Em seu livro Especulações Cinematográficas, lançado no Brasil, o cineasta Quentin Tarantino detalha uma teoria interessante sobre a chamada “Nova Hollywood”, a grande leva de filmes feitos nos Estados Unidos entre 1967 e 1976 e que revolucionou o cinema com obras autorais e influentes como O Poderoso Chefão, Taxi Driver e O Exorcista.
Tarantino divide os cineastas do período em dois grupos: de um lado, a nova geração, ou os “Pirralhos do Cinema”: Martin Scorsese, Brian De Palma, Francis Ford Coppola, Peter Bogdanovich, Steven Spielberg e George Lucas. “Eles foram a primeira geração de cineastas homens, jovens e brancos criados assistindo à televisão e formados em faculdades de cinema, e surgiram para definir o tom daquela década (1970) com filmes populares e estilosos”.
Mas a “Nova Hollywood”, conta Tarantino, não era tão nova assim. Do outro lado, havia uma grande leva de cineastas veteranos, que ele chama de “cineastas antissistema”. Tarantino escreve: “Os cineastas antissistema eram: Robert Altman, Bob Rafelson, Hal Ashby, Paul Mazursky, Arthur Penn, Sam Peckinpah, Frank Perry, Michael Ritchie, William Friedkin, Richard Rush, John Cassavettes e Jerry Schtazberg”. Eram, na maioria, cineastas ligados à contracultura e com uma visão pessimista dos Estados Unidos e de Hollywood.
É curioso que Tarantino esqueça justamente um dos maiores – para alguns, o maior – cineasta “antissistema” do período: Sidney Lumet (1924-2011). Um veterano do teatro judeu nova-iorquino e da TV, Lumet já era um nome famoso no fim dos anos 1960, tendo estreado na direção de longas para cinema com uma obra-prima, 12 Homens e uma Sentença, de 1957.
Entre 1973 e 1976, nenhum cineasta norte-americano fez uma sequência tão primorosa de filmes como Lumet: Serpico (1973), com Al Pacino no papel de um policial incorruptível às voltas com a podridão entre seus superiores; Um Dia de Cão (1975), novamente com Pacino, dessa vez interpretando um atrapalhado assaltante de banco nesse drama com pitadas de humor sombrio, e Rede de Intrigas (1976), impressionante comédia dramática sobre os bastidores da televisão.
São três filmes clássicos que denotam o interesse de Lumet por questões sociais e seu antagonismo em relação ao sistema. O cineasta era um liberal de esquerda e sempre fez filmes sobre temas “importantes”, seja a questão racial, a corrupção oficial ou o domínio de megacorporações.
Filme-pipoca
Perdido no meio dessas três obras-primas está outro excelente filme de Lumet, quase sempre ignorado: Assassinato no Expresso Oriente. É um filme bem diferente dos outros três, até pela leveza do tema. Nada de racismo, corrupção ou conflitos: Lumet simplesmente filmou uma das mais conhecidas e adoradas histórias da Primeira Dama da literatura policial, a britânica Agatha Christie.
Caso raro de “filme-pipoca” dirigido por Sidney Lumet, Assassinato no Expresso Oriente, que está completando 50 anos, traz o detetive Hercule Poirot (vivido por Albert Finney) investigando o misterioso assassinato de um milionário norte-americano a bordo do trem Expresso Oriente (uma linha que cruzava praticamente toda a Europa, indo de Paris a Istambul).
O elenco é uma preciosidade: Ingrid Bergman, Lauren Bacall, Sean Conery, John Gielgud, Vanessa Redgrave, Michael York, Jacqueline Bisset e Anthony Perkins, entre outros. Todos parecem estar se divertido horrores no filme. Sem a necessidade de contar uma história pesada, Sidney Lumet também parece ter relaxado, e conduz o filme com muita habilidade. A produção foi indicada a seis Oscar, e Ingrid Bergman ganhou a estatueta de Melhor Atriz Coadjuvante.
Assassinato no Expresso Oriente está disponível no Prime Video e no Looke, e é uma maravilhosa pedida para ver neste feriado com toda a família. Só tome cuidado para não se confundir e assistir à refilmagem, dirigida em 2017 por Kenneth Brannagh, que não chega nem perto do charme e diversão do filme de Sidney Lumet.
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