vaza Jato, o desejo de “descondenar” campeões de voto e nosso pendor para a impunidade fez o sonho de um Brasil mais honesto voltar a ser um sonho.

O documentário da Netflix entra nessa conta como uma atração desse circo (de horrores). Por isso mesmo, é justo que o causo seja contado com muito bom humor, aproveitando o alto astral e a singularidade da personagem abordada. A trilha sonora original é um pouco excessiva, mesmo sendo assinada pelo experiente Apolo Nove. De resto, o filme não merece reparos. O Brasil é que carece.

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  • Doleira: A História de Nelma Kodama
  • 2024
  • 94 minutos
  • Indicado para maiores de 14 anos
  • Disponível na Netflix