“Eu tenho certeza de que a Elis não era uma das cantoras favoritas do Tom.” Essa frase do jornalista e produtor Nelson Motta é apenas uma das muitas pérolas de Elis & Tom, Só Tinha De Ser Com Você, documentário que desembarcou no Globoplay sobre a parceria musical entre a cantora Elis Regina e o compositor Tom Jobim. O disco gravado por eles, que completa 50 anos em 2024, é um dos mais emblemáticos da Música Popular Brasileira e a produção consegue justificar muito bem essa fama.
Registrado em Los Angeles, entre fevereiro e março de 1974, Elis & Tom surgiu como um presente da gravadora Philips, na época encabeçada pelo diretor André Midani, para comemorar os dez anos da cantora no selo. O momento não poderia ser o mais adequado para ambos. Elis tinha enorme talento e já havia lançado 12 discos, mas, segundo o seu empresário, Roberto de Oliveira, ainda não possuía prestígio. Em paralelo, Jobim, um dos pais da bossa nova, com disco dividido com Frank Sinatra no currículo, sentia que o seu tipo de música estava morrendo.
Para contar como ambos aceitaram a ideia, mostrar o processo de produção e os bons e maus bocados no estúdio, o documentário foi construído com cenas gravadas em filme pelo próprio Oliveira. O empresário registrou mais de cinco horas, sabendo que aquele era um “momento histórico”. Essa característica ajuda a transportar o espectador no tempo e a se sentir ainda mais próximo daquela época. Em uma passagem, por exemplo, são apresentadas imagens de Los Angeles durante a gravação do disco. A efervescência cultural fica estampada na tela, com os cinemas locais estreando filmes como O Exorcista e O Dorminhoco.
Completando esse cenário, o longa intercala os registros de meio século atrás com entrevistas inéditas com músicos como o contrabaixista Ron Carter e o guitarrista Roberto Menescal, além de Midani, Motta e Oliveira. Eles adicionam detalhes sobre as personalidades de Elis e Jobim, apresentando também um “antes e depois” do disco.
O chato e a briguenta
Ouvindo a voz afinada e os arranjos bem trabalhados de Elis & Tom, um leigo poderia achar que o ambiente foi um dos mais agradáveis para a gravação. Mas o documentário não poupa esforços em ser o mais realista possível, exibindo as tensões entre os protagonistas, que eclodiam entre situações descontraídas.
Apesar de igualmente geniais em suas respectivas áreas, os dois possuíam estilos diferentes e isso era a fonte de atritos nas decisões artísticas. Enquanto Elis prezava por interpretações potentes, Jobim era um mestre do minimalismo. Elizabeth, filha do pianista, descreve assim o pai no documentário: “ele tocava como se estivesse catando milho”.
Para Menescal, a cantora chegou a dizer que o maestro Jobim era “um chato” e que as gravações estavam ruins. O estresse dela veio da necessidade do pai da bossa nova em controlar os arranjos e partes instrumentais, além de suas implicâncias com a sonoridade, complicando ainda mais o trabalho da vocalista – não faltam cenas de Elis com alguma careta ou relatos de músicos do disco relembrando os puxões de orelha dados por Jobim.
A cantora, por sua vez, não tinha reputação de ser gente boa e colecionava desentendimentos com figuras tão díspares quanto a cantora Maysa e o multi-instrumentista Hermeto Pascoal. Abordada na película, uma das brigas dela com um ex-namorado matou um projeto repleto de potencial com o saxofonista Wayne Shorter. A lenda do jazz morreu no ano passado, mas deixou um depoimento para o documentário, desabafando sobre seu desejo de trabalhar com Elis.
Independentemente do conhecimento que se tenha sobre a obra, sobre as trajetórias de Elis Regina e Tom Jobim ou até sobre teoria musical, o filme é um bálsamo para quem aprecia cultura brasileira. Elis & Tom, Só Tinha De Ser Com Você é uma ode a um tempo em que a produção nacional era mais sofisticada e gênios brigavam para chegar ao melhor resultado possível.
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