Basta passar o olho no noticiário na editoria Mundo para saber que a Venezuela, como diria Galvão Bueno, “vive um drama, amigo”. Mais uma vez, a democracia naquele país foi derrotada pelo governo ditador de Nicolás Maduro, reforçando a importância de se debater a situação de sua população, que cada vez mais se espalha ao redor do mundo no afã de fugir do caos local. Justamente por isso, agora é o melhor momento para assistir Simón, filme lançado pela Netflix no ano passado.
Dirigido pelo venezuelano Diego Vicentini, de 30 anos, o longa-metragem acompanha a história do personagem titular, um estudante que comanda manifestações estudantis contra a opressão no país, mas que acaba fugindo para os Estados Unidos com um visto de turismo. Simón revela as dualidades de seu protagonista desde o início, intercalando cenas do rapaz desiludido em Miami e como um corajoso líder ativista. Inicialmente, parecem duas personalidades completamente diferentes, mas a narrativa não-linear encaixa as duas pontas aos poucos.
Quando o venezuelano conhece a personagem Melissa, uma advogada que o ajudará a buscar asilo nos EUA, ele relata o que aconteceu em seu passado. Aí se torna possível entender alguns de seus traumas: ele viu um amigo ficar cego durante manifestações em Caracas e depois foi delatado por um companheiro, resultando em sua prisão.
Simón começa então a confrontar o seu passado na Venezuela. Ele precisa retomar contato com os antigos colegas de manifestação para conseguir provas de que foi um perseguido político. Entretanto, fica malvisto por eles por fazer uma ligação após quatro meses de sumiço, como se fosse um traidor da causa. O filme avança nos dois lados da trama, revelando toda a turbulência do personagem para decidir se voltaria ao seu país para ajudar os amigos ou se pegaria o asilo em definitivo nos States.
Sentimento de culpa
Vicentini, que se mudou para os EUA com a família quando tinha 15 anos, começou a produzir o filme como um trabalho de conclusão de curso, enquanto estudava cinema em Los Angeles. “A gênese emocional do filme veio da minha culpa por não estar lá e da minha intenção em contribuir”, contou o jovem diretor em uma entrevista ao jornal espanhol El País. “É por isso que a película se divide entre a culpa e o perdão, o poder de perdoar a nós mesmos pelo que deixamos de fazer.”
Após a entrega do trabalho, Vicentini decidiu transformar o trabalho em um longa-metragem e logo obteve apoio da Academia Venezuelana de Cinema, uma instituição não-governamental criada por civis para apoiar a produção cultural do país. Com a missão de fomentar “democracia, pluralismo, transparência e participação”, a associação logo emplacou o filme do jovem no prêmio Goya, uma espécie de Oscar espanhol, sendo indicado na categoria Melhor Película Ibero-americana.
Não tardou para a Academia também conseguir agitar uma estreia de Simón na Venezuela, onde o longa surpreendentemente não foi censurado. Ao ser registrado no país, o filme de Vicentini apenas recebeu uma advertência de que ele poderia violar a “Lei contra o Ódio, para Convivência e Tolerância Pacíficas”, colocando o diretor em risco de ser preso por até 20 anos. “Tratamos como apenas uma observação e seguimos adiante, mas nós entendemos a advertência”, afirmou o venezuelano na mesma entrevista ao El País.
Um clandestino no próprio país
Quando finalmente chegou à noite de estreia, em 2023, ele precisou entrar escondido em seu país natal, acessando-o pela fronteira com Cúcuta, na Colômbia. Vicentini relata que suou frio no dia do retorno. “Encontrei um país pobre e parado no tempo, mas com muitas pessoas tentando seguir a rotina normalmente. As pessoas enterram o que aconteceu, porque se você acordar todos os dias pensando nisso, em todas as injustiças, torna-se insuportável e paralisante.”
Simón pode não ser perfeito (algo que é notado pela falta de menções mais diretas a Maduro, o ditador por trás de todo sofrimento), mas é um ótimo primeiro filme de cineasta iniciante. Ao construir aos poucos toda a triste situação dos manifestantes, o longa faz um bom serviço em sensibilizar e localizar o espectador que sabe pouco ou quase nada sobre a situação da Venezuela. Portanto, é uma ferramenta ideal para conscientizar quem está em outros países e ainda não se engajou contra a tirania chavista. Como os ativistas do longa dizem, se não deu certo antes, foi porque “faltou pressão”.