Cena do filme de 1949, que foi sucesso de bilheteria e conquistou dois prêmios no Oscar| Foto: Divulgação Mubi
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Desde a criação do mundo, conforme as escrituras sagradas hebraicas reveladas na Bíblia – parte dela adaptada para o cinema no filme A Bíblia... No Início, analisado no domingo passado –, percebemos que a todo momento Deus escolheu alguns homens para coloca-los à prova, algo como um teste de sua fé e temor ao Criador. Alguns desses personagens são mais conhecidos e suas passagens não apenas citadas, mas principalmente traduzidas como ensinamentos ou inspiração cotidiana, mesmo nos dias atuais, em todo o mundo. Outras passagens e acontecimentos descritos, no entanto, exigem um olhar mais atento para decodificarmos símbolos e revelações com profundo significado e importância.

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Está lá no Livro dos Juízes, na Bíblia Hebraica ou Antigo Testamento (entre os capítulos 13 a 16), a história de Sansão e Dalila. Aparentemente, trata-se de mero entretenimento literário. Mas a grandeza dessa passagem lhe rendeu algumas ótimas adaptações cinematográficas, como o clássico épico Sansão e Dalila, feito em 1949 com direção Cecil B. DeMille, disponível no streaming (Looke, NetMovies, OldFlix) e para locação (Claro, Amazon, Google, AppleTV). Uma narrativa curta na Bíblia, mas que se transformou numa grande produção hollywoodiana, que obteve cinco indicações para o Oscar, levando as estatuetas de direção de arte e figurinos. Sansão e Dalila também conquistou a maior bilheteria em solo americano desde a versão de Os Dez Mandamentos, feita em 1923.

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Amor e traição, força e fraqueza, fé e dúvida, liberdade e escravidão. Esses são apenas alguns dos ótimos ingredientes da narrativa, com uma pitada de ação e aventura aqui e ali, colocados de forma clara e objetiva. Mas Sansão e Dalila também contempla toda uma simbologia que explica várias das tradições judaicas mantidas há séculos e elementos históricos que, analisados numa perspectiva atual, permite nossa compreensão dos terríveis conflitos do Oriente Médio, sobretudo a guerra em curso nesse instante em Israel e Palestina.

Conforme acompanhamos no filme, Sansão (Victor Mature) era da tribo de Dã e, durante um período que se estendeu entre 1250 a.C. a 1030 a.C., foi considerado juiz do povo israelita com função de liderança política e religiosa, além de líder militar. Sansão também era o que se denominava nazireu – de acordo com a Torá, a palavra designa uma pessoa a serviço de Deus. Apenas como curiosidade, algumas características de um nazireu era a proibição do consumo de vinho ou outro alimento feito de uva, abstinência de carnes sujas como a do porco (tradição mantida até hoje, com os alimentos kosher) e o uso dos cabelos longos, jamais cortados em toda a vida (ainda que adaptado, também uma tradição até hoje com os judeus ortodoxos que usam o peiot, aqueles cachos laterais que se unem à barba).

Madeixas poderosas

Sansão, escolhido para salvar o povo israelita, recebeu de Deus um poder jamais dado a outro homem: uma força descomunal, capaz de fazê-lo matar um leão ou, sozinho, derrotar mais de 50 soldados. E essa força, oriunda justamente de seus longos cabelos, deveria ser usada para salvar o povo de Israel do poder dos filisteus, que escravizavam os judeus por 40 anos. Mas Sansão era também um jovem ainda inconsequente, mais interessado em namoradas, enquanto os pais queriam que ele se casasse rapidamente com uma israelita. Para desgosto da família, Sansão se apaixona por uma filisteia, Semadar. A mãe de Sansão, de forma premonitória, alerta o filho de que ele será traído durante o próprio casamento. É após essa cerimônia fracassada que surge na vida de Sansão a voluptuosa Dalila (Hedy Lamarr), irmã de Semadar. Ocorre que Dalila também é filisteia e, ainda que faça juras de amor eterno, é uma mulher egoísta, interesseira e traiçoeira, cultivando somente os desejos de poder e riqueza.

Com a promessa de que receberia 1.100 moedas de prata, Dalila faz um pacto com os líderes filisteus: descobrir a fonte de toda a força de Sansão, para assim conseguir destrui-lo. A revelação é feita, Dalila corta os cabelos de Sansão enquanto ele dormia e então ele é feito prisioneiro, além de ter os olhos arrancados. Antes o homem mais forte jamais conhecido, agora Sansão encontrava-se frágil, alquebrado e também cego. Tanto os líderes quanto a população filisteia queriam vencer, mas igualmente humilhar Sansão diante de todos. Numa celebração, Sansão será levado ao templo dos líderes filisteus, onde o herói israelita deverá ajoelhar-se para ser sacrificado diante de Dagon, uma das principais divindades filisteias.

Os filisteus, no entanto, esqueceram-se de um detalhe: os cabelos de Sansão voltaram a crescer após tanto tempo de aprisionamento e sua força foi restabelecida. Mantendo aquilo em segredo, Sansão aceita os pedidos de desculpa de Dalila, mas pede a ela que, quando for levado ao templo filisteu, seja colocado entre duas colunas de sustentação. A população e todos os governantes estavam presentes. De acordo com a Bíblia, seriam mais de três mil pessoas. Sansão falou com Deus em oração e, logo em seguida, revelou sua força e empurrou as colunas do templo, que rapidamente começou a desmoronar, sendo totalmente destruído. Sansão, dessa forma, vingou-se com a morte de todos, mas também oferecendo sua própria vida a Deus.

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Aqui, vale uma exegese para justificar pontos históricos: os filisteus formavam um povo que surgiu inicialmente na civilização micênica, na Grécia Antiga, que acabou invadindo e ocupando a costa sudoeste de Canaã (atualmente Israel), estabelecendo ali um território chamado Filístia ou Palestina (que agrega, entre outras áreas, o que hoje conhecemos como Gaza). Assim como descrito na Bíblia e apresentado no filme, após a destruição completa do templo, os filisteus fugiram da região e o território voltou a ser dominado pelos israelitas. Isso ocorreu há mais de 3 mil anos e jamais, em toda a história, voltou-se a falar em Palestina até o surgimento de um camarada chamado Yasser Arafat, que decidiu ressuscitar a passagem bíblica dos filisteus e, nos anos de 1960, criou a Organização para a Libertação da Palestina (OLP). Mas essa é outra história.